Você sabia que o seu sabonete pode ser uma ameaça à sobrevivência dos orangotangos, espécie com quem compartilhamos 97% do nosso DNA?
Pizza, sorvete, biscoitos, margarina, cosméticos – e sabonetes – são alguns dos milhares de produtos que contêm óleo de palma, ingrediente cuja exploração comercial ameaça essa e várias outras espécies.
Um novo estudo da International Union for the Conservation of Nature (União Internacional para a Conservação da Natureza, IUCN na sigla em inglês) sugere, no entanto, que o uso de óleos alternativos poderia trazer riscos ainda maiores para várias espécies de animais e vegetais.
O óleo de palma é produzido a partir de um ingrediente tradicionalíssimo na culinária baiana: o azeite de dendê. Uma vez refinado, o aromático dendê das moquecas, bobó de camarão e vatapá perde sua cor alaranjada e seu aroma e transforma-se em óleo de palma.
O cultivo da palma, também conhecida como dendezeiro ou coqueiro de dendê (nome científico Elaeis guineensis), de onde se extrai o óleo de palma, é frequentemente apontado como extremamente danoso para o meio ambiente. Isso ocorre porque, para ceder espaço para as plantações da árvore, que cresce em climas quentes, agricultores recorrem ao desmatamento em áreas ocupadas por florestas tropicais.
O Brasil produz óleo de palma, ocupando o décimo lugar no ranking global de produtores. O cultivo no país tem seus problemas. Entre eles, a utilização de agrotóxicos que poluem rios e o impacto da produção em larga escala sobre populações vulneráveis que habitam as áreas de plantio, concentradas no Estado do Pará. No entanto, para evitar o desmatamento, o governo federal determina que o cultivo no país seja feito em terras já degradadas.
A situação é ainda mais desafiadora nos países que lideram a produção do óleo de palma no mundo.
Malásia e Indonésia
Em termos globais, o cultivo do dendezeiro responde por apenas 0,4% do desmatamento. No entanto, essa lavoura está tendo um impacto dramático em algumas regiões da Indonésia e Malásia, onde é responsável por até 50% do desmatamento.
Esses dois países são os maiores produtores de azeite de dendê do mundo, produzindo milhões de toneladas do óleo anualmente, em uma indústria que gera mais de US$ 40 bilhões.
Proibir a comercialização do óleo não resolveria o problema, dizem os autores do estudo. O mundo continuará precisando de óleos vegetais.
E o que também preocupa os especialistas é que esforços para aumentar a demanda por dendê produzido de maneira sustentável não surtiram efeito até o presente.
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Produzido a partir da polpa de cor avermelhada encontrada no dendezeiro, o óleo de palma é o óleo vegetal mais utilizado do mundo.
Acredita-se que esteja presente em cerca de 50% de todos os produtos encontrados em supermercados e lojas.
Ele é um ingrediente importante, por exemplo, na fabricação de batom – porque é capaz de reter a cor, não tem sabor e não derrete facilmente. É encontrado em xampus, cereais matinais e macarrão tipo miojo, entre outros produtos.
Nos últimos 20 anos, a demanda crescente pelo produto levou à destruição de milhares de hectares de florestas tropicais centenárias.
E essas florestas são o habitat natural de algumas das espécies mais ameaçadas do mundo, incluindo o orangotango.
“Os orangotangos são nativos das terras baixas de Bornéu e Sumatra, e é lá que a palma de óleo é cultivada”, disse à BBC News o autor do relatório, Erik Mijaard.
“Os dois estão em constante conflito. A (plantação) desloca os orangotangos, eles são empurrados para os jardins da população local e é assim que ocorrem as matanças (de macacos).”
“Orangotangos são muito versáteis, mas, se tem uma coisa com a qual orangotangos (enquanto espécie) não conseguem lidar, é a matança. Isso porque se reproduzem de forma muito lenta, então as mortes têm um impacto muito grande.”
Problema complexo
Um estudo publicado em fevereiro de 2018 pela revista científica Current Biology revelou que mais de cem mil orangotangos foram mortos nos últimos 16 anos em Bornéu.
Coibir o cultivo do dendezeiro, por outro lado, não é a solução, diz o relatório da IUCN. Seus autores dizem que a lavoura de palma vem crescendo justamente porque o dendezeiro, com suas frutas vermelhas, é incrivelmente eficiente na produção de óleo.
O óleo de palma responde por 35% do suprimento global de óleos vegetais, mas ocupa apenas 10% da terra alocada para a produção de óleo no planeta.
Para substituí-lo com óleo de semente de colza, de girassol ou de soja seria necessário utilizar muito mais terra – segundo estimativas, até nove vezes mais espaço do que o utilizado no cultivo da palma.
Resultado: outras espécies seriam ameaçadas em outras regiões do planeta.
“Se não existisse óleo de palma, você ainda teria a mesma demanda por óleos vegetais”, argumentou Erik Meijaard.
“Se você deixa de produzir (óleo de) palma, (outro óleo) terá de ser produzido em outro lugar. Então, em vez de prejudicar os orangotangos, você vai ameaçar ursos, ou onças. Você simplesmente joga o problema para um outro lugar.”
Governo e consumidores
Medidas adotadas pelos governos da Malásia e Indonésia para tentar evitar que o cultivo do dendezeiro destrua as florestas e os animais também têm sido pouco efetivas, dizem os especialistas.
Após identificar áreas da floresta que são mais importantes para a biodiversidade, autoridades dos dois países criaram várias iniciativas para tentar preservá-las.
No entanto, segundo o relatório, as medidas não surtiram efeito.
“Analisamos a diferença entre índices de desmatamento em plantações que receberam certificações (de órgãos de inspeção) na parte indonésia de Bornéu e nas que não foram certificadas. Não vimos muita diferença”, diz Meijaard, ressaltando, porém, que a iniciativa é recente. “É preciso tempo para que haja uma melhoria nas práticas. Também é preciso que cresça a demanda por parto do consumidor por óleo de palma certificado.”
Cultivo sustentável
Uma outra solução, apontam ambientalistas, é incentivar o cultivo sustentável do dendezeiro.
Para isso, foi criada a Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO). Em linhas gerais, produzir o óleo de palma de forma sustentável significa não desmatar e não desrespeitar os direitos dos trabalhadores da indústria.
O site da entidade faz várias recomendações a agricultores, fabricantes, comerciantes, consumidores e governos.
Entre elas, usar terras degradadas para plantio, investir em pesquisa para aumentar produtividade e eficiência e comprar apenas óleo de palma produzido de maneira sustentável (o que implica identificar todos os intermediários na cadeia de suprimento, do produtor até o varejista).
Consumidores devem pesquisar e apoiar marcas comprometidas com a sustentabilidade, participar e divulgar campanhas de conscientização e apoiar entidades de conservação.
O relatório da IUCN diz que o trabalho da RSPO tem sido limitado pela baixa demanda, dificuldades na identificação dos produtos sustentáveis e ausência de monitoramento e controle efetivos.
A RSPO, por sua vez, diz que é difícil melhorar seus resultados sem “o apoio mais amplo da sociedade”.
Fonte: BBC