Nesta quinta-feira (31/10), o Tribunal Administrativo de Berlim vai se ocupar de uma queixa climática contra o governo alemão. Ela foi apresentada no segundo semestre de 2018 pelo Greenpeace e três famílias de agricultores alemães, que dizem ver sua existência ameaçada pelo aquecimento global.
Os autores da queixa, que vivem da agricultura orgânica e são diretamente afetados pelas mudanças climáticas, acusam o governo de não cumprir sua meta climática para 2020, violando assim os direitos fundamentais dos cidadãos.
Uma das autoras da queixa é Silke Backsen, que administra uma fazenda orgânica na ilha de Pellworm, no Mar do Norte, e se diz preocupada com o que acontecerá com sua casa se o nível do mar continuar a subir.
Em entrevista à DW, Silke Backsen afirmou que o clima é fundamental para um estabelecimento agrícola e que as mudanças climáticas já levaram a uma queda de safra em sua fazenda.
DW: O que levou você a apresentar essa queixa contra o governo em Berlim?
Silke Backsen: As condições climáticas em 2017/2018 nos foram propícias naturalmente. Passamos de um intenso período chuvoso em 2017 para uma estiagem extrema. O verão seco de 2018 teve muitas consequências. Mas isso é apenas o aspecto climático.
Acho que sempre é difícil perceber variações climáticas, porque é um processo lento e progressivo. Mas, com o aquecimento global, está ficando cada vez mais complicado praticar a agricultura da forma que praticamos. E como vivemos num ecossistema que é e será extremamente afetado pela elevação do nível do mar, então, no final, todos nós na região temos que nos perguntar: como será quando o nível dos oceanos subir apenas uma fração do que está previsto.
Você pode descrever isso com mais detalhes, também com base em sua fazenda?
Criamos bovinos, fazemos engorda de gado, reprodução de fêmeas e machos, criamos ovelhas e praticamos relativamente bastante agricultura. Posso descrever os efeitos concretos desses eventos climáticos extremos em 2017/18, onde fomos completamente inundados. Então os campos ficaram enxaguados. E em Pellworm também temos um problema de drenagem, porque não conseguimos nos livrar da água.
Depois, entra-se num período de estiagem, onde, em última análise, não é possível o pastoreio, porque não cresce pastagem suficiente para engordar touros ou gado. E, em geral, nos últimos anos, notamos que os extremos climáticos estão ficando cada vez mais frequentes. Está ficando cada vez mais difícil para a agricultura, especialmente para a agricultura orgânica, adaptar-se a esses solos pantanosos pesados.
Como foi a repercussão de sua queixa?
No começo, as reações foram muito contidas. É claro que nos ocupamos por muito tempo do assunto antes de ousar entrar com esse processo junto a várias famílias. E nos ficou claro que o tema ainda requeria um intenso trabalho de informação.
Então a situação mudou completamente e passamos a receber muito apoio. O assunto foi largamente discutido em muitos grêmios, na família, com amigos e conhecidos, também na política local daqui. Então se passou simplesmente a ser mais percebido. O apoio agora é grande.
Você se sente fortalecida também por movimentos como Greve pelo Futuro?
Sim. Quando apresentamos a queixa em outubro, ao mesmo tempo, o movimento Greve pelo Futuro estava crescendo e acho que há um fortalecimento mútuo, como também acredito ser importante fazer pressão em vários níveis diferentes e enviar sinais fortes, para que muitas pessoas acordem e digam que estamos realmente fartos e que a situação simplesmente não pode continuar assim. Vocês não podem ignorar 1,4 bilhão de pessoas nas ruas e vocês também não podem, realmente, ignorar esse processo.
O que você espera quando o processo for analisado?
Como não somos juristas, é difícil prever se vamos “ganhar” ou “perder”, mas, de qualquer forma, de outubro até agora fizemos muitíssimo para tornar o tema público, para apontar como ele atinge concretamente indivíduos e para dizer que não se trata de algo abstrato em algum lugar do mundo, mas de algo que afeta o vizinho ou cada um de nós. O melhor resultado seria, é claro, que dessem razão à nossa causa e que o governo alemão se comprometesse a atingir seus objetivos climáticos.
Se o tribunal considerar a sua queixa procedente, que medidas você esperaria ou que medidas você gostaria que fossem tomadas?
Eu acredito que, para cada um de nós, está claro do que se trata e quais ministérios devem tomar medidas precisas para atingir as metas climáticas.
Há um grande problema de tráfego. Há um grande problema no setor do carvão, no setor de energia. Aqui já deveria ter havido uma grande reviravolta há muito tempo, uma reestruturação.
Eu não quero impor ao governo que medidas concretas ele precisa implementar. Ele possui seus próprios especialistas. Mas eles finalmente precisam começar a ser mais ativos.
Então mais medidas regulatórias?
Essa é sempre uma palavra muito bonita. Não creio que seja suficiente dizer para que todos mudem o seu modo de vida. É extremamente importante que cada passo possa provocar uma mudança. Mas para os grandes passos precisamos a política, é para isso que ela serve.
Quando eu era criança, eu não colocava o cinto de segurança. Agora há obrigatoriedade de uso do cinto e isso é para minha própria segurança. Ações contra as mudanças climáticas também são para minha própria segurança.
Fonte: Deutsche Welle