Seria um “blefe coletivo”, como na visão dos especialistas da ONG Observatório do Clima (OC) que escreveram sobre o fim da COP23? A expressão foi criada para ilustrar aquilo que os cidadãos comuns vimos acompanhando ano a ano com as Conferências do Clima convocadas pela ONU: as reuniões durante a semana de negociações são importantes, há muitas promessas, declarações impactantes. Mas, na prática mesmo, até os 195 países que continuam assinando e ratificando o Acordo de Paris, mesmo com a cinematográfica saída dos Estados Unidos, nem mesmo eles estão, de fato, se mostrando dispostos a mudar hábitos principais no sentido de baixar as emissões de carbono.
Outro assunto que parece ficar no “ora, vejam…” é o financiamento climático. Aquele dinheiro que os países mais ricos têm que dar aos países mais pobres para possibilitar que eles tenham condições de se adaptar contra os eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Na reportagem de avaliação da Conferência, o jornal britânico “The Guardian” ouviu Raijeli Nicole, da ONG Oxfam, que disse: “Na maior parte, os países ricos chegaram a Bonn de mãos vazias”.
“Vimos avanços importantes na regulamentação do Acordo de Paris, demonstrando alinhamento e comprometimento dos países. Entretanto ainda há uma lacuna muito grande entre os compromissos atuais e o que é necessário para entrar na rota do 1,5oC. Precisamos de mais ambição nas negociações, e muito mais ação prática nos países, onde as emissões ocorrem. O Brasil, em especial, continua tomando decisões políticas que vão na contramão dos objetivos do Acordo de Paris”, afirmou também Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, ao site da OC.
A decisão mais conflitante com o contundente discurso que o Ministro José Sarney Filho, do Meio Ambiente, fez em Bonn durante a Conferência se chama Medida Provisória 795. Trata-se de uma medida que pretende dar até US$ 300 bilhões (mais de R$ 1 trilhão) de alívio de impostos para empresas que desenvolvem campos petrolíferos offshore e que está na pauta da Câmara para votação a qualquer momento. A generosidade governamental valeu ao país, durante a COP, o prêmio “Fossil do Dia”, dado por ambientalistas que, assim como a maioria, conseguem perceber a distância entre discurso e prática sem pestanejar. Movimentos socioambientais estão usando a internet para colher assinatura para uma petição aos deputados, pedindo que eles não aprovem a medida.
Assim mesmo, o Brasil se candidatou para sediar a COP25, que vai acontecer na América Latina e vai ser um encontro importante porque será em 2019, um ano antes do prazo estabelecido para começar, efetivamente, o Acordo de Paris. Como bem sabemos nós, os cidadãos brasileiros comuns, nossos governantes gostam muito de abrir a casa para oferecer festas e receber convidados, mesmo que, para isso, seja necessário uma infraestrutura que vai exigir dinheiro que não se tem para gastar. Mas isso pode ser apenas uma rabugice minha. Há quem esteja comemorando e gostando da ideia, sem dúvida
Eu preferia transformar discurso em prática, sobretudo com relação aos indígenas e seus pedidos de socorro para conseguirem seguir no processo de ajuda à conservação da natureza, como fazem, hoje, com muito sacrifício e correndo muitos riscos. E, nesse sentido, concordo com o que disse ao site da OC o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini:
“O Brasil é muito importante para as negociações, mas nossas atuais políticas internas, que ameaçam as florestas e seus povos e dão grandes subsídios para energias poluentes, são tudo de que o mundo não precisa neste momento. Assim, saímos desta conferência como o país do faça o que eu digo, não o que eu faço. Há algum tempo deixamos de ser um bom exemplo na questão climática e agora caminhamos para o lado negativo da história”.
Houve avanços inegáveis, como sempre acontece nas Conferências do Clima. É sempre uma chance para que questões sérias que ameaçam a vida da humanidade no planeta, como o uso excessivo de carvão, venham à tona. Dessa vez, um grupo de 19 países se comprometeu seriamente a abandonar o combustível que, atualmente, fornece 40% da eletricidade global.
Podem ser apenas promessas, mas vejam o exemplo do Reino Unido: foi a primeira nação a se comprometer a acabar com o uso do carvão até 2025. Mas, desde 2012, a eletricidade gerada dessa forma já caiude 40% para 2%.Já a Austrália, o maior fornecedor de carvão do mundo, se recusou a participar dessa lista de países que pretende aumentar para 50. Hilda Heine, Presidente da Ilha Marshal, uma das nações pequenas do Pacífico que já estão sendo tremendamente impactadas com a subida do oceano e com as fortes tempestades e furacões, disse que ficou desapontada com a atitude da Austrália:
“Nós somos vizinhos: eles devem estar cientes dos problemas que enfrentam os pequenos países insulares”.
É, deveriam estar. Mas há questões políticas que falam mais alto, sempre falarão mais alto. Como avaliou Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Sócioeconômicos (Inesc), no texto que faz uma análise da Conferência, da qual participou, “ao fim e ao cabo é a que define tudo” .
E há também questões econômicas, como sempre, empurrando iniciativas, fazendo com que países se esquivem. Sempre vai haver. Mas há, também, derivas interessantes.
Encerro este texto, convidando os leitores a lerem uma reportagem da jornalista canadense e ativista ambiental Naomi Klein, sempre uma crítica às conferências do clima, sobre a situação da Ilha de Porto Rico (que pertence aos Estados Unidos) depois da passagem dos últimos furações. Houve um “pacote de ajuda” aprovado pelo Congresso de US$ 5 bilhões para recuperar os estragos. Um presente de grego porque, na verdade, o país já está afundado em dívidas e tudo o que não precisa é se endividar mais. Aconteceu que os próprios portoriquenhos decidiram ir à luta para tentar se recuperar sem precisar desse dinheiro. Uma série de ações envolvendo empresários locais, agricultores, cidadãos comuns fez nascer cooperativas que andam provocando uma boa revolução por lá. E a prioridade é o uso da energia solar, para tirar a dependência do combustível em carbono.
“Sob a bandeira de uma recuperação justa para Porto Rico, milhares de pessoas se reuniram para elaborar um plano ousado e holístico para a ilha ser reconstruída, que pode virar uma referência numa era de aceleração do caos climático e de aumento exponencial da desigualdade econômica”, escreve ela.
Vale a pena a leitura e a reflexão a respeito. Naomi Klein não se cansa de alertar para uma situação recorrente na era dos desastres ambientais e que nem sempre vai para a mesa de debates nas conferências do clima:
“Um desastre acontece, mobiliza uma simpatia do público, e grandes promessas são feitas de “reconstruir ainda melhor”, trazendo justiça aos que perderam tudo. No entanto, é mais um pretexto para as medidas de produção, como incorporadores de imobiliários e financiadores, às custas daqueles que já perderam tanto”.
Fonte: Amelia Gonzalez G1