A mais ou menos 40 km da costa de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, encontra-se uma joia da biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Trata-se do arquipélago de Alcatrazes, que esteve por mais de trinta anos fechado para o turismo. Reconhecido como Refúgio de Vida Silvestre em 2016, o lugar finalmente abriu as portas ao público no fim do ano passado – uma conquista emocionante para os envolvidos nessa operação.
Além de abrir a reserva para visitação, a inauguração trouxe outra novidade. Desde o primeiro dia, as operações de turismo em Alcatrazes estão proibidas de fazer uso de plásticos descartáveis. O anúncio veio pouco tempo depois que o administrador geral do distrito estadual de Fernando de Noronha decretou a proibição da entrada, da vendo e do uso de plásticos descartáveis – incluindo copos, talheres e sacolas.
Assim, dois dos ambientes marinhos mais ricos em biodiversidade da costa brasileira são livres de plástico descartável. Essa é uma vitória que revela um aumento na conscientização da sociedade sobre o impacto do material plástico descartado.
As embarcações em Alcatrazes estão proibidas de usar descartáveis, principalmente plástico, e estão sujeitas a fiscalização e multa. Já temos conhecimento suficiente para entender o grande impacto tanto para as espécies marinhas quanto para a rica diversidade de aves do refúgio.
Tensão pré-inauguração
Acompanhei a abertura do refúgio em um mergulho inaugural ao lado do fotógrafo Luciano Candisani, em dezembro de 2018, e logo na saída do canal de São Sebastião, ao cruzar a Ponta da Sela – no extremo sul da Ilhabela –, um grupo de cerca de 100 golfinhos-pintados acompanhou nossa embarcação, um prenúncio da biodiversidade que nos aguardava 20 milhas náuticas à frente. Cinquenta mergulhadores cadastrados para participar do evento compartilhavam dessa expectativa, além de pesquisadores, ONGs, autoridades locais e instituições que estavam presentes para acompanhar o dia histórico.
Antigo local de prática de tiro da Marinha do Brasil (desde os anos 1980 até 2013), em 2010 começaram as discussões sobre o modelo de Unidade de Conservação e que tipo de atividades seriam permitidas em Alcatrazes. A iniciativa foi comandada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação para a Biodiversidade (ICMBio), que levou um ano e meio para planejar e elaborar regras que aliem conservação, pesquisa e ecoturismo, sem que uma atividade sobreponha a outra.
Esse processo incluiu o cadastro das operadoras de mergulho e capacitação e treinamento de pessoal para atuar no delicado ecossistema. Todas as embarcações credenciadas também passam por fiscalização tanto nos portos quanto durante as atividades de ecoturismo no entorno do arquipélago.
“Encaramos isso com um avanço nas questões de segurança no país. Essas embarcações passaram tanto pela vistoria da Marinha quanto pela vistoria nossa para que as normas de segurança e de adequações ambientais sejam cumpridas”, disse Kelen Leite, chefe do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio Alcatrazes.
Para desenvolver modelos de segurança para todas as operações em Alcatrazes – mergulho recreativo e visita embarcada com mergulho de flutuação –, foram usadas como referência as atividades do Parques Nacionais Marinhos de Fernando de Noronha e de Abrolhos, no litoral da Bahia, além de Galápagos, no Equador.
“Buscamos atividades já existentes em ambientes parecidos com o de Alcatrazes”, acrescenta Kelen Leite.
Mares intocados
Apesar de ter sido aberta ao turismo apenas agora, o arquipélago é uma das áreas mais protegidas do litoral brasileiro e referência para pesquisa e mergulho científico há décadas. Os 70 mil hectares de área de conservação marinha abrigam uma riqueza que ficou protegida por muitos anos. São mais de 1,3 mil espécies, o maior ninhal de fragatas do Atlântico Sul e uma variedade impressionante de peixes – um roteiro perfeito que agora estará aberto para mergulho e observações de fauna embarcados. Dezesseis empresas já estão cadastradas para operar na reserva.
O santista Cauê Abreu, que trabalha como instrutor de mergulho, estava feliz por finalmente conhecer o lugar que antes ele só avistava de longe. Ele também comemorou o impacto positivo da atividade turística no local. “É interessante começar a desenvolver o turismo já desde o início com essa ideia de preservar, de tomar conta”, disse ele. “É uma Unidade de Conservação do País. Temos que ter a consciência do que é público, também é nosso, então vamos cuidar.”
Outro instrutor de mergulho, José Gustavo Torres, estava empolgado por conhecer pela primeira vez um ambiente subaquático tão rico: “criou-se uma curiosidade, um mito muito grande, por ter ficado tanto tempo sem poder vir oficialmente. Há essa expectativa de conhecer como estaria o ambiente subaquático depois de tantos anos fechado. O que a natureza teria conseguido preservar”.
Pesquisas e parcerias
Outra particularidade no Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes está na participação da sociedade civil e do setor privado por meio de um fundo criado pela Brazilian Luxury Travel Association e gerenciado pela Fundação SOS Mata Atlântica, replicando um modelo já usado em outra unidade marinha do País, Reserva Biológica Atol das Rocas, no litoral do Rio Grande do Norte.
“Somos parceiros do ICMBio há mais de 10 anos. Então temos um modelo que já deu certo no Atol das Rocas desde 2007 e replicamos essa experiência aqui em Alcatrazes. Já é o segundo ano de parceria”, diz Diego Igawa, biólogo da Fundação SOS Mata Atlântica.
O Revis de Alcatrazes pode ser visitado o ano todo, mas há períodos importantes e de grande potencial para avistagem de fauna, como as baleias. De junho a setembro, baleias e algumas espécies de aves estão no período migratório, chegam à costa de São Paulo e se concentram na região do arquipélago.
Para se ter uma ideia do potencial, apenas em 2017 o Baleia à Vista, um projeto de monitoramento de cetáceos no litoral paulista, fez 120 registros de baleias.
O impacto das novas atividades na região será acompanhado de perto tanto pela continuidade de pesquisas já em curso, quanto de novas iniciativas para medir o impacto da visitação. A Universidade Federal de São Paulo, por exemplo, avalia por meio de fotos o ambiente recifal e deve acompanhar as variações ao longo do tempo. Há também outras pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, como monitoramento acústico do ambiente e da qualidade da água.
Tudo pensado com muito cuidado para manter os pilares da joia da biodiversidade marinha do Atlântico Sul: conservação, turismo e pesquisa científica.
A novidade em águas brasileiras não poderia vir em melhor momento: a Organização das Nações Unidas declarou recentemente que o decênio de 2021 a 2030 será a Década Internacional da Oceanografia para o Desenvolvimento Sustentável, estimulando a cooperação internacional para promover a preservação dos oceanos.
E o litoral paulista terá muito a contribuir.
Confira a lista de empresas e condutores cadastrados para operar na reserva no site do ICMBio.
Fonte: National Geographic