Pessoas assistem a incêndio em Rafina, na Grécia (Foto: Reuters/Alkis Konstantinidis)
Quase todo o mundo adora os dias ensolarados e gosta de reclamar quando chove. No entanto, o céu azul e o brilho do sol do verão no Hemisfério Norte ocultam o fato nada agradável de que, em todo o globo, as temperaturas máximas alcançaram um nível preocupante. As consequências são incêndios florestais, safras destruídas e a morte de muitos seres humanos.
O ano de 2016 acusou as temperaturas mais elevadas desde as primeiras medições. A culpa foi uma combinação do evento climático El Niño com o aquecimento global. Embora em 2018 se vivencie o fenômeno contrário, La Niña, que faz baixarem as temperaturas, este foi o junho mais quente já registrado, o que indica uma onda de calor.
Tecnicamente, uma onda de calor é quando em pelo menos cinco dias seguidos as temperaturas ultrapassam as médias em 5ºC ou mais. Dias extremamente quentes isolados, por sua vez, não são atribuídos a uma onda de calor ou ao aquecimento global.
Segundo a porta-voz da Organização Mundial de Meteorologia Clare Nullis, “a tendência é continuarmos tendo ondas de calor extremas, como consequência das mudanças climáticas”.
Para os habitantes do sul da Europa, 30 ºC no verão não são nada demais. Para alguém do Reino Unido ou da Irlanda, em contrapartida, isso é mais do que fora do comum, pois lá as temperaturas em junho normalmente mal ultrapassam os 20 ºC.
Em 28 de junho de 2018, os termômetros marcaram 31,9 ºC em Glasgow, na Escócia. Em Shannon, na Irlanda, eles chegaram aos 32 ºC, estabelecendo um novo recorde.
Os alemães, por sua vez, já se acostumaram a mais de 30 ºC em maio e junho, e em parte até gostam do calor. Na Geórgia, por outro lado, mediu-se em junho o recorde absoluto de 40,5 ºC. Em Ouargla, cidade saariana na Argélia, registraram-se incríveis 51,3 ºC.
Montreal, no Canadá, acusou no início de julho suas maiores máximas em 147 anos. A onda de calor custou a vida a mais de 70 pessoas, sobretudo devido a problemas circulatórios; da mesma forma que a 14 no Japão, onde mais de 2 mil tiveram que ser hospitalizadas.
Do sono a insetos
Em face do atual cenário de mudança climática global, ondas de calor deverão ocorrer “a cada dois anos, na segunda metade do século 21”, prediz Vladimir Kendrovski, responsável pelo departamento Mudança Climática e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Nas últimas décadas, a onda de calor na Europa causou mais mortes do que qualquer outro fenômeno meteorológico extremo”. A razão para tal é que, sob certas condições, as temperaturas altas resultam em “smog veranil”, agravando afecções circulatórias e respiratórias, enquanto o pólen no ar provoca ataques de asma mais frequentes.
O calor igualmente perturba o sono. Então, embora o corpo precise se recuperar urgentemente do estresse adicional, não consegue fazê-lo nem durante a noite. “Crianças pequenas e idosos são os que mais sofrem”, explica Simone Sandholz, do Instituto Universitário de Meio Ambiente e Segurança Humana das Nações Unidas.
A maioria das vítimas das ondas de calor “vive em cidades densamente habitadas, com pouca ventilação”, complementa Sandholz. Segundo Nullis, a combinação de calor e umidade revela-se especialmente fatal.
Até mesmo o cérebro deixa de funcionar devidamente, se o tempo é quente demais, podendo perder até 10% de sua velocidade. Uma pesquisa realizada em escolas de Nova York concluiu que, devido ao calor, 90 mil alunos talvez tenham fracassado em exames em que normalmente passariam.
O clima quente igualmente oferece condições perfeitas à reprodução de vespas e outros insetos agressivos. Na Inglaterra, as chamadas de emergência devido a picadas de insetos quase duplicaram em julho.
No entanto, bem mais perigoso do que os que provocam um doloroso calombo são os mosquitos, como potenciais transmissores de malária, dengue e outras doenças infecciosas. Kendrovski, da OMS, está seguro da correlação entre as mudanças climáticas e as moléstias transmitidas por esses vetores.
Moradores tentam extinguir chamas de incêndio florestal que ameaçam igreja na cidade de Rafina, perto de Atenas, na Grécia, na segunda-feira (23) (Foto: Reuters/Costas Baltas)
Florestas e colheitas destruídas
Incêndios florestais são outra consequência do sol ardente. Só no Reino Unido, Suécia e Rússia, 80 mil hectares de florestas foram devastados devido a fenômenos meteorológicos extremos.
Campos cultivados também secam e até pegam fogo. No Reino Unido, os fazendeiros estão tendo dificuldade de cobrir a demanda de verduras frescas e ervilhas, devido às safras insuficientes ou mesmo ausentes. Em menor escala, plantações de trigo, repolho e brócolis estão ameaçadas.
Na Alemanha, os agricultores já se acostumaram com a ideia de que a safra de cereais será muito inferior à dos anos anteriores.
“Novamente vamos ter uma colheita muito abaixo da média”, queixa-se Joachim Rukwied, presidente da Federação dos Agricultores Alemães (DVB). Ele revela que alguns fazendeiros consideram sequer fazer a colheita, mas sim destruí-la logo, já que o trabalho envolvido não compensaria.
Adaptação e urbanismo
Com tais temperaturas, o acesso a condicionadores de ar e refrigeradores parece ser um fator de grande importância. No entanto ele também tem seu lado negativo, uma vez que a eletricidade consumida por esses sistemas provém sobretudo de fontes fósseis. Portanto, quanto mais se refrigera, mais se contribui para a mudança climática e mais as temperaturas sobem, formando-se um círculo vicioso.
Em termos de combate aos efeitos da mudança do clima global, Kendrovski ressalta que “se o sistema de saúde fosse mais bem adaptado aos sistemas meteorológicos, seria possível evitar muitos problemas de saúde causados pela onda de calor”.
Lançando o apelo “Não devemos subestimar o calor”, Sandholz, por sua vez, prefere apostar no planejamento urbano: parques ou corredores de vento poderiam minorar o efeito das altas temperaturas sobre as cidades, defende a funcionária da ONU.
Fonte: Deutsche Welle