Sob as águas geladas da Noruega, o primeiro restaurante submerso da Europa e o maior do mundo serve seus clientes com vista para o fundo do mar.
O ousado projeto, inaugurado em março deste ano é, na realidade, muito mais do que apenas um restaurante, diz Stig Ubostad, sócio do Under junto com seu irmão. “Os três pilares no qual dividimos o projeto são biologia marinha, arquitetura e gastronomia”, explica à BBC Travel.
E, provavelmente, há ainda um quarto elemento sem o qual o empreendimento não mergulharia mares muito profundos. “Você não constrói Under se você não tiver paixão”, diz Ubostad. A paixão do idealizador já encantou pessoas mundo afora. Sete mil clientes estão na lista de espera do restaurante, segundo a Reuters.
Isso porque Under é uma estrutura de concreto de 34 metros que fica parcialmente submersa a até 5,5 metros sob a superfície de Lindesnes, na ponta da costa sul da Noruega. As enormes janelas de acrílico do restaurante oferecem uma visão da vida marinha do Oceano Atlântico em constante transformação pelas estações do ano.
Esse desafio arquitetônico foi coordenado por Kjetil Trædal Thorsen, do escritório norueguês de arquitetura e design Snøhetta, também responsável pela Casa de Ópera, de Oslo, e o Memorial 11 de Setembro, em Nova York.
A maior dificuldade da equipe, comenta Thorsen, foi encontrar um formato e uma localização adequados para abrigar o Under. Com grossas paredes de concreto erguidas na costa rochosa, a estrutura foi construída para suportar a pressão e o constante choque dos mares turbulentos daquela região.
Lindesnes é uma pequena cidade de cinco mil habitantes conhecida pelas condições climáticas intensas, que podem rapidamente mudar, várias vezes ao dia, de céu aberto e mares calmos a tempestades e ondas de até 25 metros.
“A solução foi um tubo”, resume o arquiteto. “O restaurante foi construído numa barcaça e depois transportado para o local de fundação”.
O transporte da larga estrutura foi outra grande missão a ser cumprida. Além do cuidado com a construção em si, a preocupação maior da equipe foi completar a instalação preservando o meio ambiente. “Ela teve que ser colocada de maneira muito cuidadosa de forma a preservar a paisagem submarina, para não arruinar a ecologia do lugar”, acrescenta Thorsen.
No corredor que leva o visitante do mundo terrestre para o marinho, painéis de teto revestidos de tecido fazem referência às cores de um pôr do sol que some no oceano. No salão principal, a atmosfera é calorosa e acolhedora, mesmo com o exterior aquático chegando a temperaturas negativas.
Parte do ambiente
A ideia, com o tempo, é que a estrutura se torne parte do ambiente marinho, uma vez que a resistência do concreto servirá como um coral artificial, habitat ideal para moluscos e algas.
Como explicou Stig Ubostad, outro pilar de Under é a pesquisa marinha. O responsável pelo setor é o cientista Trond Rafoss, do Instituto Norueguês de Pesquisa em Bioeconomia.
Antes de Under ser fixado no fundo do mar, os pesquisadores monitoraram e documentaram as espécies presentes naquela área. Agora que a estrutura está montada sob a água, ela vai funcionar como um laboratório de pesquisa em biologia marinha. Rafoss já enxerga novas oportunidades.
“Ela te dá uma configuração totalmente diferente”, comenta o cientista. “Você tem tempo suficiente para fazer as observações científicas”.
O laboratório do Under também recebe financiamento do governo norueguês, e estudantes da Universidade de Agder, da Noruega, conduzem pesquisas do ecossistema marinho local, que abriga espécies de algas, assim como bacalhau, caranguejos, cações, lagostas e até focas.
Comida local
Mas o projeto não estaria completo se não fosse dada atenção cuidadosa ao menu do restaurante. O chef Nicolai Ellitsgaard trabalhou por mais de um ano na concepção do cardápio, que explora novas formas de usar diferentes ingredientes marinhos disponíveis bem perto do restaurante.
Esse tempo todo porque a pressão de gerir um restaurante inovador como Under, admite Ellitsgaard, não foi pouca. “Muitas pessoas colocaram muito tempo e energia, para fazer este restaurante tão bonito e dramático. Agora que ele está inaugurado é que a diversão começa”, diz.
O próprio chef acorda cedo e percorre o entorno de Under em busca do que servir para o jantar. “De manhã eu gosto de sair e procurar comida para diferentes tipos de coisas. Agora, nesta época do ano, são principalmente as algas marinhas”, comenta Ellitsgaard. “Eu gosto de ir à natureza e passar umas duas horas buscando ingredientes antes de ir para a cozinha e ficar lá o resto do dia”.
Dessa forma, o chef já dá um recado a seus clientes sobre a filosofia do lugar. “Acho que é tão bom dizer aos convidados que o que eles estão comendo foi coletado logo ali, a 150 metros do restaurante, ou que o chef estava mergulhando esta manhã para que isso fosse possível”, segue Ellitsgaard.
Além de uma mensagem sobre a preparação exclusiva do restaurante, esse modelo é também um manifesto de preservação ambiental, como explica Ellitsgaard. “Há tantas coisas que não estão sendo usadas. Todos querem apenas os ‘melhores’ ingredientes, mas porque o que está perto não é bom?”, questiona.
“Definitivamente é melhor para o meio ambiente se as pessoas comerem coisas que estão próximas em vez de ter foie gras e trufas de outros cantos todo dia”, diz o chef.
Através da pesquisa, gastronomia e arquitetura, Under servirá, portanto, para aproximar o ser humano do ecossistema marinho.
A ideia, afinal, é deixar que o próprio ambiente defina o tom do espetáculo. “Em alguns dias, vocês vai conseguir muitos peixes; e em outros dias não vai ser tão bom. É como a natureza é. Nada mais nada menos. É a natureza em seu melhor”, diz o dono, Stig Ubostad.
Fonte: BBC