Um dos mais temidos vírus emergentes, o hantavírus é o agente causador de uma síndrome pulmonar mortal para a qual não há vacina nem tratamento. A letalidade é alta, atingindo 41% no Brasil.
Os hospedeiros do hantavírus são pequenos roedores que vivem em áreas naturais e no campo. Foram eles os responsáveis pela disseminação da doença pelo Brasil. A transmissão da doença se dá por meio do contato com partículas aerizadas do vírus, presentes na saliva, na urina e nas fezes dos roedores.
A emergência epidemiológica do hantavírus no Brasil levou a um estudo cujos resultados foram publicados na revista PLoS One. O trabalho fornece as primeiras evidências de fatores sociais, ecológicos e climáticos associados com a incidência da Síndrome Pulmonar Hantavírus na América tropical.
A pesquisa é coordenada por Jean Paul Metzger, professor titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, e por sua doutoranda, Paula Prist, e integra o Projeto Temático “Projeto interface: relações entre estrutura da paisagem, processos ecológicos, biodiversidade e serviços ecossistêmicos”, do programa BIOTA-FAPESP.
“Queríamos identificar quais variáveis socioambientais estão relacionadas com a doença e tentar estabelecer quais seriam as condições de risco de infecção”, disse Metzger.
Até o momento, foram identificadas oito variantes de hantavírus no Brasil. Oito também é o número de espécies de roedores que são reservatórios naturais do vírus no país. Três dessas espécies são responsáveis pelo maior número de casos: o rato do rabo peludo (Necromys lasiurus) na região de Cerrado no nordeste de São Paulo; o ratinho do arroz (Oligoryzomys nigripes) na Mata Atlântica paulista; e o rato da mata (Akodon montensis) no Paraná.
Além de São Paulo, entre 1993 e 2012 foram registrados casos no Paraná, no Cerrado, em Rondônia, na Amazônia e no Maranhão. No período, foram 1.537 casos registrados, sendo 207 no Estado de São Paulo. Os dados são do Centro de Vigilância Epidemiológica paulista.
Em São Paulo, os casos da doença estão divididos entre aqueles que ocorreram no Cerrado (57 casos) ou na Mata Atlântica (150). No Cerrado, a incidência se circunscreve às áreas agrícolas, pois o N. lasiurus é um animal que vive em áreas abertas, como campos agrícolas, e se alimenta dos restos da plantação. Já na Mata Atlântica, a incidência está relacionada às áreas mais fragmentadas.
“O estudo consistiu em quantificar as associações entre a incidência da síndrome pulmonar hantavírus em São Paulo entre 1993 e 2012 com variáveis climáticas (precipitação anual, temperatura média anual), com a estrutura da paisagem (proporção de cobertura florestal nativa, número de fragmentos florestais, proporção de área plantada com cana-de-açúcar) e com fatores sociais, como o Índice de Desenvolvimento Humano de cada cidade e o total de homens trabalhadores rurais com mais de 14 anos”, explicou Metzger.
Os pesquisadores empregaram modelos estatísticos para analisar dados da incidência da doença no Estado de São Paulo e as variáveis estudadas. A partir dos dados, foram construídos modelos para os dois principais biomas do estado: Cerrado e Mata Atlântica.
Um resultado importante do estudo é que a extensão das plantações de cana-de-açúcar se mostrou o mais importante fator para estimar a infecção por hantavírus, e que essa relação se observa tanto no Cerrado como na Mata Atlântica.
Do ponto de vista ecológico, os pesquisadores apontam que o aumento no número de casos pode ocorrer em função do desmatamento e da expansão dessa cultura.
“Quando áreas de floresta são derrubadas, aquelas espécies de roedores especialistas em sobreviver naquele ambiente tendem a desaparecer”, disse Prist. “Em seu lugar entram as espécies generalistas, como roedores capazes de sobreviver em diversos ambientes. Os roedores que transmitem o hantavírus se adequam a esta categoria.”
Os pesquisadores se surpreenderam com os resultados da análise da transmissão do hantavírus do ponto de vista climático. “Quando analisamos os dados obtidos, prevendo o risco de transmissão da doença em cenários futuros, tanto de clima quanto de expansão de cana-de-açúcar, percebemos que as mudanças climáticas têm um papel muito mais significativo na expansão da doença”, disse Metzger.
“Quanto maior foi a temperatura média nos municípios afetados, nossa análise indicou que maior foi o risco de transmissão dessa doença”, disse o pesquisador que atua junto à Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) em diagnósticos temáticos de modelos e cenários, degradação e restauração, assim como no diagnóstico regional das Américas.
Metzger e colegas estudaram cenários de mudanças climáticas definidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e calcularam que em um cenário mais pessimista o número de trabalhadores rurais homens acima de 14 anos que poderia morrer em decorrência da hantavirose poderia aumentar em 34% em relação aos números atuais.
“Esse aumento é uma média para todo o Estado de São Paulo. Em alguns municípios, a ampliação da gravidade do problema pode ser maior”, disse Prist.
“Produzimos um mapa de risco que pode ser usado para a adoção de medidas preventivas e para a otimização de recursos que auxiliem para evitar a propagação da doença. Especialmente nos municípios que mostram índices de infecção médios para altos”, disse Metzger.
O primeiro surto de hantavirose registrado no mundo ocorreu na Guerra da Coreia (1950-53), quando cerca de 3 mil soldados das Nações Unidas adoeceram vítimas de uma misteriosa febre hemorrágica na região do rio Hantan – daí o nome. Mais tarde, soube-se que o agente teria infectado em torno de 12 mil soldados japoneses na invasão da Manchúria, nos anos 1930.
O vírus foi isolado apenas em 1977. Em 1993, houve um surto nos Estados Unidos. No mesmo ano, ocorreram os primeiros casos no Brasil, quando três irmãos, todos trabalhadores rurais, adoeceram e dois morreram em Juquitiba (SP). (Fonte: Agência FAPESP)