Nos últimos anos, foram encontradas árvores excepcionalmente altas da espécie meranti-amarelo (Shorea faguetiana) em desenvolvimento, em 2014 e novamente em 2016 em Sabá, estado malaio na ilha de Bornéu. A altura recorde de uma árvore passou de 88 metros para 94,1 metros de altura no ano de 2016, quando um bosque inteiro de árvores da espécie meranti-amarelo com mais de 90 metros foi encontrado.
Esse recorde foi superado nas últimas semanas pela equipe liderada pelas Universidades de Nottingham e Oxford em um trabalho em parceria com a South East Asia Rainforest Research Partnership, que anunciou a descoberta de uma árvore gigante de 100,8 metros em desenvolvimento nas florestas de Sabá (o estudo científico sobre esse achado será publicado no bioRxiv e está em processo de revisão por uma revista científica).
Essa foi a primeira vez que uma árvore tropical de 100 metros de altura foi documentada em todo o mundo (e a mais alta angiosperma conhecida do planeta). Se posicionada horizontalmente no solo, a árvore ultrapassaria o tamanho de um campo de futebol. A equipe chamou a árvore de “Menara”, que significa torre, em malaio. Seu peso foi estimado em 81,5 toneladas, que está acima do peso máximo de decolagem de um Boeing 737-800, excluindo-se as raízes.
De acordo com a equipe, uma árvore ainda mais alta pode ser encontrada na região.
Essas gigantes da floresta tropical foram encontradas em desenvolvimento na Área de Conservação do Vale de Danum, no centro de um dos trechos mais bem protegidos e minimamente alterados da floresta de planície ainda remanescente no Sudeste Asiático. Danum é uma área de proteção de orangotangos, leopardos-nebulosos e elefantes-da-floresta, icônicos animais que estão ameaçados de extinção. Danum também se tornou um refúgio para as árvores tropicais mais altas do mundo.
As árvores que bateram os recordes são, até o momento, todas da mesma espécie, meranti-amarelo, que está em grande risco de extinção e consta na lista vermelha da IUCN, sendo incansavelmente explorada há décadas. A mata primária de Sabá está protegida, mas o corte da meranti-amarelo ainda acontece em outras partes de Bornéu. A árvore é normalmente utilizada na confecção de moldes para despejo de concreto e como madeira compensada barata. Essas incríveis árvores, cada qual com seu minicentro de biodiversidade que abriga mais de mil insetos, fungos e outras espécies de plantas, podem ser reduzidas a tábuas em uma serraria em apenas alguns minutos.
Essas árvores excepcionalmente altas foram visualizadas por meio de uma varredura a laser na floresta, realizada a partir de um avião em 2018. Imagens tridimensionais da cobertura florestal são montadas e as gigantes árvores lentamente aparecem na imagem. Contudo, quando a varredura a laser revela uma árvore excepcionalmente alta, a confirmação de sua altura real é obtida por meios nada tecnológicos; para medi-la é preciso que uma pessoa escale a árvore levando uma fita métrica.
O trabalho de escalar as árvores mais altas dos trópicos com uma fita métrica ficou por conta de Unding Jami, arborista e assistente de pesquisa da South East Asia Rainforest Research Partnership. Escalar árvores é uma atividade arriscada e difícil, além de exigir um estado mental tranquilo e alto nível de condicionamento físico. A equipe do Vale de Danum aperfeiçoa suas habilidades trabalhando na mata primária diariamente e jogando badminton e futebol no tempo livre — em condições de altas temperaturas e humidade elevada.
Em 6 de janeiro de 2019, Unding Jami escalou aquela que eventualmente seria anunciada como a árvore mais alta dos trópicos e provavelmente a árvore mais alta viva do mundo. (As árvores mais altas conhecidas são as sequoias-vermelhas, que medem até 115,7 metros de altura.) Entrevistei Unding duas vezes. Na primeira vez, ele e sua equipe tinham acabado de receber a notícia da nova árvore candidata e estavam planejando a expedição para medir sua altura, e a segunda entrevista foi feita após a escalada bem-sucedida em janeiro.
Conte-me sobre a nova árvore gigante, avistada próximo ao Centro de Pesquisas do Vale de Danum.
