O avião percorre numa velocidade média os campos de plantações. O ronco do motor destoa do silêncio. De vez em quando, vê-se uma nuvem de fumaça sendo aspergida sobre o solo e alguém, que está por trás da câmera, comenta algo. O cenário fica em Mato Grosso e quem filma a viagem do avião é um representante da Opan (Operação Amazônia Nativa) entidade que defende os direitos dos povos indígenas. A denúncia é que o limite de 250 metros de distância obrigatório por lei para aspergir agrotóxico foi violado pelo piloto flagrado nas imagens. Índios reclamaram de doenças respiratórias por causa das substâncias.
O Brasil comemora o fato de ter a segunda maior frota de aviação agrícola do mundo. No ano passado, eram registradas 2.115 aeronaves, 2.108 delas aviões. Brasil tem a 2ª maior frota de aviação agrícola do mundo. Com 464 aeronaves, Mato Grosso é o estado com a maior frota do país. Rio Grande do Sul (427) e São Paulo (312) vêm na sequência. A maior frota do mundo pertence aos Estados Unidos (3.600 aeronaves), seguida do México,que ocupa o terceiro lugar no ranking.
Aviões agrícolas foram feitos para distribuir sementes e aplicar defensivos agrícolas, inseticidas, nas lavouras. Também chamados de agrotóxicos. O Brasil consome 20% de todo agrotóxico comercializado mundialmente. E este consumo tem aumentado significativamente nos últimos anos.
Apesar de serem motivo de comemoração, o aumento do número de aviões agrícolas e do consumo de agrotóxicosnão são notícias boas para quem consome os alimentos. Há um uso abusivo dessas substâncias, o que pode causar doenças graves nos humanos.
Depois de estudar cerca de três anos exaustivamente o tema dos agrotóxicos, a professora de Geografia Agráriada USP Larissa Mies Bombardi escreveu uma tese, chamada “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, em que enfatiza essas questões. Sobretudo fica bem claro, depois da leitura do livro (é possível ler aqui, em PDF), que o marco regulatório da União Europeia é bem mais restritivo com relação aos agrotóxicos do que as proibições impostas, aqui no Brasil, aos que produzem essas substâncias.
“A União Europeia implantou em 2011 um marco regulatório mais restritivo para os agrotóxicos, fazendo com que uma série de ingredientes ativos esteja em fase de banimento na região do bloco econômico. 30% de todos os agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na União Europeia. E entre os dez ingredientes ativos mais vendidos no Brasil dois são proibidos na união europeia”, escreve ela.
“Atrazina é um inseticida que foi proibido na União Europeia em 2014e que, no Brasil, segue autorizadopara os cultivos de abacaxi, cana-de-açúcar, milho, milheto, pinus, seringueira, sisal e sorgo. Mato Grosso do Sul lidera o uso seguido por São Paulo e Mato Grosso. No Brasil estão autorizados, para o cultivo do café, 121 diferentes agrotóxicos. Trinta deles são proibidos na União Europeia há 15 anos”, escreve ela.
Um aspecto da diferença de quantidade de agrotóxicos usados no Brasil e na União Europeia é evidente, em números absolutos. A outra parte é invisível: diz respeito à quantidade de resíduos de agrotóxicos permitida nos alimentos e na água. Isso atinge não só a população rural, como os índios que estão denunciando na reportagem através da organização que os defende, como a população do mundo todo que consome tais produtos.
“Há um fenômeno, quando se pratica a pulverização aérea, denominado “deriva” que se refere à quantidade de agrotóxicos que não atinge o chamado “cultivo-alvo” e que se dispersa no amviente. Fatores que influenciam a deriva, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal: vento, temperatura do ar, umidade relativa do ar, distância do alvo, velocidade de aplicação e tamanho das gotas”, escreve a professora em sua tese.
Os agrotóxicos foram desenvolvidos na Primeira Guerra Mundial e usados como arma química na Segunda Guerra Mundial. Quando acabou a guerra, eles começaram a ser usados também para defender os agricultores das pragas que podiam acabar com seu sustento e, mais do que isso, arruinar plantações que poderiam alimentar as pessoas. Até hoje há quem os defenda dessa maneira, ou seja, como ferramentas indispensáveis para permitir que os 7 bilhões de humanos possam se alimentar.
As denúncias feitas por organizações e pesquisadores que estudam o tema levam a outro caminho e apontam para os riscos do uso dessas substâncias. Vandana Shiva, cientista, pesquisadora, filósofa, criadora do Banco de Sementes em seu país, a Índia, conta que passou a pesquisar sobre os malefícios do uso de agrotóxicos para a saúde humana quando, há mais de trinta anos, foi testemunha de um acidente ocorrido numa fábrica de inseticidas e que matou mais de 35 mil indianos.
“Os agrotóxicos foram criados na Guerra para matar pessoas”, diz ela.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) fez também um documento apontando problemas com o uso abusivo de agrotóxicos. Chamado “Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o dossiê não deixa nem margem para dúvidas. Segundo os cientistas, “os agrotóxicos fazem mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente”. Alguns dados coletados no estudo corroboram a afirmação:
“Entre 2007 e 2014 o Ministério da Saúde recebeu 34.147 notificações de intoxicação por agrotóxico”
“Entre 2000 e 2012 o Brasil teve um aumento de 288% do uso de agrotóxicos”
“Relatório da Anvisa de 2013 constatou que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos”.
Diante disso, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil em 2014, que foi de US$ 12 bilhões, deixa extremamente claro que estamos diante de um dos muitos casos em que o desenvolvimentismo se volta contra a saúde e o bem-estar das pessoas.
É preciso achar um equilíbrio. Ou, que cada um de nós passe a fazer mais contato com os alimentos que consumimos. Talvez não seja tão fácil num primeiro momento, mas a informação é bastante para se começar um movimento neste sentido.