A conservação ambiental, para que efetivamente ocorra, depende de políticas públicas. São elas que fomentam a iniciativa privada a superar a lógica do lucro para incorporar ações que diminuam o impacto das suas atividades sobre o meio ambiente.
A dificuldade da implantação efetiva das Unidades de Conservação (UCs) no Brasil deve-se, claro, à falta de recursos financeiros que instituam esses espaços territoriais protegidos ambientalmente, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, que, inclusive, leva em consideração a indenização de proprietários e o investimento na criação de infraestrutura para tal fim. Mas ela esbarra, também, no forte lobby do agronegócio.
Em relação ao primeiro fator, novamente a CF, em seu artigo 5º, inciso XXIV, já previra que a desapropriação deve ocorrer mediante justa compensação em dinheiro – assunto bastante polêmico. Já em relação ao segundo fator, muitas UCs foram sendo criadas e deixadas à própria sorte, gerando a expressão “parque de papel” para designar esses espaços, que deveriam ser protegidos pelo poder público, mas não chegaram a ser de fato implantados.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação no Brasil (SNUC) foi criado pela Lei nº 9.985/2000, que tentou mudar esse cenário, estabelecendo a destinação da compensação ambiental em dinheiro a ser paga por empreendedor de atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental, para a criação e a implantação de UCs.
Esse quadro, desenhado por Marcelo Dantas, doutor em Direito e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, explica que essa verba compensatória, por ter ficado sob a tutela dos órgãos públicos, foi usada de forma variada por cada estado na criação e implementação das UCs, o que acabou por não alavancar uma política pública igualitária no cuidado de tais áreas.
Neste mês de maio, o Plenário do Senado aprovou a Medida Provisória nº 809/2017, que se converteu na Lei nº 13.668/18, autorizando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a selecionar uma instituição financeira oficial para criar e administrar um fundo privado – dispensando licitação prévia – a ser “integralizado com recursos oriundos da compensação ambiental”.
Vale lembrar que o ICMBio é uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão e fiscalização das unidades de conservação federais e pela proteção da biodiversidade no Brasil.
Um lado…
Segundo Dantas, estima-se que bilhões de reais encontram-se, hoje, obstruídos em fundos de compensação ambiental, por conta de uma burocracia que deveria ser direcionada à desapropriação e à boa gestão das UCs. Sem contar que as UCs têm um potencial de geração de renda proveniente do turismoque é subaproveitado, devido a burocracias jurídicas. Em 2016, cerca de 8 milhões de pessoas visitaram UCs federais, sobretudo, Parques Nacionais.
Um ponto posto pela lei é viabilidade de concessão, por processo licitatório, de serviços ou instalações de UCs para exploração de atividades de visitação destinadas à educação, à preservação e à conservação ambiental e ao turismo ecológico. Entretanto, o aspecto crítico da argumentação de Dantas é a defesa da transferência do controle dessas atividades para a iniciativa privada, sobrevalorizando a sua eficácia e qualidade.
Outro lado…
Precisamos ser críticos a essa defesa porque sabemos que a inoperância de fiscalização cria brechas para a exploração do setor privado, desrespeitando a legislação ambiental e, consequentemente, o meio ambiente, pois, afinal, a finalidade desse setor é o lucro.
Só para nos servir de exemplo, a concessão de várias rodovias federais para a iniciativa privada gerou um tremendo problema para os seus usuários e para o próprio setor público. Pedágios caros, rodovias em estado de conservação crítico e dívidas. Quem garante que esse mesmo cenário não será visto nas UCs? E pior: com degradação ambiental.
A Agência Câmara recentemente divulgou a discussão que tem havido na Câmara dos Deputados acerca da nomeação de Caio Tavares para a gestão do ICMBio. Segundo a deputada Erika Kokay (PT-DF), Tavares não tem competência técnica para comandar o Instituto, visto que seu currículo demonstra não ter ele experiência alguma em gestão socioambiental.
O presidente da Associação dos Servidores de Carreira de Especialista de Meio Ambiente do Distrito Federal (Asibama-DF), Jonas Moraes Corrêa, também criticou a nomeação: “Agora que a instituição vai ter recurso, de repente vem alguém totalmente estranho à área ambiental, de um partido político que a gente sabe que é alinhado com as propostas do agronegócio, e quer ocupar a presidência da instituição”, conforme publicado no site Servidor Federal.
Já sabemos do poder do agronegócio no Brasil e da sanha desse segmento em se infiltrar nas esferas públicas para a garantia de seus interesses – claramente contrários a qualquer ação protetora do meio ambiente.
É verdade que ainda estamos longe de um padrão que desenvolva de forma sustentável os espaços protegidos brasileiros, mas não podemos acreditar que a iniciativa privada será um tipo de “salvadora das UCs”. Um modelo que contemple a parceria público-privada merece ser estudado – com cautela e perícia – para que as UCs sejam efetivamente espaços de conservação ambiental, em um país onde o meio ambiente é um motor social e econômico.
Fonte: Gisella Meneguelli, Greenme