A extinção dos dinossauros deixou rastros em Pernambuco

(Bruno Vaiano/Superinteressante)

Há 66 milhões de anos, um meteoro com algo entre 10 e 15 quilômetros de diâmetro atingiu o local que o hoje corresponde à península de Yucatán – aquele “rabinho” virado para cima no sul do mapa do México. Nenhum outro evento catastrófico da história da Terra mexe mais com o imaginário popular: o pedregulho cósmico foi o último prego no caixão dos dinossauros, o grupo de répteis que dominou o planeta por mil vezes mais tempo que a existência do Homo sapiens.

Não foram só eles que saíram da vida pra entrar para a história. Algo entre 64% a 85% de todas as espécies existentes na época (inclua aí vegetais e fungos, e não só animais) foram extintas.

Ninguém, naturalmente, estava lá para filmar a cacetada homérica. Mas sabemos com razoável precisão o passo a passo da tragédia. Por exemplo: um bocado de irídio, um elemento obscuro da tabela periódica, se acumulou no solo de vários locais do planeta.

O irídio é raro na Terra – mas abundante em certos corpos extraterrestres. Sinal de que foi mesmo importado via meteoro, e que pancada foi forte o suficiente para espalhá-lo por outros continentes, muito além do epicentro no México.

O calor transformou areia em vidro; partículas transparentes choveram como granizo microscópio. Tsunamis monumentais – na costa nordestina, atingiram 20 metros de altura – arrastaram muitas e muitas toneladas de sedimentos para a terra firme, onde se misturaram a árvores, conchas, dentes de tubarão e uma gororoba de outros detritos. Conforme a água escoava, os sedimentos mais gordinhos iam parar no fundo, os de grãos mais finos ficavam em cima.

Todos esses resquícios ficaram ao relento. E, com o passar dos anos, foram soterrados e compactados por novas camadas de sedimento. A vida terrestre esqueceu o trauma e se recuperou. O que um dia esteve na superfície virou rocha.

E nesta rocha, temos uma espécie de foto do momento do impacto do asteroide. Ou seja: uma camada de rocha extremamente bem-delimitada, que, quando estudada, revela indícios do que era (e quem vivia) na Terra naquele exato momento.

Esse “retrato” geológico característico aparece no planeta todo – mais especificamente, em 350 lugares conhecidos. O conjunto é conhecido pelos geólogos como limite K-Pg (sigla para Cretáceo-Paleógeno, que são, respectivamente, o último período em que houve dinossauros e o primeiro sem eles).

O geólogo Gilberto Albertão logo após a inauguração do sítio, mostrando a jornalistas e cientistas a camada de rocha que corresponde ao momento do impacto do meteoro (limite K-Pg). (Bruno Vaiano/Superinteressante)

Independente de qual desses 350 pedaços você estudar – seja no Brasil, seja na Índia – um pedacinho de chão do limite K-Pg vai ter características constantes. Ele se chama “limite” porque representa uma fronteira de biodiversidade. Abaixo dele, estão os fósseis de dinos e os animais que dividiram o planeta com eles. Acima dessa camada, os fósseis só podem ter existido pós-extinção dinossáurica.

No Brasil, em 1993, o geólogo Gilberto Albertão – na época mestrando da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) – investigava a mina Poty, onde a Votorantim até hoje explora argila para produção de cimento. A mina fica localizada em Paulista, cidade próxima a Recife (PE).

Geólogos tem um apreço especial por minas, pois elas têm a conveniência de já estarem escavadas, revelando segredinhos enterrados que talvez nunca dessem as caras de outra forma. Lá, Albertão descobriu um dos “pedaços” do limite K-Pg, perfeitamente preservado. Era a primeira vez que um registro da queda do meteoro de Yucatán era encontrado no Brasil.

“Na década de 1990, eu e o Albertão começamos o trabalho de descobrir onde que poderia ocorrer isso no Brasil”, contou Paulo Martins, geólogo que orientou Albertão, durante a visita da SUPER à mina Poty. “Suspeitava-se que aqui haveria alguma facilidade – e, realmente, nesta mina, encontramos o material pronto”.

Mas porque a mina ganhou interesse tanto tempo depois? Foi questão de timingda ciência. Não tinha nada a ver com a mina: é que, até os anos 1980, o meteoro de Yucatán não era uma teoria muito favorecida pelos cientistas. Quase nenhum geólogo levava a sério a ideia de que a fronteira entre Cretáceo e Paleógeno fora palco de um fenômeno catastrófico repentino.

O jogo só virou para o meteoro quando o Prêmio Nobel de Física Luiz Alvarez descobriu a já explicada concentração anormal de irídio – que era, literalmente,uma coisa de outro mundo. E aí a relevância dos pedacinhos do limite K-Pg, “testemunhas oculares” do Yucatán, cresceu muito.

Visão de uma área inundada na mina Poty, da Votorantim. (Bruno Vaiano/Superinteressante)

O trecho que pertence ao Brasil, denominado oficialmente Geossítio K-Pg Mina Poty, passou anos sendo estudado por geólogos e paleontólogos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Fosséis extremamente valiosos já deram as caras por ali, como o Guarinisuchus munizi (crocodilo guerreiro), que viveu na costa do nordeste brasileiro há cerca de 62 milhões de anos e foi encontrado em 2008, e a tartaruga Inaechelys pernambucensis, de 2016.

Hoje, o geossístio é financiado e protegido pela Votorantim, e foi abertos para visitantes “especializados” na última quarta (7). Estudantes de graduação passarão a ter aulas práticas ali. Professores e pesquisadores que quiserem organizar excursões ao local poderão marcar uma visita pelo e-mail geossítio.poty@vcimento.com.

Fonte: Superinteressante