O Papa Francisco desembarcou na Amazônia peruana no último fim de semana para falar da defesa da terra com milhares de indígenas, em um espaço que sofre constantemente com desmatamento e mineração ilegal. No Chile, ao longo da última semana, o pontífice já havia se encontrado com integrantes da tribo Mapuche e destacado os laços entre o meio ambiente e os povos indígenas.
Logo em sua chegada, o papa foi recebido com gritos de “Francis, Francis, você é agora amazônico”. Em seu primeiro evento oficial, a bordo do papamóvel, ele dirigiu-se a uma multidão indígena do Peru e países vizinhos, e falou sobre problemas ambientais que a Amazônia tem enfrentado, incluindo agronegócio, mineração, exploração madeireira e a perfuração de petróleo e gás.
“Nós temos que romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma fonte inesgotável de suprimentos para outros países, sem preocupação para seus habitantes. A defesa da Terra não tem outro objetivo que não a defesa da vida. Há que definir limites para ajudar a nos preservar de todos os planos para uma destruição maciça do habitat que nos torna quem somos”, apontou o pontífice, durante um discurso de 20 minutos.
A visita do papa se baseia em seu tratado inovador sobre o meio ambiente: a encíclica de Laudato Si (2015), que orienta fiéis e clérigos sobre as questões ambientais fundamentais. Além disso, a viagem pelos países sul-americanos também serve como planejamento para uma conferência de bispos da Bacia Amazônica, convocada para outubro de 2019. O Papa Francisco, porém, não entrou em assuntos como demarcação territorial ou títulos de propriedade.
“A Amazônia é nossa casa, mas também são os pulmões do mundo. Temos que trabalhar muito mais para parar o desmatamento. Há planos para a soja. Você pode imaginar o que isso fará? Seria devastador”, apontou o reverendo Juan Elias, um sacerdote da selva da Bolívia, em Pando, falando também das intenções do agronegócio com a expansão da Soja.
Indígenas brasileiros
Angelton Arara, do povo indígena brasileiro Arara do Pará, fazia parte da delegação que representava 32 povos indígenas do Brasil, que viajaram ao Peru para apresentar as suas queixas ao papa.
“A igreja tem que fazer com que nossos governos vejam que suas políticas estão destruindo o meio ambiente e nós com isso. Queremos mais apoio da igreja, e queremos que nossos governos sigam o que a igreja diz. Não podemos mais falar. Precisa haver uma ação real, porque estamos sendo mortos enquanto esperamos”, explicou o indígena.
Apenas em 2016, mais de 100 indígenas foram mortos no Brasil, segundo o Conselho Missionário Indígena. Em setembro de 2017, 10 pessoas de um grupo que vive em isolamento voluntário perto da fronteira com o Peru foram assassinadas.
Segundo o papa, os indígenas que vivem em isolamento são os mais vulneráveis, e não devem ser considerados um “tipo de museu de um modo de vida passado”. A maior parte das pessoas que vivem em isolamento voluntário é encontrada na fronteira entre Peru e Brasil.
Mineração ilegal
O diretor do World Wildlife Fund para o clima e energia, Manuel Pulgar-Vidal, que foi ministro do Meio Ambiente do Peru por quase cinco anos, espera que os depoimentos indígenas ajudem a fundamentar a encíclica em questões cotidianas. Além disso, Pulgar-Vida disse que Puerto Maldonado e a floresta amazônica do sudeste da Amazônica oferecem exemplos trágicos sobre a visão do papa.
“É preciso que os sacerdotes sejam capazes não só de falar sobre o meio ambiente, mas de ancorar em problemas reais. Isso não foi feito, e é por isso que a mensagem [da encíclica] não teve o impacto que deveria ter”, apontou Pulgar-Vidal.
Em 2016, o Peru perdeu quase 407 mil hectares de floresta tropical, 5,2% a maios do que em 2015. Entre 2001 e 2016, o país perdeu aproximadamente 4,9 milhões de acres por causa do desmatamento causado pela agricultura, construção de estradas e mineração ilegal. Madre de Dios, o estado no qual Puerto Maldonado é a capital, perdeu mais de 42 mil acres de floresta em 2016.
A mineração ilegal de ouro é a principal responsável pelo desmatamento das florestas em Madre de Dios, causando a contaminação do solo, da água e do ar devido ao uso de produtos tóxicos, como o mercúrio, que é utilizado para extrair ouro do rio. Já quando a mineração ocorre em terra, normalmente o local fica estéril, com poucas plantas retornando depois que os mineradores movimentam.
Mesmo não tendo minas de ouro em larga escala, Madre de Dios produziu 12 toneladas de ouro nos primeiros 11 meses de 2017, segundo o ministério de Minas e Energias, representando pouco mais de 9% da produção de ouro no Peru, que é o sexto maior produtor do minério do mundo. Em 2017, o governo destruiu 284 campos de mineração ilegais, sendo a maioria em Madre de Dios.
“Existe outro assalto devastador a vida ligada a esta contaminação ambiental favorecida pela mineração ilegal. Estou falando de tráfico de seres humanos: trabalho escravo e abuso sexual”, apontou o Papa Francisco. Ainda em 2017, o governo peruano lançou dezenas de investigações criminais ligadas à mineração ilegal, inclusive de tráfico de humanos.