Quando começou a faltar gasolina, gás de cozinha e até comida durante a greve dos caminhoneiros, muito se falou do custo do transporte rodoviário no País. Muita gente não reparou, contudo, que, a paralisação não reduziu apenas a oferta desses produtos. O movimento também diminuiu, pelo menos por uns dias, as emissões de gases de efeito estufa. É que, devido à dependência do diesel – hoje subsidiado pelo governo, os caminhões também são um dos principais poluentes atmosféricos do Brasil.
Pesquisa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) diz até que esse meio de transporte é o responsável pela maior parte das emissões de gás carbônico (CO²) do setor de energia brasileiro. Ou seja, é um dos maiores causadores do aquecimento global no País – fenômeno climático que pode provocar o derretimento de geleiras e o consequente aumento do nível do mar, inundando diversas cidades ao redor do mundo, inclusive o Recife.
Segundo o relatório, publicado recentemente no Brasil pelo Observatório do Clima, os caminhões lançaram 85 mi de toneladas de CO² no ar apenas em 2016 – último ano em que as emissões globais foram totalmente mapeadas. O volume é maior até que as 70 milhões de toneladas produzidas na queima de combustíveis e que as 54 mi de toneladas emitidas pelas usinas termelétricas que estavam operando no País. Porém não é o único problema do sistema de transporte brasileiro.
O mesmo estudo mostra que outras 65 milhões de toneladas de gases de efeito estufa foram emitidas por automóveis menores, fora as 22 mi de toneladas dos ônibus. Ao todo, 189 mi de toneladas de poluentes saíram do transporte rodoviário no Brasil em 2016 – o equivalente a 92% de todas as emissões produzidas pelo setor de transporte, que também inclui os modais ferroviário, hidroviário e aéreo: 204 milhões de toneladas.
“Nosso transporte tem um alto nível de emissão de CO² porque é dependente do combustível fóssil de petróleo. Afinal, o transporte de cargas brasileiro é quase que inteiramente realizado pelo modal rodoviário e não pelas ferrovias e hidrovias, que são mais eficientes energeticamente”, explicou o coautor do relatório e presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), André Ferreira, dizendo que, em países tão grandes como o Brasil, a logística é outra.
Na Rússia, por exemplo, as ferrovias representam 81% do transporte de cargas. E no Canadá, 46%. Aqui, porém, só 15% das cargas são escoadas pelos trilhos. Outros 20% vão pelos ares ou pelas águas. E os 65% restantes seguem nas estradas. “O modal ferroviário e o modal aquaviário são insignificantes no Brasil, o que é uma pena, pois, quando se avalia o consumo de combustível por tonelada transportada, o modal rodoviário é dez vezes mais caro e mais poluente que o aquaviário, que, por sua vez, é cinco vezes mais caro que o ferroviário”, confirmou o consultor de energia Ivo Pugnaloni, lembrando que o uso intensivo do diesel – combustível que é usado pelos caminhões e, por isso, representa mais de 75% das vendas de combustíveis do Brasil – é ruim para a atmosfera e também para a saúde da população. “Diesel e gasolina emitem uma proporção semelhante de gases de efeito estufa, mas o diesel acaba sendo mais poluente porque, além disso, emite materiais particulados que aumentam a poluição atmosférica global e afetam a saúde pública”, explicou Ferreira.
Os especialistas esperam, portanto, que o sistema de transporte brasileiro seja aperfeiçoado. Eles dizem ainda que o ideal seria levar as cargas das estradas para as ferrovias e os barcos. Mas, como essa mudança exige muito tempo e investimento, é preciso implementar pelo menos mudanças mecânicas que aumentem a eficiência dos veículos. “Nossos automóveis estão um pouco defasados e, por isso, não têm o mesmo nível de eficiência mundial. Na Europa, por exemplo, já há caminhões com tecnologia de controle da poluição”, reclamou o coautor da pesquisa.
Conselheiro da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE), Francisco Nigro argumentou que a baixa presença desse tipo de veículo no Brasil é resultado do alto custo da produção nacional, mas admitiu que essa realidade pode melhorar nos próximos anos, graças ao novo programa federal de incentivos à indústria automobilística, o Rota 2030, que vai subsidiar a pesquisa e o desenvolvimento de soluções menos poluentes. Ele lembrou, por sua vez, que o Brasil também tem suas vantagens energéticas. Afinal, é um grande produtor de biocombustíveis – etanol e biodiesel.
“O etanol e o biodiesel ajudam a abater as emissões de CO². E, hoje nós temos mais carros flex, com combustível renovável, que qualquer país no mundo”, garantiu Nigro, dizendo que as emissões brasileiras de CO² poderiam ser muito maiores caso esses biocombustíveis não fossem usados e lembrando que elas tendem a cair nos próximos anos devido aos incentivos federais que serão concedidos ao uso de combustíveis limpos através do Renovabio – programa que quer ampliar a presença de biocombustíveis na matriz energética brasileira. “O Renovabio é uma lei com vigência a partir de 2020 que vai prestar um serviço ambiental mostrando a melhor qualidade e dando estímulos financeiros ao uso de combustíveis limpos como etanol e biodiesel”, disse o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha.
Aviação busca maior eficiência
A segunda maior parte das emissões do setor de transporte vem dos ares. É que os aviões geram cerca de 20 mi de toneladas de CO² por ano devido ao uso de querosene. O volume é bem menor que o do modal rodoviário, mas a tendência é que ele cresça ao longo do tempo, já que o número número de passageiros aéreos também deve crescer – entre 2005 e 2015, por exemplo, as emissões domésticas subiram 78%. Por isso, o Governo Federal já começou a pensar em alternativas para tornar este transporte mais limpo. E, nestes estudos, um novo combustível para a aviação começou a ser desenvolvido em parceria com o Governo Alemão.
“O Brasil consome 136 bilhões de litros de querosene de aviação por ano, o que representa 5% da matriz de combustível nacional. Por isso, a aviação responde por 7% das emissões do setor de transporte”, admitiu a coordenadora geral de Serviços Aéreos Internacionais do Ministério dos Transportes, Ana Paula Machado, ressaltando, porém, que viajar de avião é menos poluente que viajar de carro. “Mesmo assim, já estamos trabalhando junto com a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) para reduzir as emissões”, pontuou.
“A OACI estabeleceu um protocolo para que as emissões vindas das aeronaves comecem ser reduzidas a partir de 2020. Por isso, criamos um projeto para desenvolver um querosene renovável de baixa emissão em parceria com Ministério de Meio Ambiente da Alemanha”, acrescentou o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), Maximiliano Martinhão. Ele revelou ainda que a ideia é produzir o novo combustível aeronáutico em um processo químico, a partir da junção de água, gás carbônico e energia elétrica, que, ao invés de emitir, reaproveita o CO².
“Vamos usar esse gás poluente para gerar combustível e ainda poderemos melhorar a logística de distribuição desse produto, porque, com isso, a geração do querosene de aviação poderá ser feita no próprio aeroporto, o que ainda vai reduzir as emissões dos caminhões que hoje levam esse combustível para os terminais”, desenvolveu Maranhão, contando que o primeiro querosene renovável de aviação deve ficar pronto em aproximadamente um ano, em uma planta piloto a ser construída em São Paulo. Se o produto passar pelos testes de eficiência e rentabilidade econômica, a produção comercial deve começar em 2022.
Fonte: Marina Barbosa, da Folha de Pernambuco