Morador da remota cidade de Skagway, no Alasca, há cerca de um ano, John Sasfai entra na cervejaria Skagway Brewing Co. e pede uma cerveja artesanal local à base de broto de abeto (árvore conífera da família dos pinheiros).
No momento de pagar a conta, em vez de tirar a carteira do bolso, o guia da empresa Klondike Tours coloca em cima do balcão um saco da mesma matéria-prima usada na bebida.
Ali, os botões que ele colheu das árvores próximas ao Parque Histórico Nacional de Klondike Gold Rush também servem como moeda.
A cerca de 160 km ao norte de Juneau e a 1.287 km a sudeste de Anchorage, o vilarejo atraiu aventureiros durante a corrida do ouro no fim do século 19. Atualmente, entretanto, as “pepitas” são colhidas da floresta – e não extraídas ou garimpadas.
Os brotos de abeto – os botões que crescem nas extremidades dos galhos da árvore – são mais comumente usados “como dinheiro” na Skagway Brewing Co., mas não é incomum vê-los transacionados para negociar comida, lenha ou café (que chegam de barco uma vez por semana).
Às 7h da manhã de uma sexta-feira de abril, embarquei na balsa LeConte para uma travessia de sete horas pela chamada Passagem Interior (via marítima) de Juneau para Skagway.
O barco estava cheio de trabalhadores sazonais, a postos para começar o turno da manhã nas empresas locais. A temporada de cruzeiros para o Alasca despontava no horizonte.
Um grupo de jovens na faixa de 20 a 30 anos jogava pôquer na cafeteria da embarcação – inicialmente apostando pacotes de adoçante e creme para café. Na sequência, dinheiro de verdade.
Mas se alguém precisasse de dinheiro extra, eu disse a eles, sempre haveria a opção de colher brotos de abeto e usar como moeda de troca.
“Ah, já ouvi essa história”, afirmou Kevin Courtain, de 26 anos, natural do Oregon, que estava voltando ao Alasca para sua terceira temporada como guia turístico. “Acho que não é tão diferente do que aconteceu aqui no passado. Você podia trocar ouro por qualquer coisa que precisasse.”
As transações com broto de abeto no Alasca começaram com a tribo Tlingit, que misturava os brotos ricos em vitamina C no chá, bem antes da chegada dos exploradores britânicos.
Mas o capitão James Cook, que visitou o Alasca no fim da década de 1770, inventou uma cerveja saborosa de broto de abeto para ajudar a evitar o escorbuto entre seus marinheiros.
Os brotos só são tenros o suficiente para serem colhidos ao longo de uma ou duas semanas todos os anos na primavera.
E, embora sejam um ingrediente saudável para compotas, temperos e molhos, sua propriedade antimicrobiana também faz com que seja popular na fabricação de cremes para as mãos e pomadas contra picadas de insetos.
Ao desembarcar naquela tarde em Skagway, fui até o Red Onion Saloon, um antigo bordel da época da corrida do ouro, que outrora oferecia “afeto negociável” aos garimpeiros por US$ 5 (uma semana de salário).
Hoje em dia, é um “gastropub” famoso e, naquela tarde, seria palco do Garden City Market, mercado em que empreendedores locais vendem seus produtos.
Logo conheci Annemarie Hasskamp, dona da Glacial Naturals, empresa que fabrica produtos artesanais como velas, sabonetes e óleos a partir da flora local. Em seu estande, ela me mostrou seu óleo de barba e especiarias à base de broto de abeto.
Como não há economia agrícola comercial no Alasca, colher brotos de abeto é o mais próximo que as pessoas conseguem chegar de viver da terra em busca de lucro, me contou Hasskamp.
Durante a alta temporada de verão, Skagway – que tem mil habitantes – recebe cerca de 10 mil passageiros de cruzeiros por dia, os quais chegam, em parte, para saborear os vários produtos à base de broto de abeto, como sorvete e cerveja.
