Dizem que quem vai à Chapada dos Veadeiros leva na mala a vontade de voltar. Com cachoeiras de tirar o fôlego, trilhas desafiadoras e atmosfera tranquila, o lugar está no coração de milhares de pessoas que todos os anos visitam a Chapada dos Veadeiros. Mas durante 20 dias, o fogo castigou este paraíso no meio do cerrado brasileiro, consumindo cerca de 75 mil hectares. A experiência que uniu poder público e sociedade na busca de apagar o fogo foi resgatada ontem (7/12) em evento no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Brasília. O encontro também faz parte das comemorações do Dia Internacional do Voluntariado, festado dia 5 de dezembro.
O envolvimento da sociedade civil, que foi tão importante para que o incêndio fosse combatido, deixou uma marca para os gestores da unidade. “O que fica para a gente é que não existe outra forma de fazer a conservação funcionar sem trabalhar com as pessoas. O fortalecimento do Programa de Voluntariado é uma forma de engajamento e de pertencimento, pois o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros não foi feito para o ICMBio, é feito para a sociedade”, afirma o chefe da unidade, Fernando Tatagiba.
O incêndio começou pouco antes do feriado de Nossa Senhora Aparecida, em outubro, na região dos Saltos. Nesta época, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros deveria receber um grande número de turistas dispostos a passar ali um dos últimos feriados do ano. O incêndio foi rapidamente combatido pelas brigadas do ICMBio e do IBAMA PrevFogo. Sete dias depois, quando as equipes já se preparavam para partir, começou aquele que seria um dos piores eventos do fogo que já atingiu a região da Chapada.
A intensidade e severidade do fogo surpreendeu muita gente. Guias, moradores de muitos anos de Chapada e até mesmo profissionais com muitos anos de estrada. “Este foi o maior evento em que eu estive”, afirma o coordenador de Prevenção e Combate a Incêndios, Christian Berlinck.
Segundo Berlinck, a operação na Chapada dos Veadeiros foi histórica por se configurar como a maior estrutura de combate a incêndios montada no Brasil. O Governo Federal, por meio do ICMBio e outros órgãos, investiu mais de 5 milhões de reais para cobrir as despesas com contratos de aeronaves, salários da brigada, diárias, alimentação e combustível.
Além disso, a população local também fez a sua parte. Durante toda a operação, moradores, comerciantes e fazendeiros da região doaram verba para combustível, lanches, água e muito mais.
Rede Contra o Fogo
O fogo não se limitava somente ao Parque. Vários focos surgiram nas adjacências, inclusive em propriedades particulares. Devido a isso, moradores e brigadistas voluntários se uniram para não deixar com que as chamas consumissem as belezas do cerrado. Os voluntários do Parque rapidamente entraram em campo. A quiropraxista Serena Eluf conta que rapidamente se envolveu com a operação: “Era voluntária do Parque e fui ajudar com os ajustes de quiropraxia nos brigadistas. Quando o fogo começou comecei a auxiliar com outras coisas, como a logística”. Serena, que reside na vila, diz que logo vizinhos e conhecidos começaram a ajudar. Sua casa, que é próxima ao aeroporto que servia como base de operações, virou a “Central de Apoio”, onde os voluntários organizavam os donativos que chegavam e transformavam os alimentos nos kits de lanches entregues aos brigadistas. Os kits eram complementares à alimentação fornecida pelo Governo Federal.
Logo, os voluntários começaram a arrecadar também equipamentos necessários para as brigadas locais. Havia um considerável número de pessoas qualificadas como brigadistas, muitas inclusive já haviam atuado na equipe do Parque, mas que não dispunham de equipamentos para ajudar. Assim, a “Rede Contra Fogo”, como foi chamado o grupo, organizou um financiamento coletivo na Internet. Em menos de 24 horas foram arrecadados quase 200 mil reais. “Teve gente que doou de 2 reais a 3 mil reais, ou seja, as pessoas ajudaram com o que tinham no bolso”, conta um dos membros da Rede Contra o Fogo, Ivan Diniz.
“A importância do voluntariado foi a de fazer a ponte entre a sociedade civil e o parque. Com a experiência, aprendemos a aproximar o poder público da sociedade”, resume a analista ambiental Maria Carolina Camargos, gestora do Programa de Voluntariado do parque. Carolina conta que percebeu uma mudança de perfil do voluntário, que era predominantemente formado por pessoas de fora e durante o fogo conseguiu mobilizar os moradores do entorno.
Após os eventos do fogo, a Rede continua mais viva que nunca. O grupo agora virou uma Organização Não Governamental e continua ajudando na recuperação do Parque. Eles já conseguiram firmar uma parceria com o Jardim Botânico de Brasília para a doação de mudas de plantas típicas do Cerrado. Com mais um financiamento coletivo, eles arrecadaram mais de 400 mil reais que serão usados para custear a formação de oito brigadas locais. “O nosso objetivo é formar o maior número de brigadas possível, assim, para o próximo evento, as equipes locais estarão mais preparadas”, explica Ivan. “Se as pessoas que fizeram isso achavam que iam destruir a Chapada, elas se enganaram. O que aconteceu foi que elas despertaram uma legião de guerreiros que estão dispostos a defender a Chapada com unhas e dentes”, afirma.
Fonte: ICMBio