Os peixes ornamentais disputam a liderança do mercado de animais de estimação ao lado dos cachorros e dos gatos. Mesmo com essa importância, a criação no campo só foi reconhecida há pouco tempo. A atividade garante o sustento de milhares de agricultores familiares.
O mundo dos peixes ornamentais é cheio de cores, brilhos e dos mais diversos formatos. Mas, antes de embelezar os aquários, a criação começa no campo. Seja em estufas ou em tanques escavados, oito municípios mineiros concentram 70% da produção nacional.
Não foi à toa que a zona da mata de Minas Gerais se tornou a maior produtora de peixe ornamental do Brasil. O clima favorável e a fartura de água deram ao lugar as condições propícias para o desenvolvimento da criação. Entremeadas por rios caudalosos, cachoeiras exuberantes e morros de onde vertem muitas nascentes, as propriedades encontraram na água doce a vocação para o sustento de pelo menos três mil pessoas.
O criador Márcio Onibene, do município de São Francisco do Glória, tem os tanques em uma área onde plantava milho e feijão. A escolha pelo peixe ornamental foi feita há 30 anos, quando a atividade engatinhava e o setor beirava a informalidade. Só há sete anos, a criação foi reconhecida pelo governo federal. Existir oficialmente trouxe uma série de exigências. “No começo foi necessário em torno de 13 documentos. Mas, depois foi aumentando. Demorou na média de três anos”, diz.
Os peixes ornamentais criados em Minas Gerais não pertencem às águas da região. A maior parte dos animais vem da Bacia Amazônica ou da Ásia. São pelo menos cem espécies e quase um incontável número de variedades, que seguem principalmente para São Paulo, de onde, depois, são distribuídas para todo o país. “No mês comercializamos em torno de 100 mil a 150 mil peixes”, calcula Onibene.
Em outra propriedade, que fica no município de Vieiras, o imponente casarão centenário foi testemunha do início de toda a piscicultura ornamental desenvolvida na zona da mata. Essa história foi contada décadas atrás no Globo Rural, quando o repórter Lucas Battaglin conheceu o grande incentivador da atividade na região.
Depois de tanto tempo, a fazenda que o Globo Rural conheceu na década de 80 mudou bastante. Inclusive, tem até outro dono. Mas, a principal fonte de renda dos novos proprietários continua sendo a piscicultura de peixes ornamentais. A diferença é que os tanques da frente da sede foram todos aterrados e o gado voltou a se tornar o protagonista desses hectares.
“Aqui tinha aproximadamente 500 tanques de peixe. Essa piscicultura já estava ultrapassada, degradada e os tanques muito velhos. Tinha que recomeçar. Tinha que desmanchar e fazer tudo novamente”, explicou o agricultor José Ronaldo Dias.
Enquanto José Ronaldo se dedica a cuidar do pasto das vacas de leite, o filho dele, Ulisses Dias, administra os 21 hectares de tanques escavados que já pertencia à família. A produção deles gira em torno de 200 mil peixes por mês.
As carpas coloridas representam cerca de 70% de toda produção da propriedade. “A carpa você consegue vender de vários tamanhos. Com isso, você consegue vários preços num determinado peixe. Você pode estocar como você pode também acelerar o crescimento dela”, diz Ulisses Dias.
O preço da carpa pode variar de R$ 0,10 a R$ 100, dependendo da cor, da idade e do peso.
O crescimento da piscicultura ornamental na região jogou luz a um setor que praticamente não era visto pelos órgãos governamentais. Por pelo menos quatro décadas, o criador desenvolveu sozinho sua atividade, sem apoio técnico e sem ajuda da pesquisa. Até que no início de 2017, um centro foi inaugurado para estudar as necessidades específicas desse tipo de produção.
A estrutura está dentro da Epamig, no município de Leopoldina. Segundo Elizabeth Cardoso, uma das pesquisadoras da empresa, a zona da mata de Minas Gerais movimenta cerca de R$ 2 milhões por mês com a produção de peixe ornamental.
Já no município de Patrocínio do Muriaé vive o veterinário Gabriel Miranda, um dos piscicultores mais antenados na criação de peixe ornamental. Os tanques desativados da propriedade da sua família produziam 20 mil peixes por mês.
“Nós decidimos desativar pelo manejo. Como somos nós que trabalhamos aqui, eu, meu pai e meu irmão, basicamente mão-de-obra familiar, a lida nesses tanques é muito pesada. Além da gente não conseguir nesse sistema produzir peixes com excelente qualidade”, diz Miranda.
Os criadores que trabalham com peixe ornamental têm que correr atrás de constantes inovações para apresentar ao mercado, seja na cor, no formato e no tempo de vida dos animais. Foi em busca dessas características que Miranda passou a concentrar seus esforços. Por isso, mudou a criação para outro tipo de ambiente. A estufa é um local de temperatura controlada e de manejo mais fácil.
“O foco nesse sistema não é alta produção. Mas uma produtividade significativa nesse sistema, com valor agregado. O peixe mais caro que a gente trabalhava lá era na faixa de R$ 0,60. Hoje, eu trabalho com média de preço em torno de R$ 2,00 por unidade de peixe nesse sistema”, compara Miranda.
Em outra propriedade fica a criação de três irmãos. Antônio Ribeiro, Roni Ribeiro e Ernani Ribeiro encontraram no pouco espaço que as estufas ocupam a oportunidade de trabalhar em um negócio próprio. Em apenas meio hectare eles contam com sete estufas e já estão finalizando outras três. Tudo foi feito com recurso próprio.
A especialidade são os peixes betta, espécie vinda da Ásia que chama atenção pelo colorido diversificado. Como é de briga, o macho fica isolado. A fêmea só é colocada junto dele na hora do acasalamento.
Hoje, a propriedade tira em torno de sete mil peixes por mês, o que para o técnico agrícola da Emater traz uma renda acima de qualquer outra atividade disponível pela região. “Eu acredito que no mínimo para uma família sobreviver da atividade de uma bovinocultura de leite ela precisa de pelo menos cinco hectares. Com mil metros na piscicultura eu consigo ter uma renda melhor do que numa atividade de leite de cinco hectares. A gente fala que até cem metros quadrados pode gerar um salário mínimo por uma família”, explica Cristiano Alberto Silva.
O peixe betta representa pelo menos 80% da produção da Associação dos Aquicultores de Patrocínio do Muriaé e Barão do Monte Alto – Aquipam, associação que agrega 55 criadores. “O momento atual da produção de peixe ornamental é o melhor possível. Tudo que produz, vende. Enquanto o Brasil está em crise, nós estamos vendendo”, diz Getúlio Dias Leite.
Para continuar vendendo, o produtor não para de buscar novidades. Esse é o caso de Miranda. Ele fez questão de mostrar as últimas espécies selecionadas na propriedade. “Temos uma variação de gupy ou lebiste, que é bem comum. Ele tem cor brilhosa e a cauda que a gente chama de half moon ou meia-lua. É uma cauda aberta. E uma novidade recente que vale a pena a gente ressaltar são os oscar red rubi albino. É nativo da nossa Bacia Amazônica, foi levado para fora, foi melhorado e agora a gente está importando e tentando produzir”, diz.
Todos os domingos os criadores levam a produção até a maior feira de peixes ornamentais do país, que acontece às segundas-feiras em Guarulhos, São Paulo. (Fonte: G1)