A floresta amazônica exerce papel vital na manutenção de serviços ecológicos. Nela se encontra mais da metade da biodiversidade da Terra, além de um terço das florestas tropicais do planeta. Os bosques amazônicos contribuem ativamente para manter o equilíbrio climático com o processo de evaporação e transpiração das árvores e funcionam como grandes depósitos de carbono. Todavia, o desmatamento e seus inúmeros fatores têm ocupado há algum tempo a agenda ambiental brasileira.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) monitora a floresta amazônica brasileira desde 1988, gerando dados oficiais que auxiliam na criação de políticas públicas para o combate ao desmatamento. Em adição, desde 2008, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto produz um mapeamento do uso e cobertura da terra que qualifica as áreas desflorestadas. No entanto, devido à função desses sistemas e às limitações dos instrumentos utilizados, categorias como as que representam as atividades do produtor rural de pequena escala e a produção extrativista não são contempladas.
Como componente do Projeto Monitoramento Ambiental por Satélites no Bioma Amazônia (MSA), financiado pelo Fundo Amazônia e executado pelo INPE em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desenvolveu-se uma pesquisa que buscou oferecer um olhar mais atento e completo para a paisagem, considerando os que vivem e convivem com a região. Trata-se do “Estudo das trajetórias de padrões e processos na caracterização de dinâmicas do desmatamento na Amazônia”.
Segundo a pesquisadora Maria Isabel Escada, da Divisão de Processamento de Imagens do INPE (DPI) e coordenadora deste trabalho, “oferecer visibilidade para essas formas de produção significa dar a possibilidade de oferecer políticas públicas às pessoas envolvidas nelas, inserindo-as nos arranjos produtivos locais. As formas de produzir de grande parte dessas populações levam a um menor desmatamento e, ainda assim, produzem alimentos que abastecem as cidades e os núcleos populacionais, fazendo circular a economia, ainda que muitas vezes de maneira informal”.
A proposta da pesquisa é o diferencial frente aos trabalhos desenvolvidos nesse âmbito, uma vez que foram associadas temáticas que geralmente são trabalhadas em separado. “Não se quis analisar somente a paisagem e as mudanças de uso e cobertura da terra em si, mas se buscou os contextos urbanos dessa paisagem, os processos econômicos, humanos e sociais intrinsecamente relacionados às transformações geradas pelas trajetórias de uso e cobertura da terra em diferentes escalas”, destaca Maria Isabel Escada.
De acordo com o pesquisador Antônio Miguel Monteiro, da DPI/INPE, “a intensidade dos processos de ocupação regional nas últimas décadas na Amazônia produziu um conjunto de assentamentos humanos que vão muito além das cidades, como as vilas, distritos e várias outras formas de organização de núcleos populacionais, que representam nós e que configuram a trama urbana na Amazônia contemporânea. Assim, para enfrentar os imensos desafios de uma floresta urbanizada não é possível pensar em políticas para essa floresta que não reconheçam e envolvam sua dimensão urbana e a forma na qual esse urbano se expressa na paisagem”.
O Pará foi o grande centro desse trabalho minucioso, palco da maioria das idas a campo. O Estado, além de ter uma relação intensa com as dinâmicas do desmatamento, tem formas de produção bem marcantes, como o avanço da soja numa região onde sempre predominou a agricultura familiar. Foram abarcadas aproximadamente 200 comunidades da Amazônia, especificamente em áreas próximas aos municípios de Santarém e Itaituba, no Pará, por onde corre o Rio Tapajós e por onde passam as rodovias BR-230 – a Transamazônica e BR-163, esta última, enfatizando o trecho entre os municípios de Sinop, no norte do Mato Grosso e Novo Progresso, no sul do Pará, área conhecida pelo grande desmatamento em função da atual expansão da fronteira agrícola.
