Um estudo coletou séries temporais diárias históricas de temperaturas média em 412 comunidades dentro de 20 países em períodos que variaram de 1º de janeiro de 1984 a 31 de dezembro de 2015, e fez a comparação com o impacto das ondas de calor na humanidade. O que foi descoberto é que as temperaturas elevadas têm causado muitas mortes, sobretudo em países que ficam em regiões tropicais, próximo ao Equador.
Pessoas vão morrer menos de calor, no futuro, em países europeus – que estão atravessando um verão dos mais quentes – e nos Estados Unidos. Mas as notícias não são boas para o Brasil, neste sentido. O estudo foi considerado dos mais abrangentes sobre o tema pelos especialistas do Observatório do Clima.
Os pesquisadores buscaram refletir, basicamente, tomando por base três premissas: as ondas de calor podem causar um impacto significativo na saúde da população em todo o mundo, incluindo um aumento na mortalidade e morbidade; haverá um aumento na frequência e severidade das ondas de calor no futuro em todo o mundo por causa das mudanças climáticas e as evidências sobre os impactos das mudanças climáticas na mortalidade relacionada à onda de calor em escala global são (ainda) limitadas.
Para nós brasileiros, a pior notícia ainda está por vir: os 39 cientistas de todo o mundo que fizeram o estudo puseram o Brasil no terceiro lugar num cenário bem pessimista sobre os impactos das ondas de calor sobre os humanos. Por isso, dizem os pesquisadores, é preciso levar a sério uma linda de adaptação às alterações climáticas e uma política de mitigação (dos impactos) cada vez mais rigorosa para reduzir as emissões.
“As ondas de calor podem causar um impacto significativo na saúde da população, incluindo um aumento na mortalidade e morbidade. Uma série de grandes eventos de ondas de calor ocorreram na última década, muitos dos quais tiveram efeitos devastadores. Por exemplo, as ondas de calor europeias no verão de 2003 foram responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas. As ondas de calor russas de 2010 mataram cerca de 55 mil pessoas. É importante ressaltar que as ondas de calor têm um impacto maior na mortalidade ou morbidade do que o número relatado de mortes ou casos devido à doença clássica do calor (por exemplo, termoplegia, insolação, cãibras e síncope), porque as ondas de calor também induzem o surgimento de doenças cardiovasculares, respiratórias e diabetes. Assim, ondas de calor são um problema crítico de saúde pública”, alertam os pesquisadores no texto de apresentação da pesquisa.
Só no Brasil, os pesquisadores avaliaram 3,4 milhões de mortes de 1997 a 2011 e sua potencial relação com ondas de calor para fazer a projeção. Eles fazem projeções em um cenário bem pessimista, se nada for feito para frear ao menos um pouco as emissões de gases do efeito estufa, em que as mortes causadas por calor, aqui no Brasil, sofreriam um acréscimo de cerca de 850%. O crescimento populacional também é levado em conta. Mas, se tudo correr bem, ou seja, se o país conseguir investir em políticas públicas que levem à redução do uso dos combustíveis fósseis, à redução do desmatamento e à preservação de animais, por exemplo, este percentual pode baixar para cerca de 300%.
No site do Observatório do Clima, há sugestões sobre como o país poderia investir:
“Para evitar uma elevação maior nessa taxa seria preciso investir em medidas diversas de adaptação. Entre elas estão: preparar o sistema de saúde para o problema, instalar mais bebedouros públicos, educar a população para os riscos, elevar a renda das populações mais pobres para permitir compra de ar condicionados, criar sistemas de alerta e outras medidas. Ainda assim, o país veria um aumento médio de 82% nas mortes relacionadas a ondas de calor, no cenário pessimista. Para além dessas medidas, o número só diminui se a população do país crescer menos”.
Entramos assim no paradoxo que se torna cada vez mais constante em nossa era. Quanto mais aparelhos de ar condicionado ligados, mais emissões de gases poluentes estarão sendo lançadas para a atmosfera. Isso quer dizer, na visão de cientistas focados em estudos sobre o efeito estufa, que estaremos assim colaborando mais para as mudanças climáticas, os eventos extremos, calamidades etc, etc, tudo isso que quem acompanha o assunto, neste e em outros espaços, já sabe até de cor e salteado.
A sensação de impotência que pode surgir a partir dessas e de outras informações importantes sobre o futuro da nossa espécie aqui no planeta, porém, pode ir se transformando se dedicarmos parte do tempo a criar possibilidades de viver sempre de um modo diferente.
Hoje (8), pela manhã, investi um tempo maior do que o costume lendo uma mensagem na minha caixa de correios, da ONG Worldwatch Institute, justamente porque no texto, que me convidava a fazer doações para a organização, havia uma pergunta sobre o futuro, que costumo me fazer sempre quando estudo e escrevo sobre o aquecimento, as mudanças, os impactos disso em nossas vidas. Eis uma visão bem otimista sobre como será este tempo por vir, segundo os membros dessa organização fundada em 1974 pelo ambientalista e escritor Lester Brown (autor de “Plano B 4.0”) :
“Transporte, aquecimento, resfriamento e iluminação não precisarão mais de combustíveis fósseis. Os produtos de consumo não farão mais uma viagem só de ida da matéria-prima para o aterro: as cadeias de suprimentos circulares vão reutilizar os bens naturais indefinidamente. A produção de alimentos deixará de sobrecarregar o solo e a água e de ameaçar a biodiversidade: a agricultura reconstruirá solos. As cidades serão altamente eficientes e funcionarão quase sem pegada de carbono”.
Neste cenário, talvez seja mesmo mais fácil tentar conter mortes por fortes ondas de calor, já que estaremos trabalhando com cuidados especiais, fazendo contato com o ambiente ao redor e não fechando os olhos para tudo o que vem dele que não seja rentável. A turma de Lester Brown acredita em energia renovável, aposta em alimentos nutritivos e em expansão de empregos justamente porque será preciso muita gente para participar desse exército em prol do melhor ambiente e da melhor qualidade de vida.
Viram? Conseguimos, assim, reverter uma notícia que poderia apenas ser pessimista, numa reflexão que pode fazer parte, por exemplo, de uma próxima conversa com seu filho adolescente, caro leitor. Quem sabe ele não resolve começar agora a estudar uma das especializações que ajudam a mudar um quadro sombrio como o descrito neste estudo. Afinal, é com essa geração que contamos para engrossar as fileiras dos profissionais que nos ajudarão a viver melhor, mesmo em condições nem tão boas.
Fonte: G1, Amelia Gonzalez