Na costa de Okinawa, a milhares de metros abaixo de um trecho de terra entre as ilhas Ryuku, no sul do Japão, estão resquícios de uma cadeia de fontes hidrotermais extintas, espalhadas pelo fundo do oceano.
Os minerais encontrados ali vêm atraindo atenções de todo o mundo devido ao crescente interesse pela mineração em águas profundas.
Acredita-se que apenas um desses depósitos contenha zinco suficiente para suprir a demanda do Japão por um ano. Para um país que importa a grande maioria de seus recursos minerais, os depósitos de sulfetos no fundo do mar são vistos como uma fonte doméstica potencial. Mas há um preço alto: realizar mineração nesses locais, até então intocados pelos humanos, poderia representar um grande risco ambiental.
Esses depósitos ricos em minerais – conhecidos como sulfetos maciços no fundo do mar – marcam o ponto em que a água escaldante surgia de fissuras semelhantes a chaminés na crosta no leito oceânico, perto das divisões entre as placas tectônicas. Elas se formam quando a água fria do mar penetra através de rachaduras na crosta, aquecendo e liberando minerais das rochas à medida em que passa. Esse aquecimento faz com que a água retorne à superfície devido ao aumento de pressão, normalmente de forma “explosiva”.
Descobertas apenas em 1977, essas fontes hidrotermais abrigam formas de vida extraordinariamente diversas enquanto estão ativas. Os vermes tubulares com mais de dois metros de altura, com pontas vermelhas vívidas, caranguejos e peixes brancos mortais, e incontáveis espécies de microorganismos são adaptados às condições quentes e escuras de vida nesses locais.
Mas essas rachaduras não duram para sempre. Ao longo de milhares de anos, as forças tectônicas empurram essas fendas para longe dos limites das placas. Assim, acabam se tornando menos e menos ativas.
Perto desses locais dormentes, os depósitos minerais – incluindo cobre, zinco, chumbo, ouro e prata – permanecem no fundo do mar. Um único depósito pode conter milhões de toneladas de minério metálico.
Para o Japão, esses grandes depósitos são vistos como um recurso potencial para suprir a demanda do país por metais básicos. O governo japonês iniciou um projeto de pesquisa para buscar esses depósitos em 2013. Mas, apesar de seu grande tamanho, encontrá-los pode ser difícil.
“Não temos ferramentas de exploração suficientes para detectar onde estão esses depósitos”, explica por e-mail à BBC Future Paul Lusty, da British Geological Survey.
“À medida que envelhecem, também é provável que sejam alterados e cobertos por sedimentos. Assim, ficam enterrados no fundo do mar, passando desapercebidos”, acrescenta.
As condições no fundo do mar também representam um desafio à parte. A exploração pode ocorrer em profundidades de até 3 mil metros e as correntes no fundo do oceano podem ser irregulares.
Assim como o desafio de descobrir onde estão os depósitos, desvendar o quão grande eles são é crucial. Eles podem se estender por dezenas a centenas de metros. Determinar seu tamanho ajuda a entender sua capacidade em termos de recursos minerais.
Ondas acústicas
Os pesquisadores estão desenvolvendo novas técnicas para responder a essas perguntas. Algumas das mais promissoras envolvem métodos acústicos, diz Eiichi Asakawa, gerente-geral do departamento de pesquisa e desenvolvimento da JGI, uma empresa de levantamento geofísico sediada em Tóquio. Essas técnicas consistem na geração de ondas acústicas, que se propagam debaixo d’água até o fundo do mar. Na superfície dura do depósito mineral, as ondas são parcialmente refletidas.
“Detectamos as ondas refletidas muito detalhadas e muito fracas pelo hidrofone. Analisamos os dados de reflexão para obter as imagens do subsolo”, diz Asakawa. “Nosso sistema é muito novo. É talvez o único desse tipo no mundo.”
A JGI usou esses métodos para trabalhar com a Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia da Terra Marinha em um projeto de tecnologia de última geração para exploração de recursos oceânicos desde 2014.
Outros pesquisadores vêm usando principalmente métodos eletromagnéticos para identificar depósitos minerais. A Corporação Nacional de Petróleo, Gás e Metais do Japão usou essas técnicas para encontrar seis grandes depósitos onde a mineração seria vantajosa. Em 2017, um desses depósitos foi escavado em um teste piloto, permitindo a extração de grandes quantidades de minério de até 1,6 mil metros do fundo do mar para a superfície pela primeira vez. O próximo passo seria ver se isso poderia funcionar em escala comercial.
Mas esse tipo de atividade traz riscos ambientais substanciais. Um dos principais problemas é o baixo nível de conhecimento do meio ambiente e dos ecossistemas que temos no fundo do mar, diz Conn Nugent , diretor do projeto de mineração do leito marinho no Pew Trust. Apesar de décadas de pesquisa, a maior parte do fundo do oceano ainda não foi mapeada. Além disso, pouco se sabe sobre os ecossistemas presentes ali.
