Movido a urina e fezes: o potencial dos dejetos humanos como combustíveis do futuro

O nosso planeta tem um problema. Os humanos, como todas as outras criaturas vivas, produzem muito… bem, muitos restos desagradáveis. Na forma de cocô e xixi. Se não forem tratados, podem contaminar reservatórios de água, poluir rios e acabar com áreas litorâneas.

A falta de água tratada e de saneamento básico ainda é um enorme problema em regiões em desenvolvimento, e nas áreas mais avançadas grandes quantidades de energia são necessárias para o tratamento.

Mas talvez estejamos olhando para nosso esgoto pelo lado errado – ele pode ser uma commodity preciosa, em vez de um subproduto malcheiroso das nossas vidas diárias.

Vários engenheiros criativos estão encontrando maneiras de aproveitar o potencial dos nossos dejetos corporais, transformando-os em energia para iluminar nossas casas e dar combustível aos nossos carros. Aqui estão alguns exemplos de como algumas ideias, digamos, nojentas podem ser grandiosas.

O poder do xixi

Uma abordagem inovadora é transformar urina em eletricidade com ajuda de bactérias.

Pesquisadores da Universidade do Oeste da Inglaterra criaram estações compactas de eletricidade conhecidas como pilhas de combustível microbiótico capazes de transformar xixi em energia elétrica que pode ser usada para iluminar salas pequenas ou ligar pequenos aparelhos eletrônicos.

As pilhas de combustíveis são únicas por conter bactéria que geralmente é encontrada na parte de baixo de navios ou plataformas de petróleo no oceano. Elas crescem em eletrodos e se alimentam do material orgânico presente na urina conforme ele passa por elas, produzindo uma pequena corrente de energia.

Essa tecnologia não apenas limpa a água do esgoto, portanto melhora o saneamento e a higiene, como também gera energia ao mesmo tempo”, diz Ioannis Ieropoulos, diretor do Centro de Bioenergia de Bristol, líder do projeto e professor da mesma universidade.

Os pesquisadores já usaram as pilhas movidas a xixi para recarregar um smartphone, apesar de ter demorado cerca de 64 horas para encher a bateria totalmente. As pilhas produzem apenas 1 AMP de corrente e cerca de 3 volts de eletricidade. Mas Ieropoulos acredita que será possível aumentar a potência com alguns ajustes ao material e ao processo.

Nas regiões do mundo onde o saneamento e a eletricidade são escassos, o impacto pode ser enorme. No mundo todo, há mais de 2,5 bilhões de pessoas sem acesso a um saneamento seguro, enquanto 1,2 bilhões não têm eletricidade.

Em julho, a equipe instalou um conjunto de pilhas em um banheiro de uma escola para meninas em Uganda para gerar luz no cubículo e na parte externa para iluminar o caminho em direção ao prédio à noite.

E essa tecnologia também pode ser útil a países desenvolvidos. “Há uma enorme quantidade de água de esgoto que é desperdiçada toda hora pelo mundo inteiro”, diz ele. “É aí que está o maior potencial para a tecnologia, se conseguirmos implementá-la o mais perto da fonte do esgoto possível. Ela pode criar eletricidade para o uso de eletrônicos na casa e também diminuir a pressão nas plantas de esgoto.”

Mas o combustível do futuro não está apenas nos nossos dejetos, bem… líquidos.

O potencial do cocô

Pilhas de combustível microbiótico podem lidar com os dejetos sólidos do nosso corpo também.

Ieropoulos está trabalhando com pesquisadores nos Estados Unidos através da Fundação Bill & Melinda Gates. Eles estão desenvolvendo técnicas para transformar fezes em um sedimento que possa passar pelas pilhas.

“Nós temos testado nosso sistema com sedimentos fecais”, diz. “É muito mais enriquecido, então os micróbios geram mais energia.”

“Sedimentos fecais” pode parecer uma frase estranha no contexto de energia limpa, mas esse não é o único projeto da área envolvendo o chamado número dois.

Em Bristol, na Inglaterra, a companhia Wessex Water instalou uma planta de biogás no seu tratamento de esgoto para transformá-lo em 56 milhões de litros de biometano por dia.

