A crise provocada pelas recentes queimadas na Amazônia acendeu um alerta no agronegócio brasileiro. O setor, que tem participação fundamental na economia brasileira e no fornecimento internacional de alimentos, está sob pressão inédita: a de conciliar o aumento de produção com a preservação do meio ambiente, incluindo a maior floresta tropical do planeta. É possível?
Uma sinalização positiva foi dada neste mês, por um porta-voz influente do setor. Ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente está à frente do conselho de administração da BRF, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, dona das marcas Sadia e Perdigão. Em evento da revista Exame, ele defendeu a expansão do setor pela via da produtividade.
“Não é preciso cortar uma árvore da Amazônia para aumentar a produção e a participação do país como um celeiro importante no mundo. Há 200 milhões de hectares de pasto que podem ser transformados. Temos uma pecuária muito extensiva, que pode ser mais intensiva. Não há razão para não querer preservar a Amazônia”, disse.
Um relatório divulgado em 2016 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que, entre 1990 e 2005, 71% do desmatamento na América do Sul foi motivado pela demanda por pastos. No Brasil, o índice chegou a 80%.
Somente na Amazônia, a pecuária já abandonou entre 170 mil e 200 mil hectares de terra. Os números refletem um modelo extensivo, em que a vida útil da terra está condicionada ao ciclo da pastagem, que varia de sete a dez anos. Ao fim desse período, o produtor inicia outro ciclo de desmatamento em um novo local.
Produtividade x expansão da área ocupada
O agronegócio brasileiro vem tendo melhorias progressivas nos índices de produtividade, com uma média de crescimento de 3,5% ao ano nesse indicador. O dado revela uma tendência positiva, de expansão por incremento tecnológico, sem a necessidade de ocupar novas áreas.
Hoje, a produtividade do cultivo de grãos no Brasil está próxima à observada nos Estados Unidos. Na safra 2018-19, chegou a 3,2 toneladas por hectare para a soja, taxa ligeiramente inferior ao índice de 3,5 dos EUA.
Na região Norte, porém, a realidade é distinta. Estudos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram que estados como Tocantins e Pará apresentam coeficientes de produtividade negativos, o que seria um indicativo de um modelo de expansão do agronegócio baseado no aumento da área ocupada.
Dados do último Censo Agropecuário do IBGE mostram que, entre 2016 e 2017, os estabelecimentos pequenos, com até 100 hectares, foram osos que mais tiveram aumento na região (32,6%). Na avaliação de José Garcia Gasques, coordenador-geral de Estudos e Análises da Secretaria de Política Agrícola do Mapa, o fenômeno preocupa.
“A implantação desse tipo de estabelecimento já envolve uma derrubada e fogo. Todos os anos, tenta-se expandir um pouco o tamanho da área, sempre por queimada”, explica.
A mais recente pesquisa do IBGE sobre a Produção Agrícola Municipal (PAM) indica uma participação cada vez maior das commodities na região. Em 2018, a soja respondia por 44% do valor da produção no Norte. A mandioca, que liderou por vários anos o indicador, aparece com 27%, enquanto o milho é responsável por 10%.
“O que está puxando a expansão é a busca por áreas maiores, especialmente para a pecuária. O atrativo é o preço baixo das terras, por vezes 20% do valor médio nacional”, diz o coordenador do Mapa.
Impacto ambiental e econômico
O impacto ambiental é apenas uma das consequências da utilização de modelos de agronegócio arcaicos. A manutenção de práticas extensivas pode ter um grave impacto econômico para os pecuaristas que não modernizarem suas produções.
“Pelas taxas de produtividade atuais, 40% dos pecuaristas brasileiros estarão fora do negócio em dez anos”, avalia o zootecnista Ricardo Reis, que coordena estudos na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre ganhos de produtividade na pecuária.
Reis preocupa-se com exigências de qualidade e sustentabilidade cada vez mais rigorosas feitas pelos compradores dos mercados internacionais, sobretudo europeus. Cerca de 90% dos animais abatidos no Brasil são criados de forma extensiva, em idade avançada para os padrões do segmento.
Além disso, a utilização de modelos rotativos, que permitem integrar a pecuária à produção de grãos, trouxe aos pecuaristas a concorrência de agricultores que utilizam parte de suas terras para a pecuária durante certo período do cultivo, com ótimo desempenho.
Modernização e eficiência
A alta produtividade observada na “fração moderna” do agronegócio brasileiro é resultado de um longo trabalho de pesquisa conduzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada há 46 anos, a instituição teve papel fundamental na melhoria dos indicadores de produtividade do campo no Brasil, extremamente baixos algumas décadas atrás.
O desenvolvimento de sistemas como o Plantio Direto e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, além da manipulação genética da soja, que não se adaptava ao clima tropical, foram determinantes para a modernização e incremento produtivo da agropecuária no Brasil.
Apesar dos avanços significativos, os ganhos de produtividade não garantem que a expansão do agronegócio se dê apenas por essa via. Com maior rentabilidade da terra, a expansão geográfica pode ser um desdobramento, como se observou em Rondônia nos últimos anos, sobretudo no segmento de laticínios.
“A visão ecossistêmica não é dominante no agronegócio. Ainda predomina um olhar expansionista, inclusive na ala dita moderna, que expande a soja infinitamente. Eles só não expandem onde o trator não entra e eliminam a vegetação original”, avalia Carlos Nobre, climatologista aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atualmente ligado à Universidade de São Paulo (USP).
Para o cientista, existe no Brasil uma cultura de valorização das propriedades rurais desmatadas. “Se você respeitou totalmente a lei, e menos de 20% da propriedade foi desmatada, sua fazenda tem um valor inferior ao de uma que desrespeitou a lei e desmatou 50%”, comenta.
Elísio Contini, chefe da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, acredita que esteja em curso uma mudança na relação dos produtores brasileiros com a terra.
“Minha percepção é que essa tendência patrimonialista está se retraindo, especialmente dos médios produtores para cima. Eles percebem que podem ganhar mais se cuidarem bem da área que possuem”, pontua.
“O Brasil tem uma agricultura ainda não estabilizada, do ponto de vista geográfico e tecnológico, mas está caminhando rapidamente para ter uma produção mais eficiente”, acrescenta.
Fonte: Deutsche Welle