Quando recebemos a informação sobre a nova árvore, fiquei nervoso com a escalada. O local é bastante íngreme, chamado de Rhino Ridge (Cume do Rinoceronte). Há um vale próximo do local e uma cachoeira. Em linha reta, não é tão longe do centro de pesquisa, mas tivemos que usar novas rotas, que são difíceis de encontrar — é uma caminhada íngreme em um local íngreme. O avião mediu a nova árvore em 99 metros e eu medi 115 metros desde a base com uma visão a laser quando fui a pé. Então, antes de escalar a árvore, [achei] que o número seria algo entre as duas medidas.
A nova árvore é por si só mais elevada do que as copas das árvores mais altas, em um pequeno e íngreme vale. A equipe científica acredita que a sua altura recorde tenha relação com o vale, que propicia o solo úmido, e a uma colina próxima que oferece proteção contra o vento. Teorias atuais sobre o nível de estresse causado pelo vento que as árvores conseguem suportar e a distância que conseguem bombear água e nutrientes até o topo, sugerem à equipe que a Menara esteja próxima da altura máxima possível de uma angiosperma em qualquer lugar da Terra, até o momento.
Como foi a escalada?
Eu sabia que a sensação seria de grande exposição [na escalada], como se estivesse suspenso no ar. Os ventos eram bastante fortes e passei por um ninho de colugos (lêmures voadores)! Eles ficaram nos sobrevoando enquanto tentávamos jogar a corda na árvore.
Foram 15 tentativas até eu conseguir lançar a corda 86 metros acima, até os galhos mais baixos e mais próximos. Para ser sincero, eu quase desisti. Tivemos muita sorte em finalmente conseguir lançar a corda sobre o galho mais baixo.
Assim que a corda estava posicionada, demorei cerca de uma hora para escalar 86 metros. E depois mais duas horas desse ponto em diante para chegar ao topo e fazer a medição final. Nas duas últimas horas, o vento estava bastante forte, e havia chovido, o que acabou me deixando mais lento.
Como foi a sensação de chegar ao topo?
Fiquei com medo, mas, sinceramente, a visão do topo é incrível. Nem há como dizer isso de outra forma, foi muito, muito, muito maravilhoso! Naquela noite após a medição, não consegui dormir.
Como você escala uma árvore de 100 metros?
Nós utilizamos um sistema chamado caminhada em corda. Uma corda é lançada sobre um galho baixo e amarrada a uma árvore próxima, que serve de âncora. Em seguida, utilizamos um cinturão e um ascensor direcional para subir pela corda, passo a passo, como se estivéssemos subindo uma escada. A fita métrica é enganchada no cinturão. Em seguida, escalamos e verificamos a medida ao chegar no topo, tentando não derrubar a fita! Não é fácil. A 80 metros você está sozinho na copa da árvore. Não é possível ouvir [ninguém] que está no chão. Então, nos comunicávamos por mensagens de texto.
Qual é o grau de dificuldade?
Não é um trabalho fácil. Eu escalo devagar, verificando o tronco a cada metro para ver se há centopeias, cobras e outros bichos. Pode ser um problema encontrar ninhos de pássaros, abelhas ou vespas. Se eu visualizar algum deles a partir do solo, escalamos durante a noite quando estão menos ativos e menos propensos a atacar. É um pouco menos assustador escalar à noite, pois não dá para ver nada!
Se durante a escalada você ficar inconsciente, o cinturão na região do peito impede que você assuma uma posição segura — que é ficar com a cabeça abaixo do peito. Um alpinista inconsciente nessa posição tem apenas três minutos em média para sobreviver e isso significa que a equipe em solo deve descer rapidamente essa pessoa utilizando uma corda extra de emergência.
Ouvi dizer que você já teve problemas com abelhas durante uma escalada?
(Risos) Sim, pode-se dizer que sim. Eu estava escalando uma Dipterocarpaceae, esse tipo de árvore atrai de tudo, abelhas, vespas e todos os tipos de insetos. Quando estava na metade, avistei uma colônia de abelhas voando por ali.
Eu sabia que precisava descer imediatamente. As abelhas da floresta tropical podem ser agressivas e se tornar perigosas, se uma delas te picar, toda a colônia sente, se aglomera e ataca.
O problema era que eu precisava mudar o meu equipamento de subida, em meu cinturão, para o equipamento de descida e poder fazer o rapel rapidamente para descer da árvore. Eu estava tentando fazer essa mudança quando avistei três abelhas voando muito perto do meu rosto. Duas passaram por mim e pensei, está tudo bem, mas depois uma terceira pousou no meu capacete e, claro, me picou porque ficou presa.