Segundo um relatório feito pela Universidade das Nações Unidas no Japão, se todas as fezes humanas forem transformadas em biogás, isso poderia gerar eletricidade para 138 milhões de lares.

E há outras coisas nojentas escondidas nos canos de esgoto embaixo de nossas cidades que poderiam ser utilizadas para o bem.

Combustível de gordura

Em quase toda cidade do mundo, há bolhas coaguladas de gordura, óleo e sebo que formam “fatbergs” (“icebergs de gordura”, em português) que entopem canos.

Entre os maiores descobertos publicamente está um encontrados neste ano nos túneis vitorianos embaixo do bairro de Whitechapel, em Londres.

O fatberg de 250 metros – o dobro do comprimento de um campo de futebol do Estádio Wembley – pesava 130 toneladas e levou quase três semanas para ser limpo. Mas em vez de ser despejado em um aterro, o bloco de gordura foi enviado a uma planta de processamento inovador e transformado em 10 mil litros de biodiesel que pode ser usado em ônibus e caminhões.

A planta para onde ele foi levado é administrada pela empresa Argent Energy, na cidade de Ellesmere Port, no norte da Inglaterra. A companhia desenvolveu um processo que pode transformar fatbergs sujos e fedorentos em combustível limpo ao filtrar o lodo, alterando quimicamente a gordura em um processo chamado esterificação, e, por fim, destilando-a.

O combustível resultante pode ser misturado com diesel normal para ser usado em motores.

“Essas coisas entopem os canos, mas estão cheias de materiais que podemos transformar em combustível”, explica Dickon Posnett, diretor de desenvolvimento da Argent Energy.

Posnett estima que entre 300 mil e 400 mil toneladas de gordura sejam tiradas dos encanamentos britânicos todo ano, enquanto o entupimento causado pela gordura deve custar cerca de US$ 18 milhões à cidade de Nova York no período de cinco anos.

A planta da Argent Energy atualmente recebe cerca de 30 toneladas de gordura de encanamentos de uma só estação de tratamento na cidade de Birmingham (Inglaterra) toda semana, produzindo cerca de 2 mil litros de combustível.

Mas Posnett acredita que a planta seja capaz de fazer 90 milhões de litros de biodiesel por ano quando estiver funcionando a pleno vapor.

E não são apenas os fatbergs. “A planta pode lidar com todo tipo de gorduras e óleos degradados”, diz. “Então ela pode pegar algo como uma maionese rançosa ou uma sopa que passou da validade. Recebemos baldes de manteiga indiana, por exemplo, que poderia ir para o lixão.”

No entanto, outra empresa – a AgriProtein, baseada na Cidade do Cabo – tem uma maneira ainda menos agradável de lidar com os restos de comida.

Ela cria larvas pretas voadoras que devoram os restos e então são mortas, desidratadas e esmagadas para extrair delas um óleo rico que pode ser vendido como um alimento ecofriendly para o gado.

A AgriProtein já tem uma fábrica operando na África do Sul para tratar essas restos, mas sua ideia agora está sendo usada com dejetos humanos.

“As moscas amam m****”, diz Marc Lewis, diretor da The BioCycle, uma companhia que usa as moscas da AgriProtein para transformar dejetos humanos. Ela criou uma usina piloto em Isipingo, na África do Sul, onde recebe três toneladas de fezes de 80 mil banheiros espalhados pela região.

Essa substância malcheirosa então é inoculada em larvas jovens, que são mortas 13 dias depois. Lewis prevê que será possível gerar até 940 litros de óleo por semana com os restos recebidos quando a fábrica estiver em pleno funcionamento.

Esse óleo é vendido como combustível, mas pode ser usado como ácido láurico, um componente encontrado no óleo de coco que é usado na fabricação de sabonetes e hidratantes.

Lewis acredita que há espaço para mais expansão no futuro. “Com mais pesquisas, podemos levar nosso conhecimento industrial para outros restos que estão se tornando problemáticos globalmente”, diz ele. Isso pode incluir esterco ou sobras de processamento de carne.

Fonte: G1