No início do ano que vem, o Flipflopi viajará para Zanzibar como parte de uma campanha, apoiada pela iniciativa Mares Limpos da ONU Meio Ambiente, para espalhar uma “revolução plástica” ao longo do litoral, muitas vezes salpicado de resíduos plásticos de lugares tão distantes quanto a Tailândia e a Malásia.
A epifania de Ben Morison chegou uma manhã quando ele começou a nadar na costa do Oceano Índico, no Quênia. O operador turístico queniano contou 13 peças de plástico, incluindo garrafas e chinelos, enquanto caminhava para o mar. Com um sobressalto, percebeu o quão degradada a costa que ele amava — e comercializada como um destino dos sonhos — se tornou. Ele teve que agir.
“É muito fácil olhar para a esquerda ou para a direita e esperar que alguém faça alguma coisa, mas eu pensei: ‘o que posso fazer para ajudar a chamar a atenção sobre isso de forma divertida e alegre?’”, disse ele.
A resposta tornou-se o projeto Flipflopi: um plano ambicioso para construir um veleiro tradicional de plástico reciclado e navegá-lo ao longo da costa da África Oriental para espalhar a mensagem de que nossa dependência de plásticos de uso único é um desperdício destrutivo.
Mais de dois anos depois, essa visão se tornou realidade. Em 15 de setembro, o veleiro Flipflopi, de nove metros, com as cores do arco-íris e artesanato pioneiro feito com 10 toneladas de plástico reciclado queniano, foi lançado da ilha de Lamu em sua viagem inaugural.
No início do ano que vem, o Flipflopi viajará para Zanzibar como parte de uma campanha, apoiada pela iniciativa Mares Limpos da ONU Meio Ambiente, para espalhar uma “revolução plástica” ao longo do litoral, muitas vezes salpicado de resíduos plásticos de lugares tão distantes quanto a Tailândia e a Malásia.
Para o fundador da Flipflopi, Morison, e sua entusiástica equipe de voluntários, o veleiro representa tudo o que há de melhor na criatividade e resiliência queniana. Ele demonstra que o descarte de plástico de uso único não faz sentido, ao mesmo tempo em que também se apresenta como um tributo à capacidade de “faça você mesmo” que permeia muitas comunidades em desenvolvimento.
“O ponto-chave da diferença é a liderança africana e o DNA africano”, diz Morison.
“Nós nos limitamos expressamente aos recursos disponíveis localmente. Nós construímos este barco com construtores de barcos tradicionais. Não há um computador à vista. Há apenas uma ferramenta elétrica. Poderíamos ter concluído o projeto em cinco meses e levamos dois anos e meio. Isso porque explicitamente queríamos demonstrar que essa reciclagem, essa capacidade de adaptar o plástico, pode ser feita nesse tipo de ambiente”, diz ele.
O Flipflopi foi construído a partir de pranchas feitas de plástico reciclado, enquanto o casco e o deque foram cobertos com painéis feitos com cerca de 30.000 chinelos reciclados.
O plástico foi coletado das praias de Lamu e das ruas de Nairóbi, Malindi e Mombasa. Ele foi classificado e depois enviado para usinas de reciclagem, onde foi derretido e remodelado.
“Temos uma indústria de reciclagem de plástico muito jovem no Quênia. É muito low-tech, mas é bom porque está fazendo uma mercadoria de algo que as pessoas poderiam ver como lixo”, diz Morison.
Tentativa e erro se tornaram as palavras de ordem enquanto a equipe se esforçava para criar o equilíbrio correto de flexão e rigidez nas pranchas de plástico. O mestre artesão Ali Skanda liderou a equipe de construção de barcos, esculpindo as pranchas com a destreza e habilidade que fizeram seu trabalho ser exibido em vários museus. Skanda vem de uma família de carpinteiros e construtores de veleiros em Lamu, cujas raízes remontam aos primeiros colonos que chegaram à ilha em 1.300.
O uso de chinelos foi uma escolha óbvia para Morison e sua equipe, que inclui o líder do projeto, Dipesh Pabari, e o engenheiro de design Leonard Schurg.
“Cerca de 3 bilhões de pessoas no planeta Terra usam ou possuem chinelos. Eles são o tipo mais onipresente de calçado. São usados por negros, brancos, pessoas da Austrália à América do Norte. Eles cruzam barreiras linguísticas e barreiras de idade. Eles são um conector brilhante”, diz Morison.
