Além de danos à natureza, décadas de descaso com a Baía de Guanabara causam impactos na saúde, transporte e turismo do Estado do RJ, gerando prejuízo financeiro, alerta a ONG Baía Viva.
Em janeiro, o G1 já tinha mostrado que o abandono da Baía pelo estado gerou ainda problemas na segurança pública do Rio – já que a região virou uma das rotas da entrada de fuzis para a Região Metropolitana.
Agora, cálculos da Baía Viva indicam que o Estado chega a perder, por ano, R$ 50 bilhões por não cuidar com responsabilidade do meio ambiente da região.
O número, segundo a ONG, foi calculado com base em estudos de universidades, da Fiocruz e do Clube de Engenharia.
“A Baía de Guanabara é um cemitério de obras abandonadas”, destacou Sérgio Ricardo, um dos fundadores da ONG, se referindo às intervenções iniciadas nos últimos anos – e não finalizadas – que planejavam minimizar os efeitos do despejo de esgoto.
A conta leva em consideração:
- O dinheiro que entraria com o turismo na área;
- Os gastos da sobrecarga no sistema de saúde, que precisa tratar doenças causadas pela exposição às águas sujas e pela falta de saneamento adequado;
- A falta de mobilidade urbana da produção e dos trabalhadores;
- O excesso de queima de combustíveis;
- As doenças da poluição do ar.
“O Rio de Janeiro é um lugar privilegiado, que tem duas baías em seu território e um complexo lagunar. Isso deveria ser o motor da economia do Rio, essa vocação para o ecoturismo”, destacou Sérgio Ricardo.
“Há uma perda econômica de R$ 50 bilhões por ano, sendo R$ 30 bilhões por causa da poluição da Baía de Guanabara e outros R$ 20 bilhões por causa da imobilidade urbana, que são esses engarrafamentos quilométricos da Região Metropolitana”, emenda o ambientalista, que defende a ampliação do transporte aquaviário para evitar engarrafamentos.
A região enfrenta ainda os danos causados pelo roubo de combustível. No dia 8, uma tentativa de furto provocou o vazamento de 60 mil litros de óleo no Rio Estrela, que deságua na Baía de Guanabara. O manguezal da área foi atingido na época de reprodução dos caranguejos. Na tarde do dia 11, técnicos da Transpetro e da Petrobras que trabalhavam na contenção da mancha foram ameaçados por homens armados.
O dado da ONG Baía Viva foi apresentado ao governo do Estado do Rio de Janeiro, que recomendou que o G1 encaminhasse a demanda para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a Cedae. Nenhum dos dois órgãos comentou espeficicamente os números.
Da Baía para a Zona Oeste
Não é só a Baía de Guanabara que pede socorro. O sistema de lagoas de Jacarepaguá também sofre com a degradação.
O registro dos maus-tratos em ambos os ambientes foi feito pelo Projeto Olho Verde, comandado pelo biólogo Mário Moscatelli, que há mais de 20 anos faz sobrevoos que testemunham os danos ambientais acelerados em toda a Região Metropolitana.
As fotos que ilustram esta reportagem pertencem ao projeto. Algumas delas fazem parte de dossiê entregue por ele ao governo de transição. Moscatelli também planeja entregar o documento para o novo governo federal.
Moscatelli, que alerta para os riscos da poluição desde o começo da década de 90, concorda que a poluição é fruto do crescimento desordenado e que afeta de maneira prejudicial o crescimento econômico.
Cianobactérias
O sistema lagunar de Jacarepaguá recebe esgoto sem tratamento e despejo irregular de lixo da população de boa parte da Zona Oeste, criando um cenário em que a água tem um cheiro forte causado pelos dejetos e se torna um cemitério de objetos.
Durante as duas horas que a equipe do G1 passou navegando com Moscatelli, foram vistos oito sofás, uma cama, uma caixa d’água, vasos sanitários e uma infinidade de pneus e diversos objetos descartados nas águas. O biólogo alertou que a situação costuma ser pior quando a maré está mais baixa.
“Você vê a densidade das bactérias hoje no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá, que já deixou de ser um problema de natureza ambiental e passou a ser um problema de saúde pública”, afirma Moscatelli.
“Toda essa porcaria escoa para a Praia da Barra, e aí também deixa de ser um problema de saúde pública para também ser um problema de natureza econômica, porque o principal ativo ambiental e econômico dessa cidade se chama praia, e nem ela está sendo bem-tratada pelas autoridades”, emendou.
