Um projeto da Prefeitura de Barcelona, na Espanha, criou superquadras (“superilles” em catalão, ou superilhas) com o objetivo de reduzir o uso de veículos e fazer com que o espaço público seja recuperado pelos cidadãos.
O trânsito já foi reduzido ou cortado na primeira “superilha”, formada pelos cruzamentos de nove quadras. Onde antes só passavam veículos, agora há parque infantil, palco para atividades culturais, quadras esportivas e até um parlamento pintado no chão.
O projeto-piloto começou em setembro passado no bairro de PobleNou. Já estão previstas mais cinco “superilhas” em outras áreas até 2018, um investimento de 10 milhões de euros (mais de R$ 33 milhões). A intenção da prefeita Ada Colau é implantá-las em toda a cidade.
Janet Sanz, vice-prefeita de Barcelona na área de Ecologia, Planejamento Urbano e Mobilidade, explica que a ideia nasceu há algum tempo, mas só começou a ser implantada agora por causa do aumento da poluição do ar, além da necessidade de gerar mais espaço público para diferentes atividades.
Carros demais – A poluição é um grave problema local. Segundo a prefeitura, Barcelona é a cidade europeia com maior densidade de carros – diariamente, mais de 500 mil veículos entram e saem do município, que tem 1,6 milhão de habitantes.
Todo ano, são registradas 3,5 mil mortes prematuras decorrentes da contaminação atmosférica, além de 31 mil casos de bronquite em crianças e 54 mil ataques de asma.
A administração municipal defende que, para reduzir a poluição do ar, é preciso desestimular o uso de veículos, fomentar um transporte público mais econômico e ecológico e implantar as “superilhas”, que proporcionarão mais zonas verdes na cidade.
Moradora da primeira “superilha”, Silvia Casorrán, de 37 anos, avalia o projeto de forma positiva. “Estou convencida de que a cidade tem de mudar o modelo de mobilidade, para reduzir a poluição que respiramos e mudar a forma como nos locomovemos”, afirma.
Salvador Clarós Ferret, presidente da associação de moradores do PobleNou, ressalta que o projeto vai transformar a mobilidade e o espaço urbano.
Para ele, a “superilha” propõe uma dinâmica contrária à da maioria das cidades. O congestionamento, afirma, “não se soluciona ampliando ruas, mas reduzindo o tráfego de veículos e forçando uma mudança de hábito”.
Afetados pela ‘superilha’ – O projeto também recebeu críticas de parte dos moradores e comerciantes, que criaram a Plataforma dos Afetados pela Superilha.
Eles reivindicam o direito de decidir sobre o uso das ruas.
A principal reclamação do grupo é que algumas ruas se tornaram exclusivas para pedestres e outras do entorno não. Outra queixa é dos comerciantes, principalmente donos de restaurantes, que acreditam que a redução do trânsito pode prejudicar seus negócios.
“A experiência mostra o contrário: transformar a rua para pedestres incrementa o comércio. Falta engajar a vizinhança, para que empreenda novas dinâmicas de utilização do espaço”, rebate Ferret.
Segundo o presidente da associação, as pessoas estão tão acostumadas a acreditar que as ruas são para os carros, e por isso a mudança gerou “surpresa” e “incompreensão” de alguns.
Mas no geral, diz, “o conceito de ‘superilha’ foi muito bem acolhido. Podemos aproveitar melhor o espaço para fazer outras atividades, já que não passam mais tantos carros aqui”.
Ferret reforça que a mudança deve ser acompanhada de mais alternativas de transporte público.
“É um projeto que terá sentido quando atingir toda a cidade. Vai reduzir o trânsito não só nas ‘superilhas’, mas também em volta delas.”
Janet Sanz admite que a medida é “ambiciosa e afeta muito o entorno”, o que requer uma mudança de “cultura”.
“Moradores que normalmente não participavam desse tipo de discussão agora participam. Acho porque positivo que os barcelonenses estão falando mais de urbanismo, opinam sobre como querem que sejam suas ruas”, observa a vice-prefeita.
Transformação – Como trabalho de campo, estudantes de diversas faculdades de Arquitetura fizeram as primeiras transformações do espaço em PobleNou.
Um dos supervisores, o arquiteto Iñaki Baquero, da Confederação de Oficinas de Projetos de Arquitetura (CTPA, na sigla em catalão), conta que durante dez dias os alunos pintaram e mudaram o mobiliário da “superilha”.
“A intenção é eliminar os carros da rua e humanizar as cidades. Esse espaço público é uma oportunidade para que as pessoas o utilizem de novo”, reforça.
Baquero explica que inicialmente a implantação é funcional, não urbanística, iniciada aproveitando o que já existe no asfalto. “Quando a ‘superilha’ se consolidar, os moradores poderão transformá-la em bosques ou em teatros”, exemplifica.
Segundo o arquiteto, o conceito de “superilha” pode funcionar bem em cidades octogonais como Barcelona.
Janet Sanz avalia que o modelo é exportável.
“Muitas cidades podem utilizar esse conceito e recuperar as ruas. A chave é que as ruas não sejam só o espaço onde o cidadão é um transeunte, mas onde se possa ler, comer, fazer esportes. Tudo isso forma parte da qualidade de vida de uma cidade”, opina.
A vice-prefeita revela que Barcelona tem recebido pedidos de informações de prefeitos de várias cidades do mundo.
“O objetivo é o mesmo: conseguir cidades amáveis, saudáveis, sustentáveis, onde possamos respirar ar puro”, afirma. (Fonte: G1)