Assim começou a aglomeração. Eu me lembro de pensar que precisava cobrir o meu rosto, puxei a minha camiseta sobre a minha cabeça, fechei os olhos e comecei a mudar o meu equipamento de descida por meio do tato. Mas elas não paravam de me picar. A minha equipe no solo viu o que estava acontecendo porque eu estava com uma camiseta vermelha, que ficou preta de tantas abelhas que me cobriam. Eu estava realmente preocupado porque precisava descer rápido para me livrar delas, mas eu não conseguia visualizar o meu equipamento. Fiquei de olhos fechados, senti com as mãos e pensei, está tudo certo. Soltei e fui.
Depois, parei de repente após ter descido alguns metros. Eu esqueci que estava com um cordão de segurança encaixado em mim, que impediria a minha queda caso algo desse errado. Isso foi terrível porque com o cordão de segurança amarrado em mim, se eu ficasse inconsciente com as picadas, a minha equipe de solo não conseguiria me descer. E nesse momento eu já estava com várias picadas.
Alguns alpinistas não gostam de levar uma faca consigo, mas o meu instrutor sempre me aconselhou a levar uma. Eu lembrei que tinha uma comigo e simplesmente cortei o cordão e fiz o rapel, o mais rápido possível, de volta para o chão da floresta.
Eu havia sido picado 200 vezes quando cheguei ao solo. Eu me lembro de pensar que precisava ficar consciente tempo suficiente para que eu e minha equipe pudéssemos fugir da colônia, porque todas as abelhas desceram comigo. Eu ainda fiquei consciente por alguns minutos ao chegar no solo, mas logo as picadas começaram a fazer efeito. Fiquei inconsciente por mais ou menos 40 minutos. Acordei e vi que a minha equipe estava muito triste, pois eles não sabiam se eu estava vivo. Eles me colocaram de lado e tiveram de correr e tentar espantar as abelhas.
Como você começou a trabalhar com isso?
A minha família é muito pobre e é dessa região. Eu nasci em um campo de madeireiros em Sabá e o meu falecido pai trabalhava como madeireiro. Eu cresci vendo muitas pessoas caçando na floresta, cortando árvores e imaginava que talvez um dia pudesse trabalhar para impedir [as pessoas] de destruir a floresta. Os meus pais não tinham condições financeiras para pagar os estudos para mim e meus três irmãos, então, fiquei na escola apenas por dois anos; parei de estudar aos 9 anos. Aos 13 anos arrumei um emprego em um dos programas de replantio florestal, plantando mudas para reabilitação da floresta explorada. Eu trabalho com a conservação de florestas desde então, no Experimento de Biodiversidade de Sabá e posteriormente na SEARRP, como assistente de pesquisa florestal. Pouco a pouco, à medida que fui trabalhando com esses grupos, comecei a entender a importância da floresta para o mundo e porque precisamos protegê-la.
Os animais na floresta me inspiram, os gibões serviram de inspiração para eu aprender a escalar árvores. Eles são alpinistas incrivelmente perfeitos, passando de árvore em árvore, pulando em tudo. Eu gostaria de poder escalar como eles somente com as mãos.
Como essas árvores incríveis e vencedoras de recordes nos ajudam a compreender a floresta e garantir sua proteção?
Esse tipo de expedição é importante para a nossa comunidade e para a conservação da floresta tropical. E também envolve amizade, uma escalada bem-sucedida como essa não se resume a apenas uma pessoa, é preciso ter uma equipe boa e qualificada.
É importante saber que conservar a mata primária é um trabalho a ser feito — algumas dessas árvores gigantes e únicas ainda estão lá, ainda não foram perdidas. Espero que as minhas três filhas e todas as futuras gerações ainda possam ver essas árvores em pé no futuro.
Participaram da expedição de escalada da nova árvore tropical mais alta: Jamiluddin Jami (Unding Jami); Fredino John; Azwan Tamring; Azlin sailim; Ahmad Jelling; Sabidee Rizan; Fyenlyvicy Thomas; Mohd Fadil Karim; Elizabath Rusili; Johnny Larenus; Dedy Mustapa; representantes da Danum Valley Management e do Yayasan Sabah Group.
Fonte: National Geographic