Coalas comem folhas tóxicas para sobreviver. E agora os cientistas sabem o porquê

Um coala ameaçado come folhas de eucalipto em um hospital de animais. Beerwah, em Queensland, na Austrália.
FOTO DE JOEL SARTORE, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE

Coalas são, notoriamente, animaizinhos esquisitos. Eles são hiperespecialistas, ligados aos perfumados bosques de eucaliptos da Austrália, onde de alguma forma ganham a vida por meio de folhas tóxicas. Eles dormem o dia todo. Os bebês comem o cocô da mãe, e eles sucumbem a doenças horríveis que parecem não afetar muito outros animais.

Agora, uma equipe de pesquisadores sequenciou o genoma do coala, encontrando pistas sobre como os animais sobrevivem das folhas de eucalipto, como eles detectam as folhas menos tóxicas e por que eles são tão suscetíveis a certas doenças, como a clamídia.

O número de coalas na maior parte da Austrália diminuiu drasticamente nas últimas décadas, à medida que as florestas de eucalipto que eles habitam foram reduzidas para dar lugar ao desenvolvimento e à disseminação de doenças devastadoras.

Pesquisa mundial

Rebecca Johnson, geneticista de conservação do Museu Australiano em Sydney e principal autora do estudo publicado na Nature Genetics, recebia ligações frequentes de autoridades estaduais e empresas de desenvolvimento pedindo conselhos sobre como ajudar a preservar populações saudáveis ​​e geneticamente diversas de coalas em todo o país.

Que melhor maneira de responder a essas perguntas do que sequenciar o genoma do animal? Essa é a melhor informação a se ter “quando você está tentando rastrear e entender a diversidade genética de uma espécie”, ela diz.

Sendo assim, ela reuniu uma equipe de especialistas de todo o mundo que montou lentamente as peças do quebra-cabeça genético. “Realmente, é preciso toda uma aldeia para sequenciar um genoma”, diz Johnson. “Mas realmente não é muito difícil levar as pessoas a trabalhar em prol dos coalas, porque eles são muito bonitinhos”.

Bonitinhos e também muito esquisitos. Os coalas sobrevivem de folhas de eucalipto, repletas de moléculas tóxicas, que tornam a planta não-comestível a basicamente qualquer outro ser vivo. Os coalas, no entanto, desenvolveram a capacidade de liberar essas toxinas rapidamente, para que possam consumir quilos de folhas todos os dias sem ficarem doentes.

As folhas contêm tão poucas calorias, contudo, de modo que eles passam 22 horas por dia descansando ou dormindo.

Johnson e sua equipe descobriram que a parte do genoma do coala que codifica as proteínas desintoxicantes é duas vezes maior do que em outros mamíferos (ou humanos). Em algum momento no passado longínquo, supõem os pesquisadores, a seção deve ter se duplicado acidentalmente. E, uma vez dobrada, a pressão evolutiva deu um empurrãozinho nos genes extras para seguirem em novas direções, tornando o sistema de desintoxicação do coala melhor e mais eficiente na limpeza de diferentes moléculas desagradáveis ​​de eucalipto.

“É essa coisa co-evolutiva”, explica Miriam Shiffman, pesquisadora do MIT que estudou o modo como a flora intestinal do coala os ajuda a processar o eucalipto. As plantas desenvolvem um “coquetel químico complexo” para evitar de serem comidas, e os coalas desenvolvem maneiras melhores de lidar com ele.

Farejando toxinas

A equipe também aprendeu algo sobre como os coalas escolhem seus alimentos. Durante anos, pesquisadores observaram coalas farejarem as folhas e se perguntaram por que eles escolhiam comer algumas delas, mas jogavam outras fora. Eles suspeitavam que os coalas fossem capazes, de alguma forma, de sentir o quão tóxica ou nutritiva cada folha seria, baseado em seu cheiro.

E, de fato, nas partes do genoma que controlam os órgãos olfativos dos coalas, eles encontraram muitos genes extras que os ajudam a farejar diferenças sutis de cheiro entre os diferentes compostos medicinais e químicos de menta, que dão ao eucalipto seu cheiro característico.

Os coalas são realmente bons em se livrarem de moléculas de plantas venenosas, mas o sistema que faz eles se desintoxicarem também elimina muitos medicamentos de seus sistemas com muita rapidez – muitas vezes mais rápido que os humanos. E os antibióticos usados ​​para tratar algumas doenças bagunçam sua flora intestinal, interferindo em sua capacidade de decompor as folhas de eucalipto e, aos poucos, fazendo com que morram de fome.

Isso dificulta o tratamento de doenças como clamídia, pois os remédios que os veterinários e cientistas usariam para tratar humanos, ou até mesmo outros marsupiais, não funcionam nos coalas. Muitos pesquisadores passaram anos tentando desenvolver uma vacina que pudesse prevenir a clamídia em coalas. (Relacionado: Como os coalas sofrem de clamídia, uma nova pista para o tratamento)

“Todos os nossos esforços, em toda a comunidade de pesquisa sobre coalas, para desenvolver uma vacina… têm sido limitados pelo fato de não sabermos o suficiente sobre o sistema imunológico deles”, diz Willa Huston, microbióloga da Universidade de Tecnologia de Sydney. “Agora que temos uma compreensão sobre os milhares de genes envolvidos na resposta imune, podemos usar evidências e a ciência para criar uma vacina direcionada”.

Os coalas também sofrem com um retrovírus, semelhante ao HIV, que enfraquece o sistema imunológico e os torna ainda mais suscetíveis a doenças como clamídia ou câncer. Às vezes, esses retrovírus se infiltram silenciosamente no código genético. Os pesquisadores descobriram que os retrovírus haviam se inserido dezenas de vezes na história evolutiva dos coalas, mas os ataques furtivos continuam até hoje.

A esta altura, todos os coalas testados em Queensland têm alguma versão do retrovírus. Mas algumas das mutações modernas são mais destrutivas que as antigas. O trabalho do genoma pode ajudar os pesquisadores a acompanharem essa estirpe do vírus, explica Johnson, e dar aos cientistas uma base para a elaboração de uma vacina melhor.

O aprofundamento do código genético também pode ajudar os conservacionistas a descobrirem como manter geneticamente diversas algumas das populações fragmentadas e ameaçadas.

Os coalas enfrentam muitos tipos diferentes de ameaças atualmente, explica Shannon Kjldsen, geneticista de conservação da Universidade James Cook, em Queensland. E a diversidade genética na população os ajuda a lidar com as diferentes pressões. Mas se as populações começarem a se reproduzir por endogamia, “a espécie como um todo piora em sua forma de lidar com novos desafios”, ela diz. Agora, usando o genoma como referência, os biólogos poderão acompanhar o que está acontecendo nas diferentes colônias de coalas – e podem saber melhor como e quando agir.

Fonte: National Geographic