O que o Brasil perde ao fechar as portas para a reunião do clima COP25

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro: presidente eleito recomendou que a candidatura do Brasil fosse retirada. (Andre Coelho/Getty Images)

Uma mudança histórica está em curso no Brasil. O país que já serviu de palco para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, que mudou a forma como a humanidade encara sua relação com o planeta ao mostrar que é preciso conciliar desenvolvimento socioeconômico com preservação da natureza, e que vinte anos depois receberia de braços abertos a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (a Rio+20) para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas, agora dá sinais preocupantes de contradição.

Nesta semana, o governo brasileiro recuou de sua oferta de sediar a COP25, a conferência do clima da ONU de 2019, destinada a negociar a implementação do Acordo de Paris, o pacto global de combate às mudanças climáticas. Em nota, o Ministério de Relações Exteriores explicou que a decisão foi tomada tendo em vista as restrições fiscais e orçamentárias e o processo de transição de governo.

Na noite de quarta-feira (28), o próprio presidente eleito Jair Bolsonaro disse que recomendou que a candidatura do Brasil fosse retirada. Além de alegar restrições orçamentárias, manifestou o desejo de evitar controvérsia entre o seu governo e setores ambientalistas e rurais sobre a criação de um corredor de proteção ecológico internacional na Amazônia, fato que, segundo ele, levaria à perda de soberania sobre a região.

“Houve participação minha nessa decisão. Eu recomendei para que se evitasse a realização desse evento aqui no Brasil”, declarou. “Está em jogo o triplo A, uma grande faixa que pega os Andes, Amazônia e Atlântico, com 136 milhões de hectares, ao longo da calha dos rios Solimões e Amazonas. Essa faixa de proteção poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área”, complementou.

Bolsonaro declarou ainda que estuda a possibilidade de retirar o País do Acordo de Paris, seguindo os passos do governo americano de Donald Trump. Firmado em 2015, o acordo reúne quase 200 países que se comprometem a empreender esforços para limitar o aumento da temperatura global a no máximo 2°C até o final do século e, preferencialmente a 1,5°C, a fim de evitar alguns dos piores impactos de um planeta aquecido, como ondas de calor recordes, secas severas, enchentes diluvianas, declínio de glaciares, tempestades e furacões arrasadores.

Não há surpresas na posição do novo governo. Temas como aquecimento global, biomas, Amazônia e poluição não tiveram espaço na campanha de candidatura à presidência de Bolsonaro. Mas, sem dúvida, trata-se de uma nova postura que se se impõe de forma abrupta dois meses após o Itamaraty divulgar a candidatura do país para receber o evento mundial.

Em nota emitida em outubro, o órgão havia afirmado que a realização da conferência no Brasil “confirma o papel de liderança mundial do país em temas de desenvolvimento sustentável” e “reflete o consenso da sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de ações que contribuam no combate à mudança do clima”. Em questão de semanas, tudo mudou e o Brasil resolveu fechar as portas para a COP25, manchando todo um passado de atuação comprometida com as questões ambientais.

Reviravolta indigesta e retaliações

Grupos ambientalistas criticaram a reviravolta. Em nota, o Observatório do Clima afirmou que o País vai, assim, “abdicando seu papel no mundo numa das poucas áreas onde, mais do que relevante, o país é necessário: o combate às mudanças do clima”. Disse ainda que com a recusa em sediar a reunião do clima da ONU em 2019, o Brasil abandona a liderança nessa área e com ela, abre mão também de oportunidades de negócios, investimentos e geração de empregos.

Esta semana autoridades da cidade de Foz do Iguaçu e o governador eleito do Paraná, Ratinho Junior, enviaram para Brasília um ofício em defesa da realização da próxima COP25 no Paraná. Segundo o documento, o evento poderia movimentar R$ 400 milhões e a circulação de cerca de 35 mil pessoas.

A recusa brasileira para sediar a COP25 e a ameaça do governo eleito de retirar o Brasil do acordo mundial de combate às mudanças climáticas já corroem a construção de acordos comerciais internacionais. Durante a reunião das maiores economias do mundo, o G20, que ocorre em Buenos Aires, o presidente francês, Emmanuel Macron, condicionou o avanço das negociações de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul à posição do governo brasileiro sobre o Acordo Climático de Paris, posicionamento apoiado por outras nações europeias.

Em nota de repúdio à decisão brasileira, a organização ambientalista WWF disse que a participação do Brasil é vital para atingir as metas mundiais de redução de emissões, uma vez que nosso país é atualmente o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa e a Amazônia tem um papel fundamental na regulação do clima mundial.

“Neste momento de transição de governo, a decisão diverge do posicionamento anterior anunciado antes das eleições, demonstrando forte influência da equipe de transição. O Embaixador brasileiro no próximo governo, Ernesto Araújo, demonstrou ceticismo às mudanças climáticas e fez duras críticas ao processo internacional de negociação”, afirmou a ONG.

O novo ministro de Relações Exteriores não esconde seu negacionismo em relação ao tema, apesar do último relatório do clima publicado pelas Nações Unidas, com base em mais de 6.000 estudos, afirmar que as mudanças climáticas são reais, representam um dos maiores desafios da humanidade e que o tempo para agir está se esgotando.

Em comunicado, a ONG Greenpeace lembra que o passado diplomático do país em defesa do meio ambiente e a importância do Brasil na luta para conter as mudanças climáticas foram decisivas para a COP 25 ser confirmada em solo brasileiro.

“Voltar atrás na decisão de sediar a COP não é apenas uma perda de oportunidade de afirmar o Brasil como uma importante liderança na questão do clima. O gesto é uma clara demonstração da visão de política ambiental defendida pelo novo presidente, que revela ao mundo o que já havia dito aos brasileiros durante a campanha eleitoral; em seu governo, o meio ambiente não é bem-vindo“, afirma Fabiana Alves, especialista da campanha de Clima do Greenpeace Brasil.

Para a ONG 350.org, neste momento, o Brasil diz “sim” ao aquecimento global e perde seu papel de protagonista na agenda ambiental. “Cabe a nós aguardar os próximos passos e torcer para que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que envolvem a redução das emissões, continuem sendo cumpridas”, afirma em nota.

No Acordo de Paris, o Brasil se compromete a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, com base das taxas de 2005, e, para alcançar isso, aumentaria a participação de fontes renováveis na matriz energética nacional e promoveria a restauração de 12 milhões de hectares de florestas, além de zerar o desmatamento até 2030 na Amazônia. Agora, é esperar para ver.

O desmatamento da floresta amazônica atingiu seu maior nível em uma década neste ano, impulsionado pela exploração ilegal de madeira e pelo avanço do agronegócio sobre a floresta. Fator-chave por trás do aquecimento global, a perda de floresta responde por cerca de 15 por cento das emissões anuais de gases efeito estufa, patamar similar ao do setor de transporte.

Se, por um lado, políticas adotadas recentemente, como a redução de áreas protegidas, incentivaram a perda de floresta, por outro, cresce o temor de que a situação piore sob o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, um crítico declarado do Ibama, que não reconhece os direitos dos povos indígenas a ponto de compará-los a animais em zoológicos e que tem no setor agrícola um de seus principais apoiadores. Fechar as portas para a COP25 é apenas o prenúncio de que mudanças radicais estão por vir.

Fonte: Exame