“Brotos de abeto são uma moeda para mim”, diz Hasskamp.
“Só o fato de eu poder sair e encontrar algo de graça, colher sustentavelmente algo de que gosto e transformar em um produto alimentício com valor agregado – só de fazer isso, aumenta o valor monetário que ele tem para mim”.
A colheita exige tempo e esforço, mas Hasskamp faz dinheiro catando um broto de cada vez das árvores. Ela atribui a popularidade do produto ao movimento orgânico, ao incentivo à comida local e ao apelo dos produtos silvestres em Skagway.
E estocar brotos de abeto pode ser uma oportunidade lucrativa em momentos de necessidade, especialmente no inverno.
“Algumas pessoas dizem: ‘Oi, tenho um saco extra de broto de abeto no freezer, você quer?'”, conta Hasskamp.
“E você não pode deixar nada passar sem retribuir aqui.”
Perto de Hasskamp, Emily Grace Willis, dona do Maiden Alaska Herbals, estava vendendo creme para as mãos e mel de broto de abeto, que ela criou originalmente para aliviar a dor de garganta dos filhos.
“Para mim, a interação entre as árvores e os seres humanos é um pouco espiritual”, diz ela. “Mas, se você coleta algo da natureza, que não pertence a alguém, então é como se o dinheiro crescesse em árvores.”
Willis vende seus produtos em lojas locais como Jewell Gardens e You Say Tomato, mas ela não parece tão disposta quanto os outros a negociar suas cobiçadas sobras de broto de abeto.
“De jeito nenhum, levei um tempão para colher!”, dispara.
Mindy Miller, cuja família é dona da Klothes Rush, uma loja de souvenir no centro da cidade, conta que a moda do broto de abeto pegou nos últimos anos.
E no grupo de Facebook Skagway Swap, que funciona como o principal mercado virtual da cidade, onde os locais trocam e listam todos os tipos de mercadoria à venda, ela viu pessoas querendo trocar bens por brotos de abeto.
“Às vezes eu brinco com meu marido que precisamos começar a procurar abeto na nossa propriedade, que mede um acre (cerca de 4 mil m²). Não tenho tempo livre, mas podemos fazer dinheiro aqui.”
Naquela noite, durante a apresentação de uma banda local de reggae no Red Onion Saloon, conversei com Orion Hanson, eleito vereador de Skagway.
Na semana anterior, ele tinha trocado lenha com um pescador por 10 salmões frescos.
Segundo ele, esse tipo de negociação e a economia do broto de abeto refletem a estrutura coesa da cultura local.
“Skagway foi fundada por garimpeiros com uma vocação empreendedora, que permaneceram neste estreito vale por causa dessa motivação, além de um espírito livre”, conta Hanson.
“Esse laço comunitário prospera até hoje.”
Quando entrei na cervejaria e restaurante Skagway Brewing Co. no dia seguinte, o cervejeiro Trevor Clifford estava fazendo uma experimentação com uma nova cerveja de broto de abeto para apresentar em um festival de cervejas que aconteceria na cidade vizinha de Haines.
Ex-cervejeiro amador, nativo de Minnesota, Clifford deixou um emprego estável na área de manutenção de equipamentos para se mudar para Skagway em 2007, quando foi contratado pelo proprietário da Skagway Brewing, Mike Healy.
Naquela primavera, Clifford, Healy e sua equipe foram à floresta colher brotos de abeto e variedades híbridas para fazer sua primeira Spruce Tip Blonde Ale, que Clifford descreve como uma cerveja doce e cítrica com notas de blueberry e hortelã.
A equipe precisou, no entanto, de ajuda com a colheita. Os brotos sempre foram uma commodity local, e a cervejaria começou a aceitá-los como forma de pagamento.
