Antes de ligar a motosserra, dentro da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, Wanderson Mendes confere no mapa que tem nas mãos se está diante da árvore certa. Com um ajudante, ele repassa os cortes que serão feitos no caule e a rota de fuga quando a embireira, de 40 metros de altura, cair.
“Antes, eu entrava na mata e cortava qualquer árvore. Era tudo na ilegalidade. Há seis anos trabalho como motosserrista profissional”, diz Mendes, depois de a copa da árvore tombar.
Neste trecho da Amazônia, a extração da madeira não ocorre às escondidas. A área dentro da unidade de conservação foi a primeira no país a receber autorização do governo, há dez anos, para esse tipo de atividade de manejo florestal. Depois de mais de 32 mil árvores cortadas na última década, a floresta continua de pé.
“Tem uma ciência por trás disso”, pontua Maurício Sacramento, do Serviço Florestal Brasileiro, que supervisiona o manejo florestal em terras públicas. “A floresta, mesmo com essa intervenção, permanece com a estrutura firme. Ela mantém suas funções, afirma o chefe da unidade Purus Madeira, que abrange Rondônia, Acre e sudoeste do Amazonas.
De toda a área da Floresta Nacional do Jamari, cerca de 31% têm manejo florestal. Duas empresas ganhadoras do contrato, de 40 anos, operam no local. A retirada de cada árvore é planejada com um ano de antecedência e recebe a aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Os dados mostram que, com essa forma de exploração, os danos causados na floresta são praticamente imperceptíveis”, diz Marta Sccoti, pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Desde 2012, a cientista analisa a recuperação das áreas exploradas. “Nossos estudos mostram que depois de 3, 4 anos, a biomassa cresce. Ou seja, floresta responde em curto prazo”, destaca.
Licença para cortar madeira
As regras do manejo florestal em terras públicas da Amazônia são estritas. A legislação permite que numa área equivalente a um campo de futebol coberto por floresta, onde cabem aproximadamente 700 árvores, cinco sejam retiradas. Mas, no Jamari, duas são colhidas.
Cada trecho de floresta concedido foi dividido em 25 unidades. Por ano, apenas uma delas é explorada por cada empresa. Quando as atividades na unidade cessam, a terra descansa pelos próximos 25 anos. É o tempo em que, acredita-se, a vegetação voltará ao estado prévio.
Causar baixo impacto na floresta, por outro lado, custa caro. “No início, o investimento é muito alto com compra de equipamentos, abertura de estradas. A gente está falando de milhões de reais”, afirma Luisinho Sousa, gerente de operações da Amata, uma das concessionárias. As contas da empresa devem entrar em equilíbrio a partir deste ano, complementa Sousa.
Até 70% da madeira que sai do Jamari seguem para o mercado externo. “Para manter a concessão, tem que andar 100% certo. É diferente do mercado ilegal”, comenta Jonas Perutti, da Madeflona, primeira a assinar o contrato de concessão no Jamari.
“A gente aposta que o momento da madeira ilegal esteja diminuindo para termos uma competição mais confortável”, diz.
Modelo de manejo florestal
Em relação ao território, o estado de Rondônia é um dos que mais perderam Floresta Amazônica. Dos 213 mil quilômetros quadrados originais, 92 mil quilômetros quadrados desapareceram, ou seja, cerca 42% da mata nativa.
“Em Rondônia, as áreas mais preservadas estão dentro de unidades de conservação. São florestas nacionais, terras indígenas. As áreas que estão fora desse perímetro já estão ocupadas, sem floresta”, afirma Cláudio Almeida, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento com a ajuda de satélites.
Para Sacramento, o caso do Jamari indica que o manejo florestal é uma estratégia eficiente para manter a biodiversidade. “O sistema nacional de unidade de conservação diz que a floresta nacional é um dos instrumentos para conservação”, argumenta.
Para o pesquisador Antonio Laffayete da Silveira, da Unir, o Jamari se tornou um grande laboratório para testar modelos de concessão.
“Consideramos um caso bem-sucedido. Se o mesmo tivesse sido feito em outras áreas, como a Floresta Nacional do Bom Futuro, talvez ela ainda estivesse lá. Mas foi tudo invadido”, diz Silveira, referindo-se à unidade de conservação localizada a 180 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia.
O rastro desde a floresta
Desde as primeiras concessões, o Serviço Florestal criou um sistema especial para fiscalizar o que sai das florestas. Chamado de cadeia de custódia, ele permite que a madeira vendida pelas empresas seja rastreada até a árvore de origem.
“A capacidade de recuperação da floresta tem muito a ver com a intensidade de exploração. Se a gente negligencia a informação de número de árvores cortadas dessa floresta e permite que, eventualmente, o concessionário explore além dos limites, a gente vai interferir na capacidade de recuperação e prejudicar os ciclos futuros”, justifica José Humberto Chaves, gerente de monitoramento.
Com a ajuda da tecnologia, as informações ficam disponíveis também num aplicativo, que qualquer pessoa pode acessar. “É para mostrar que a madeira vinda de uma concessão florestal é segura, porque temos um processo de controle tanto do Ibama quanto do Instituto Chico Mendes, que é o gestor da unidade de conservação de onde a madeira está saindo”, complementa Chaves.
Desde 2010, o governo brasileiro arrecadou 44 milhões de reais com as florestas públicas sob concessão – são sete atualmente. Parte do dinheiro, 10 milhões, retornou para os estados e municípios da região onde as empresas operam, aponta o levantamento do Serviço Florestal Brasileiro.
Fonte: Deutsche Welle