Segundo ele, a cor verde viva das águas é indicativo de cianobactérias. O contato com esses micro-organismos pode ser extremamente prejudicial à saúde. “Dependendo da espécie, elas produzem toxinas. Algumas atacam o sistema nervoso, outras, o aparelho digestivo. Essa cianobactéria, a Microcystis aeruginosa, pode causar câncer de fígado”, alertou Moscatelli.
Com o crescimento desordenado, os habitantes mais antigos, os animais, fazem o que podem para garantir comida e espaço, muitas vezes se perdendo em meio aos homens. No último dia 26 de novembro, um jacaré quase foi atropelado na Avenida Ayrton Senna, uma das mais movimentadas da Barra da Tijuca, durante um temporal. Após algumas horas ele foi resgatado pelos bombeiros.
No dia 13 de novembro, outro réptil foi visto no trecho do Joá da Ciclovia Tim Maia, a pelo menos um quilômetro do complexo lagunar. O bicho também foi transferido.
Com o aumento do desequilíbrio, a tendência é que as espécies que consigam sobreviver ao ecossistema degradado acabem invadindo o local onde vivem os homens.
Pesca
A economia de quem historicamente vive das águas também é prejudicada. Os pescadores da Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador, local tradicional de pesca de camarão na Baía de Guanabara, sofrem com a degradação há anos. O ambiente piorou consideravelmente a partir de janeiro de 2018, com um vazamento significativo de óleo nas águas.
Edimilson Marques, pescador há 43 anos, segue a mesma carreira do pai e tenta deslizar seu barco pelas águas em busca de peixes. Porém, ele está convencido de que a carreira não terá prosseguimento com os filhos.
“A gente pesca porque já estamos calejados, não temos outro meio de vida. Mas viver da pesca é difícil”, diz Edimilson.
Segundo ele, quem insiste na função ganha pouco e vê as espécies que tirava do mar no começo da carreira desaparecerem por causa da sujeira. “Pescada-amarela, bagre-amarelo, robalo… vários tipos de peixe. A corvina não. A corvinota é um peixe corriqueiro, que aparece bem aí. Mas esses peixes sumiram todos”.
Ele destaca que o assoreamento e a montanha de lixo atrapalham o trabalho. “Isso aqui está tudo assoreado, com saco plástico. Se você for ali na Linha Vermelha com a maré baixa, em determinado tanto, você vai ver a quantidade de plástico que tem”.
Meta não cumprida
A despoluição de 80% das águas da Baía de Guanabara era uma meta do Estado do Rio de Janeiro para a Olimpíada de 2016. Um ano antes da realização das competições, os programas que tentaram limpar as águas já tinham consumido R$ 10 bilhões em 20 anos. O então secretário de Meio Ambiente do RJ, André Corrêa, classificou a meta proposta para os Jogos como “muito ousada”, ao confirmar que ela não seria alcançada a tempo.
De acordo com a Cedae, nos últimos anos foi investido R$ 1,8 bilhão em esgotamento sanitário da Baía de Guanabara.
Diante de críticas internacionais sobre a qualidade do local para a realização das competições do local, inclusive da própria Federação Internacional de Vela, o secretário chegou a mergulhar nas águas da Baía.
André Corrêa foi um dos presos no dia 8 de novembro, na operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato, onde a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão contra dez deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A despoluição das lagoas de Jacarepaguá também era um projeto para a Olimpíada do Rio e foi abortada. Primeiro, foi barrada por denúncias de cartel das empresas contratadas para fazer a drenagem das águas. Depois, o Ministério Público exigiu mais estudos sobre o impacto ambiental. Quando todas as requisições foram preenchidas, o Estado do Rio de Janeiro ficou sem dinheiro por causa da crise financeira.
Os números apresentados pela Cedae afirmam que foram investidos R$ 1,53 bilhão em esgotamento sanitário na Bacia da Barra da Tijuca e R$ 90 milhões por meio de termos de cooperações técnicas.
A companhia afirma ainda que solicitou ao Ministério das Cidades um aporte de R$ 590 milhões para a execução de projetos que preveem a execução de 1,54 km de troncos e redes coletoras e seis elevatórias com 9 km de redes de recalque.
“Quanto às comunidades do entorno, de acordo com o termo de reconhecimento recíproco entre a Cedae e a Prefeitura do Rio de Janeiro, os serviços de coleta, transporte e tratamento de esgoto das áreas faveladas não são de concessão da Cedae, sendo portanto de responsabilidade da prefeitura; entretanto, a Cedae apresentou recentemente, a título de colaboração, soluções que possam mitigar os problemas em relação às comunidades. No momento, aguarda-se o pronunciamento da Prefeitura do Rio de Janeiro a respeito dos projetos”, destacou a nota da Cedae.
Fonte: G1