O Flipflopi é o capítulo mais recente do esforço do Quênia para se tornar um líder global em lidar com a poluição por plástico. Em agosto de 2017, o país introduziu a mais dura proibição de sacolas plásticas do mundo, com qualquer pessoa produzindo, vendendo ou usando um saco plástico correndo o risco de prisão de até quatro anos ou multa de 40 mil dólares.
A proibição queniana inspirou outros países africanos — incluindo Uganda, Tanzânia, Burundi e Sudão do Sul — a pensar em seguir o exemplo. Ruanda já baniu as sacolas plásticas em 2008.
Morison situa seu projeto diretamente neste contexto de liderança africana em um problema global. “Nosso objetivo sempre foi demonstrar a outras pessoas como você pode usar algo como plástico de uma maneira realmente valiosa. Nós podemos fazer o que quisermos com este barco. Podemos transportar cargas, turistas”, diz ele.
Esta não é a primeira vez que resíduos plásticos são usados para fazer barcos — embora seja a primeira vez que um veleiro tenha sido construído com plástico. Em agosto, ativistas ambientais lançaram um barco feito quase inteiramente de lixo plástico reciclado no rio Tâmisa, em Londres. O barco “PET Project” será usado para coletar lixo plástico do rio. E um cineasta italiano navegou em uma jangada de 1 mil contêineres de plástico em Ischia, na costa de Nápoles, para destacar o problema da poluição por plásticos marinhos.
Morison sabe que poderia simplesmente ter encomendado pranchas de plástico recicladas de outro país, mas acredita que comunidades como as da costa do Quênia precisam de formas viáveis e sustentáveis de reutilizar e reciclar plásticos.
“Para que isso seja significativo, tinha que ser um projeto queniano. Tinha que ser limitado a seu meio ambiente e ser realizável. Tudo o que fizemos é escalável. Isso pode ser feito em ambientes com poucos recursos.”
À medida que as economias emergentes se desenvolvem na África e no Sudeste Asiático, mais pessoas estão tendo acesso ao estilo de vida consumista e descartável dos países mais ricos. Sessenta por cento de todo o plástico que acaba nos oceanos do mundo vêm de apenas seis países da Ásia.
“O consumo responsável de plástico será definido por populações em ambientes de consumo emergentes. Esses não são consumidores que estão ouvindo (o apresentador e ativista britânico) David Attenborough. Nosso objetivo era encontrar uma maneira de comunicar e inspirar essas pessoas”, declara Morison, notando a injustiça pungente inerente em apontar o dedo para as nações emergentes.
“Tivemos 40 anos de ganância com esse recurso maravilhosamente útil (nos países mais ricos) e, se eu estivesse na classe emergente do Quênia, pensaria em por que não deveria ser permitido usar essas coisas? Eu me sentiria zangado. Por isso, penso que é importante comunicar como africanos com os nossos pares e outras pessoas nestes ambientes”, diz ele.
A dimensão global do problema foi claramente ilustrada pelo plástico recolhido pelos voluntários durante o projeto Flipflopi. Moradores e ambientalistas da cidade de Shela, crianças em idade escolar, grupos de mulheres e funcionários da indústria do turismo ajudaram a coletar os resíduos das praias e outros locais ao redor da costa.
“Você olha para o rótulo de uma garrafa ou para um chinelo e está em tailandês. Peguei uma garrafa de dois litros de água da Malásia, ao norte de Lamu”, diz Morison. Testemunhar a proveniência do lixo plástico o tornou ainda mais determinado a perseguir seu sonho de construir um barco maior, mesmo que o preço estimado de 500 mil dólares seja um desafio assustador.
A equipe da Flipflopi é voluntária, com apenas os construtores de barcos sendo pagos. A equipe arrecadou cerca de 11 mil dólares em doações, mas gastaram mais. Morison espera que seu sucesso até agora lhes permita garantir patrocínio para, eventualmente, construir um barco maior.
O Flipflopi deve chegar a Zanzibar por volta de janeiro do próximo ano, dependendo dos ventos favoráveis. É quando Morison acredita que a verdadeira aventura começará.
“Estou entusiasmado por poder chegar a Zanzibar e espero espalhar essa idiea para a Tanzânia”, diz ele. “A realidade é que o que fizemos é muito simples. É apenas se atrever a sonhar. (…) Você só precisa ter uma ideia e ser criativo.”
Fonte: ONU