“Nos trabalhos de campo, realizados nas regiões ribeirinhas e de terra firme, observamos diferentes formas e dinâmicas de desmatamento vinculadas aos diferentes sistemas produtivos existentes na Amazônia. Além da pecuária extensiva e do cultivo de grãos, que são atividades que demandam grandes quantidades de terra e de áreas de floresta, observamos a presença de formas de produção baseadas em sistemas agroflorestais, como a produção do cacau, que demanda uma pequena quantidade de terra e utiliza espécies arbóreas nativas para o sombreamento dessa cultura”, diz Maria Isabel Escada.
Para observar o processo de conversão da cobertura florestal em conjunto com o arranjo espacial da população as equipes entrevistaram populações tradicionais, produtores rurais, representantes das comunidades e das instituições locais para coletar informações que subsidiaram análises posteriores. “Nesta pesquisa não bastava analisar apenas imagem de satélite, era imprescindível o contato humano para verificar a correspondência dos padrões encontrados nas imagens com a realidade”, ressalta a Maria Isabel Escada.
Entre os resultados desse trabalho, têm-se o desenvolvimento de ferramentas para análise de imagens e dos dados provenientes delas – um sistema de mineração de dados para mapear a paisagem em consonância com os padrões que estão associados a alguma atividade econômica ou processo produtivo e um sistema para mapear e processar imagens de radar. Com o TerraRadar a equipe desenvolve classificadores e realiza testes com os pontos de controle e dados coletados em campo. E com o TerraHidro foi possível trabalhar com delimitação automática de bacias, a extração de drenagens e definição de áreas para uma melhor caracterização do uso da terra nas bacias presentes na área de estudo.
“A bacia hidrográfica é unidade de manejo importante para análises envolvendo mudanças de uso da terra e seus efeitos sobre os recursos hídricos. O diagnóstico do uso e cobertura do solo no interior da bacia mostra a relação entre as mudanças antrópicas e a perda da floresta e seus impactos nos rios. O sistema TerraHidro possibilita delimitar áreas para as análises tanto em pontos isolados de uma bacia de forma automática, como também de um inteiro sistema fluvial”, enfatiza o pesquisador da DPI/INPE, Sérgio Rosim.
É importante mencionar também outra temática abordada durante o projeto, que contou com a observação e realização de medidas de campo em corpos d´água para compreender a composição e circulação das águas entre rios e os lagos da planície de inundação, em momentos de cheia e vazante, gerando subsídios para o mapeamento – com imagens de satélite, e caracterização das massas d´água e das dinâmicas de uso e cobertura da terra. A equipe do Laboratório de Instrumentação de Sistemas Aquáticos (Labisa/DPI/INPE) realizou expedições de campo para obter medidas radiométricas e limnológicas para calibração de modelos.
“Esses modelos permitirão monitorar, a partir de imagens de satélites, as dinâmicas de composição das massas de água que circulam pela planície, de modo a relacioná-las com as dinâmicas de uso da terra. Os resultados derivados deste monitoramento poderão ser utilizados como suporte ao desenvolvimento de cenários sobre os impactos de mudanças climáticas e/ou de uso da terra sobre previsão de serviços ecossistêmicos fornecidos pela planície de inundação e para a manutenção de sua biodiversidade”, explica Claudio Clemente Barbosa, pesquisador e coordenador do Labisa, ligado à DPI/INPE.
O Projeto Monitoramento Ambiental por Satélites no Bioma Amazônia (MSA), teve início em 2014 e ocorreu para apoiar o desenvolvimento de estudos sobre usos e cobertura da terra no bioma Amazônia, bem como a ampliação e o aprimoramento do monitoramento ambiental por satélites realizado pelo INPE. Foi executado pelo Instituto através de sua instituição de apoio, a Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologias Espacias (Funcate) e o BNDES, com recursos do Fundo Amazônia. Nos dias 13 e 14 de agosto, no INPE em São José dos Campos (SP) ocorre o seminário de encerramento do projeto, onde serão apresentados e discutidos os resultados obtidos durante sua execução.
No interior da Amazônia, as equipes do projeto entrevistaram populações tradicionais, produtores rurais, representantes das comunidades e das instituições locais
O Pará foi o grande centro desse trabalho minucioso, palco da maioria das idas a campo
Fonte: Inpe