Até 2016, a empresa usava a seguinte taxa de conversão: um libra (quase meio quilo) de broto equivalia a US$ 4 ou uma cerveja. Mas, após consultar as leis estaduais sobre bebidas alcoólicas, Healy constatou que a cervejaria não poderia legalmente oferecer cerveja como contrapartida, de modo que, em 2017, passou a usar o sistema “dinheiro por broto” e aumentou a taxa para US$ 5.
A maioria das pessoas vai gastar de qualquer maneira esse dinheiro com a cerveja, explica Clifford, e o recém-ampliado estabelecimento vai ajudar a cervejaria a atender à alta demanda pela Spruce Tip Blonde Ale.
Juntar brotos de abeto se tornou uma tradição na comunidade, que também é uma ajuda bem-vinda aos trabalhadores sazonais, diz Clifford. Eles chegam muitas vezes sem dinheiro a Skagway, após terem gasto a maior parte das economias na viagem.
“Eles vão começar a receber o pagamento no momento em que os brotos de abeto estão despontando, mas esse dinheiro já foi alocado para pagar aluguel, comida e a fatura do cartão de crédito. Então, eles ficam animados de conseguir algum dinheiro das árvores”, explica.
Clifford afirma que o pagamento pela colheita dos brotos é o “dividendo da árvore de abeto”, uma referência jocosa ao Fundo Permanente do Alasca, uma reserva de US$ 65 bilhões, financiada principalmente pela receita do petróleo, que paga cerca de US$ 2 mil a cada morador que vive no Alasca há pelo menos um ano e pretende permanecer no Estado no longo prazo.
É um incentivo para manter as pessoas no Estado compartilhando a recompensa de seus recursos naturais. Em um nível mais local, os moradores de Skagway podem coletivamente lucrar com o que a natureza oferece por meio dos brotos de abeto.
A cada estação, os funcionários da cervejaria catam cerca de 90 quilos de broto, enquanto a população coleta outros 90 quilos por conta própria. Qualquer pessoa pode participar da colheita, mas é importante observar que os brotos de abeto só podem ser coletados para uso pessoal no Parque Histórico Nacional de Klondike Gold Rush.
Uma faixa de terra sem árvores separa a área que pertence ao Serviço Nacional de Parques do terreno do Município de Skagway, de onde as pessoas podem coletar brotos para fins comerciais, como vender para a cervejaria.
Claro que eu quis participar da colheita.
Dirigi cerca de 25 minutos em direção à Trilha Chilkoot do Parque Histórico Nacional de Klondike Gold Rush e atravessei para o terreno arborizado do Município de Skagway.
Me senti como uma espécie de garimpeiro caminhando por entre as árvores com um desejo pungente de ficar rico.
Dizem que os brotos de abeto são verdes fluorescente, como a Aurora Boreal, mas depois de duas horas procurando, não consegui encontrar nenhum.
Finalmente, aceitei que talvez ainda fosse cedo demais para a colheita e voltei à cidade para afogar minhas mágoas em um copo de cerveja de broto de abeto. Paguei em dinheiro e dei um longo gole. Tinha notas de limão e laranja.
Eu tinha uma balsa para pegar e, a caminho do terminal, encontrei Si Dennis, um tlingit de 71 anos, que trabalhou para o Serviço Nacional de Parques por mais de 35 anos. Ele me disse que costumava colher brotos de abeto na infância com os avós.
“Skagway está muito diferente agora de como era naquela época”, relembra. “Na minha infância, tudo o que eu comia vinha da floresta.”
Para os coletores de brotos de abeto, explica Dennis, a paciência é essencial. Às vezes, é necessário passar horas na floresta para conseguir uma boa quantidade.
Quem participa da colheita também deve ser estratégico: não pode colher brotos que não estão maduros o suficiente, tampouco maduros demais e sem a concentração apropriada de açúcar.
Dennis acrescenta que é importante reconhecer que o sistema de brotos de abeto, parte integrante da cultura nesta região, é também uma tradição importante para ser preservada e passada adiante.
“Você tem que respeitar a natureza e o poder dos brotos de abeto”, diz ele.
Fonte: BBC