Ondas de calor serão mais intensas e já refletem o aquecimento global

Mulheres se refrescam com borrifador de água público em Lille, na França, durante onda de calor na Europa (Foto: Philippe Huguen/AFP)
Mulheres se refrescam com borrifador de água público em Lille, na França, durante onda de calor na Europa (Foto: Philippe Huguen/AFP)

O calor escaldante que tomou conta da Europa nesse verão traz o assunto do aquecimento global para o centro do debate.

Para o diretor de pesquisa do Laboratório Francês de Ciências do Clima e do Meio Ambiente, Robert Vautard, estamos entrando numa nova era climática, da qual conhecemos a causa. “O que nós sabemos agora é que a amplitude das ondas de calor que estamos tendo na Europa, mas não só na Europa, está relacionada às mudanças climáticas”.

Se cada evento extremo separado não pode ser diretamente relacionado ao aquecimento global, segundo os cientistas é possível mostrar que a frequência deles vem aumentando.

Na França, foram batidos vários recordes de temperatura. Portugal, registrou máxima de 46,8 graus.

Nos Estados Unidos, ainda que as queimadas sejam comuns nessa época, o fogo dessa vez foi mais intenso. Um território equivalente ao tamanho de Los Angeles foi destruído. Em Palm Springs, os termômetros bateram os 50 graus. No Quebec, Canadá, sensação térmica de 45 graus.

A Suécia teve o verão mais quente dos últimos dois séculos. E o Japão registrou 80 mortos pelas altas temperaturas. Um cenário que tende a se repetir, segundo Carlos Rittll, diretor-executivo do Observatório do Clima.

“Mudanças climáticas estão tornando um evento que seria ocasional, de fato mais intenso. Inclusive estudos recentes mostram que as ondas de calor tendem a se tornar mais fortes e mais frequentes. Na própria Europa a gente poderia ter ondas de calor todos os anos, por exemplo”.

A Terra 1 grau mais quente

O aquecimento acentuado da Terra é observado numa escala secular, de temperatura e clima. Os registros começaram em meados do século dezenove. E as mudanças observadas, a partir de 1950, não tem precedentes.

O instrumento usado para medir o sistema do clima no planeta leva em consideração medições de temperatura na superfície da terra e dos oceanos. Milhares de estações meteorológicas fornecem os dados, em todo o mundo.

A atividade humana é um elemento central do problema, como explica Carlos Nobre, pesquisador-colaborador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

“Hoje, o planeta em geral está um grau mais quente do que cem anos atrás. Isso é mudança climática. Isso é causado pela ingestão de gases de efeito estufa que nossa sociedade moderna colocou na atmosfera e a atmosfera não está conseguindo se livrar de todo o excesso de gases de efeito estufa que nós colocamos”.

A maior contribuição do homem para o aquecimento global é a emissão de gases como o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Em Paris, veículos mais antigos, que poluem mais, foram proibidos de circular.

Num futuro não tão distante teremos uma Terra mais quente, com situações de descontrole e perigo para muitos, apontam descobertas recentes da Universidade de Copenhagen.

Estudo publicado no dia 6 de agosto, em parceria com a Universidade Nacional da Austrália e do Instituto de Pesquisa de Potsdam, sobre os efeitos das mudanças climáticas na Alemanha, mostra que a Terra poderá se transformar numa espécie de forno. E isso “em apenas algumas décadas”, alertam os cientistas, que destacam a importância da transição para uma economia mais sustentável.

Consequências drásticas

Além de mexer nas temperaturas, o aquecimento global pode ter outros efeitos perversos, que vão exigir adaptação, lembra Carlos Rittll. “Como que a gente lida com a projeção de elevação do nível dos oceanos, o que tem que se fazer com a infraestrutura costeira, para proteção das populações que vivem próximas à costa? O que a gente precisa fazer com ondas de calor, mas também ondas de frio, tempestades mais frequentes e mais fortes, multiplicação de doenças”.

A França toma liderança na questão do clima. O objetivo, agora, é cumprir o acordo firmado em Paris, durante a Cop 21. A conferência do clima da Organização das Nações Unidas, de 2015, aprovou metas ambiciosas.

De acordo com o painel intergovernamental de mudanças climáticas (IPCC) o ideal seria que aquecimento do planeta ficasse abaixo de 2º graus celcius em comparação a níveis pré-industriais, período considerado anterior à interferência do homem sobre o clima. Com esforços para limitar em até 1grau e meio.

Paris foi o primeiro pacto, desde o protocolo de Kyoto, a propor um compromisso geral com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Antes, somente os países ricos tinham esse compromisso.

Os governos se comprometeram através das INDCs, (contribuições pretendidas nacionalmente determinadas), que vão vigorar de 2020 a 2030. Mas talvez esses esforços já não sejam suficientes, alerta o diretor do Observatório do Clima.

“As metas assumidas por todos os países que negociaram o acordo, em 2015, se elas forem cumpridas na sua integridade, ao longo desse século a temperatura aumentaria acima de três graus, ou seja, a conta do clima não fecha, os países tem que fazer mais, precisam aumentar o seu grau de ambição climática, têm que cortar mais suas emissões ao longo do tempo para colocar as emissões globais numa trajetória que permita limitar o aquecimento global bem abaixo de dois graus e, se possível, um grau e meio”.

Melhorar o manejo do solo, mudanças nas práticas agrícolas, plantio de árvores e reduzir o desmatamento deveriam ser condutas urgentes.

Porém, apesar de parecer uma luta óbvia, o combate ao aquecimento global não é tratado como prioridade por alguns governos. Como o caso dos Estados Unidos, que anunciaram a intenção de abandonar o Acordo do Clima.

“Os padrões de produção e consumo estão baseados em algo que é insustentável. Muitos países se desenvolveram com base na queima do carvão, do petróleo e gás natural. A gente tem que se valer de outros caminhos e de outras fontes de energia como as energias renováveis”, ensina Carlos Rittll.

Paris envia um sinal poderoso para os mercados de que é o momento de investir em uma economia de baixo carbono e promover a evolução de sua dependência aos combustíveis fósseis. Um novo salto de prosperidade dependerá de planejamento e mudanças imediatas.

Fonte: G1