O secretário Nacional de Pesca, Dayvson Franklin de Souza, disse nesta quarta-feira, em visita a Itajaí, que o governo contratou um estudo para viabilizar o sistema de cotas de captura de tainha. O modelo vem sendo batalhado pela indústria e pela pesca artesanal desde o ano passado, quando a ONG Oceana apresentou a proposta ao setor pesqueiro. A proposta, no entanto, deverá encontrar resistência no Ministério do Meio Ambiente, que entende que a tainha não é a melhor pescaria para iniciar o sistema de cotas no Brasil.
A visita do secretário a Itajaí foi para participar de um seminário internacional promovido pelo Coletivo Nacional de Pesca (Conepe), que tinha em pauta, justamente, o modelo de cotas. O setor pesqueiro trouxe ao auditório do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) representantes do governo e pesquisadores da Noruega, país que foi um dos pioneiros na adoção do sistema de cotas e conseguiu, através das limitações de captura, chegar a uma economia pesqueira sustentável e lucrativa.
Nils Martin Gunnen, embaixador da Noruega no Brasil, relata que o país passou por crises sérias nas décadas de 1960 e 1980, causadas pela sobrepesca. A adoção de cotas foi discutida entre pescadores, indústria, pesquisadores e governo.
_ Começamos com os pescadores e os pesquisadores tentando achar melhores e mais eficientes de pescar, produzir mais, capturar mais, até que houve um decréscimo no estoque de peixes. Naquele ponto da crise, quase não nos restava outra opção _ comenta.
O modelo é visto como solução pelo setor pesqueiro porque resolve, em tese, as restrições que algumas capturas já têm no Brasil. É o caso da pesca da tainha, que, diante da falta de estudos de longo prazo sobre os estoques, acabou judicializada e refém de um plano de gestão que prevê, em poucos anos, o fim das capturas industriais.
_ Entendemos que chegamos ao limite. São necessários vários estudos para implementação da cota, saber qual o tamanho do estoque, qual a capacidade reprodutiva. Mas temos que encarar como realidade, a pesca está no limite da falência _ diz Carlos Eduardo Villaça, diretor técnico do Conepe.
A experiência norueguesa provou que é possível controlar os estoques de peixes no oceano através das cotas de captura. Os pesquisadores acreditam que o modelo seja especialmente interessante em capturas como a da tainha, em que o animal é alvo da pesca quando migra, em período reprodutivo. Dependendo das condições climáticas, as tainhas nadam mais ou menos longe da costa, e ficam mais ou menos expostas à pesca. Quando convergem boas condições no mar ocorrem as supersafras, que colocam em risco a sobrevivência dos cardumes.
Os estudos apresentados pela ONG Oceana, que financiou a coleta de dados para avaliar o estoque de tainhas no Sul e Sudeste do país, recomenda um limite anual de 4,3 mil toneladas, que seriam suficientes para permitir a recuperação do peixe. A ideia, no entanto, não chegou a ser discutida pelo comitê que regulamenta a tainha dentro do Ministério do Meio Ambiente.
_ Entendo a opinião do MMA, mas com o sistema de cotas podemos ter algo mais transparente pra sociedade. As discussões vão acontecer _ afirma o secretário Nacional da Pesca.
Os pesquisadores contratados terão seis meses para apresentarem os estudos, que vão balizar a tomada de decisão do governo em relação à tainha.
_ O mundo inteiro trabalha dessa forma. Com a cota fica mais justo, há segurança jurídica _ completa o secretário.
Para o embaixador da Noruega, embora o tamanho da costa brasileira seja um desafio para o controle das cotas, a regulamentação é possível.
_ Foi difícil para nós e será difícil para vocês, mas nada é impossível. Tem que ser feito, e acreditamos que seja importante para o futuro. Em 2050 seremos 9 bilhões de pessoas no mundo. Todos precisarão ser alimentados, e boa parte desses alimentos virá dos oceanos.
ENTREVISTA: Henrique Anatole Ramos
Cotas sim, mas não para a tainha
Coordenador de uso sustentável de recursos pesqueiros no Ministério do Meio Ambiente, Henrique Anatole Ramos participou do painel de discussão do Conepe sobre as cotas de captura e disse ser favorável à medida. No entanto, acredita que a tainha não seja a melhor opção para implementar o sistema no Brasil.
O MMA é contrário às cotas?
Não tem resistência nenhuma. Mas estamos sem estatística desde 2008. Como vamos fazer o acompanhamento do uso de uma cota sem sistema de monitoramento, de controle? Não existe resistência à cota, a cota é o que a gente quer. Só que a gente não pode correr o risco de banalizar.
É possível aplicar cotas para a próxima safra da tainha?
A tainha é um péssimo modelo para tentar implementar essa ferramenta. Você tem uma diversidade de atores, em cima de um recurso grande, é uma questão muito judicializada, mexer no meio do caminho eu acredito que não seja estratégia eficiente para essa pescaria. Outras, por exemplo a sardinha, que tem foco muito forte da pesca industrial, só um grupo de atores, é muito mais fácil experimentar. É algo a ser buscado, mas não podemos colocar em todo lugar sem o mínimo de segurança.
Há solução para as restrições na pesca da tainha?
A solução é estudo. A gente precisa dos dados. A iniciativa da Oceana, o Tainhômetro, é ótima para darmos uma olhada. Mas os poucos resultados que vieram até agora só deixam a gente mais preocupado. A proposta de cota que chegou a ser debatida ano passado foi questão inclusive se seria viável economicamente no primeiro momento. Temos que dar os passos com bastante parcimônia, bastante fundamentação, porque de todo lado vai ter gente reclamando.
Fonte: Diário Catarinense