De qualquer modo, não é fácil ter como vizinho o local de descarte de resíduos nucleares que concentra a maior contaminação em todos os EUA: a usina de Hanford, no sul do Estado de Washington. Desativado em 1987 após 44 anos em operação, o local passa desde então por um longo e complexo processo de limpeza.
“Nasci em Richland em 1955 e aqui fui criado”, diz à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC. Bob Thompson, prefeito dessa cidade que, ao lado de Kennewick e Pasco, se destaca por sua proximidade com a antiga usina nuclear.
A região depende do dinheiro destinado à limpeza da usina, admite Thompson, para quem há um forte estigma associado à vida no local.
“Isso não vem de nós, moradores, mas sim das pessoas de fora. É por isso que estamos tendo esta conversa, não? Por causa do estigma”, diz.
Segundo ele, é exagerada a atenção dada a qualquer incidente ocorrido em Hanford.
“Os esforços cotidianos de limpeza não despertam interesse, mas qualquer vazamento ou acidente, sim”, afirma.
Alta contaminação
A assessoria de imprensa de Hanford Site enviou à BBC informações sobre o processo de limpeza nuclear, tido como um dos maiores do mundo – e que ainda levará décadas para ser concluído.
Em 1989, o Departamento de Energia dos EUA e o Departamento de Ecologia de Washington firmaram um acordo para tratar as instalações.
Durante as quatro décadas de atividade em Hanford, foram geradas milhões de toneladas de resíduos sólidos e centenas de bilhões de litros de dejetos.
A planta, que se estende por uma ampla planície próxima ao rio Colúmbia, é um complexo nuclear operado pelo governo dos EUA. O início das operações foi em 1943, com um objetivo claro: produzir plutônio para a fabricação de armas nucleares.
“Apesar do progresso feito, ainda resta muita contaminação”, diz o comunicado de Hanford. “O processo para produzir plutônio é extremamente ineficaz: gera uma grande quantidade de resíduos sólidos e líquidos, mas só se obtém uma pequena quantidade de plutônio.”
Ali se desenvolveu parte do Projeto Manhattan, que culminou com a elaboração das bombas atômicas que terminariam sendo famosas pela destruição de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, episódio que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial.
Para o prefeito de Richland, o lançamento das bombas foram um evento “trágico, mas necessário” para pôr fim à guerra – a outra opção, uma vitória de Hitler ou do Japão, teria sido muito pior, diz.
Um lugar cheio de vida
Ainda que tenha se transformado em um lugar onde ocorre uma espécie de “destruição profissional” – por causa do processo de limpeza da usina -, Hanford era um local cheio de vida no período logo após o fim da Segunda Guerra.
Em seu livro Plutopia: Nuclear Families, Atomic Cities, and the Great Soviet and American Plutonium Disasters (“Plutopia: famílias nucleares, cidades atômicas e os grandes desastres soviético e americano de plutônio”, em tradução livre), lançado em 2013, a historiadora americana Kate Brown descreve Richland como uma das primeiras “comunidades nucleares”.
“Trabalhar em Hanford, mesmo quando muitos não sabiam a dimensão real do que estava sendo produzido ali, era considerado um ato patriótico”, diz Brown à reportagem.
Em sua obra, a historiadora compara a planta de Hanford à de Ozersk, na antiga União Soviética.
Ela relata que os diretores de ambas as instalações perceberam que o melhor seria construir o que a autora chama de “plutopia”: a ideia de que entrar naquela comunidade de residentes era como “ganhar na loteria”.
“Richland se constituiu como uma cidade subsidiada pelo governo federal, onde os salários eram 30% mais altos que a média, com excelentes escolas e importantes auxílios à moradia”, conta Brown.
“Até os anos 60, todas as minorias foram excluídas de Richland. Os negros e os latinos que trabalhavam na usina eram forçados a viver do outro lado do rio.”
Sem risco de explosão
O prefeito não tem muitas queixas nem más recordações associadas a Hanford.
Thompson conta que saiu de sua cidade natal por alguns anos, mas que voltou para abrir um escritório de advocacia para atender as chamadas Tri-Cities – Richland, Kennewick e Pasco.
“As pessoas me olhavam como se eu estivesse louco. ‘Como você vai voltar a viver lá!’, me diziam.”
“Quem era de fora pensava que havia risco de explosão – e não é assim. É complicado produzir a carga, o plutônio – é só ver a dificuldade que estão tendo países como Irã e Coreia do Norte”, defende.
O prefeito diz que não chegou a ser impactado pela proximidade da usina, ainda ativa durante sua infância e juventude.
“Era a época da Guerra da Coreia e da crise dos mísseis com Cuba”, diz. “Nós encarávamos de forma séria as ameaças, tínhamos que nos proteger diante da Rússia e da China.”
O prefeito lembra que a cidade estava mais preocupada com a possibilidade de ser atingida por uma bomba ou um míssil do que pelos eventuais perigos que a usina representava.
“Não significa que ela não seja perigosa e que a limpeza não seja necessária”, ressalta. “Nos anos 40 e 50, já estávamos acostumados. Quando alguma coisa está sempre aí, ela se torna habitual.”
Contaminação da água
Mas para os ativistas da Hanford Challenge, uma organização da sociedade civil, a vida em Richland e nas cidades vizinhas implica sérios perigos, especialmente por causa da água.
Os vazamentos de resíduos nucleares líquidos se infiltram no lençol freático que, por ser relativamente superficial, é facilmente contaminado.
Assim, diante do temor de que a contaminação atinja o rio Columbia, o Hanford Challenge monitora de forma contínua os trabalhos de limpeza realizados no local.
“Por sermos independentes e não termos restrições, podemos atuar como uma organização vigilante”, diz Tom Carpenter, diretor da entidade.
“Queremos deixar um legado ambiental que seja sustentável para as três cidades e para mais além”, acrescenta ele, que não se mostra muito otimista em relação ao processo de limpeza.
“Já estouraram o orçamento e estão bastante atrasados com o cronograma.”
Vazamento nos tanques
A maior parte dos resíduos nucleares de Hanford estão acondicionados em grandes tanques, à espera do momento em que possam ser transportados para outro lugar.
O destino final ainda não está claro. Fala-se na possibilidade de distribuir os resíduos entre os Estados de Novo México e Texas, mas por ora não há nenhum lugar para onde possam ser levados.
O problema é que alguns dos tanques têm apresentado pequenos vazamentos.
Datados nos anos 40 e 50, os recipientes originais já liberaram para o solo pelo menos 3,5 milhões de litros de dejetos líquidos.
Hanford chegou a construir tanques com dupla proteção nos anos 70 e 80 e começou a transferir para eles os resíduos radioativos.
Em outubro de 2012, contudo, o Departamento de Energia informou que um dos novos tanques tinha um vazamento entre as duas camadas de proteção.
Ainda que a dispersão do líquido pareça controlada, existe ainda a preocupação de que outros recipientes eventualmente apresentem a mesma problema.
O prefeito de Richland, porém, se diz tranquilo.
“Os responsáveis pela segurança de Hanford têm muita competência. Confio plenamente neles. São pessoas que quero que estejam aqui caso aconteça algum problema.”
Fonte: BBC