“A maioria dos locais que poderia ser alvo de mineração em águas profundas ainda não é inteiramente conhecida”, diz Nugent. “Então, ainda somos muito ignorantes sobre esse assunto”.
Sem um conhecimento básico substancial da vida nessas antigas fendas, entender as consequências ambientais da mineração de depósitos de sulfetos maciços no fundo do mar torna-se quase impossível. Mesmo que minerar fendas extintas não atrapalhe os ecossistemas nas proximidades das ativas, os próprios locais de mineração poderiam abrigar formas de vida únicas.
“Depósitos extintos ainda serão habitados por seus próprios ecossistemas, que poderiam ser potencialmente desequilibrados”, diz Lusty. “Há uma ausência substancial de estudos de base adequados sobre organismos e comunidades, e incerteza sobre os métodos de mineração que serão empregados bem como sobre a magnitude e a duração de seus impactos nos ecossistemas das profundezas do oceano.”
Para projetos de prospecção em águas internacionais, a Autoridade Internacional do Leito Marinho está elaborando regulamentos ambientais sobre a mineração em águas profundas. A Nugent vem assessorando a entidade sobre essas regulações. Dada a falta de conhecimento desses locais de mineração em potencial, a melhor abordagem é a precaução, diz Lusty.
“A resposta necessária para essa ignorância é isolar quantidades significativas – e queremos dizer 30-50% – da área total do contrato como zonas sem mineração”, diz Nugent.
Plumas tóxicas
Quando as diretrizes do ISA eventualmente entrarem em vigor, regulamentações como essas vão poder ser aplicadas em águas internacionais, que formam a maior parte do oceano. Mas além do alto-mar, dentro das zonas econômicas exclusivas dos oceanos que cercam os países costeiros, as nações operariam por suas próprias regras.
O potencial impacto da mineração em águas profundas é amplo, criando plumas de sedimentos que se estendem por centenas de quilômetros . As plumas são criadas pela desestabilização do fundo do mar, e acredita-se que estejam entre os maiores danos da mineração de águas profundas. As plumas podem conter materiais tóxicos, ou podem simplesmente sufocar a vida do que cobrem. A natureza turbulenta das correntes do fundo do mar torna difícil prever como as plumas vão se espalhar.
Além das plumas, se a atividade de mineração continuar 24 horas por dia, haveria outras formas de perturbar a vida selvagem.
“Sabemos que até mesmo a presença de barcos na superfície criará luz [noturna] para as aves e aumentará potencialmente o ruído de navegação, o que é um problema para alguns mamíferos marinhos e peixes”, diz Kirsten Thompson, ecologista da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que estudou os impactos potenciais da mineração em águas profundas.
“Há uma série de coisas que podemos prever que podem estar associadas a esses tipos de atividades de mineração, mas não sabemos realmente em que escala. Essa é a questão”.
No entanto, os impactos ambientais no fundo do mar podem ser compensados por um benefício muito importante, diz Lusty. Eles poderiam ser uma fonte de metais mais eficiente em termos de carbono do que aqueles encontrados em terra. A qualidade dos minérios de cobre das minas terrestres, por exemplo, caiu 25% em 10 anos. Um minério de menor qualidade – essencialmente com menos cobre por quilograma de minério – significa que é preciso mais energia e mais emissões de carbono para extrai-lo.
“Esses depósitos [do fundo do mar] são, às vezes, muito mais ricos em metais do que os depósitos comparáveis que estamos explorando atualmente em terra”, diz Lusty. “Portanto, menos minério deve ser necessário para produzir a mesma quantidade de metais – e menos mineração, trituração e moagem significam menor consumo de energia.”
Metais como o cobre estão em alta demanda, principalmente para a construção da infra-estrutura de energia renovável, como energia solar e eólica. Algumas das maiores minas terrestres de cobre estão produzindo minério com cerca de 0,7% de cobre, enquanto sulfetos maciços no fundo do mar tem um nível de concentração muito maior.
“Extrair recursos de metais oceânicos pode interferir no meio ambiente, mas esses metais parecem vitais para muitas tecnologias que são essenciais para atingir os Objetivos Globais de Desenvolvimento Sustentável [UN] para acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir prosperidade para todos”, diz Lusty.
Encontrar um caminho entre o fornecimento de matérias-primas para tecnologias de energia renovável e a proteção de águas profundas é “um equilíbrio difícil de alcançar”, diz Thompson. “Sabemos que precisamos ter um futuro descarbonizado, mas também sabemos que não podemos sustentar o uso desses recursos no ritmo atual.”
Mas um foco na reciclagem de minerais e materiais que já temos em circulação pode ser a solução, argumenta Thompson.
“Podemos fazer isso de uma forma mais sustentável, procurando aumentar nossas taxas de reciclagem e realmente pressionando pelo desenvolvimento de novos tipos de tecnologia que não necessitem tanto desses recursos”, diz ela.
Fonte: BBC