Misteriosa zona de falhas tectônicas descoberta no litoral da Califórnia, nos EUA

O recém-descoberto sistema de falhas tectônicas localiza-se na Baía de Monterey, no litoral da Califórnia, Estados ...
O recém-descoberto sistema de falhas tectônicas localiza-se na Baía de Monterey, no litoral da Califórnia, Estados Unidos.
FOTO DE FRANS LANTING, NAT GEO IMAGE COLLECTIVE

Abaixo das águas cerúleas da Baía de Monterey, alguns quilômetros ao sudoeste de Santa Cruz, Califórnia, nos Estados Unidos, foi descoberto um grupo nunca antes visto de falhas tectônicas à espreita no leito oceânico.

Essas recém-descobertas rugas na crosta terrestre, descritas em um artigo publicado na Science, continuam, em grande parte, um mistério. Não sabemos muito sobre o tamanho, o formato ou o nível de atividade delas. Ainda assim, as descobertas indicam que, mesmo em um dos cantos mais submetidos a estudos sísmicos do planeta, os mapas de falhas tectônicas do leito oceânico contêm lacunas. E isso é um grande problema, porque, se não conhecermos as falhas tectônicas do fundo do mar, as comunidades litorâneas não ficarão sabendo de possíveis novas ameaças de terremotos ou tsunamis.

A nova pesquisa também oferece uma solução ao nosso ponto cego tectônico: podemos fazer uso das centenas de milhares quilômetros de cabos de fibra óptica que transportam e-mails, tuítes e mensagens de vídeo de um lado para o outro da Terra todos os dias. Os cientistas descobriram as novas falhas litorâneas na Califórnia pegando emprestado um cabo de fibra óptica da espessura de uma mangueira de jardim, que passa pelo leito oceânico da Baía de Monterey, e transformando-o num arranjo sísmico improvisado.

Os pesquisadores esperam que esse novo método seja um dia utilizado para coletar dados sísmicos valiosos nas grandes cidades já alimentadas por redes de cabos de telecomunicação de fibra óptica, mas que não tenham orçamento ou espaço físico para instalar milhares de sismógrafos. Enquanto isso, é possível reorganizar os cabos que estejam localizados diretamente na costa litorânea dos grandes centros populacionais de modo que sirvam de espinha dorsal para novos sistemas de alerta precoce.

“São muitas as possibilidades”, afirma o coautor do estudo Craig Dawe, do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey. “No mundo inteiro, há uma grande quantidade de cabos de fibra óptica instalados.”

Luz no fundo do mar

Em toda a costa oeste dos Estados Unidos, uma densa rede de estações sísmicas proporciona aos geólogos um fluxo contínuo de informações sobre o movimento da crosta terrestre, permitindo-lhes monitorar as zonas de falhas tectônicas conhecidamente ativas e identificar novos tremores sem demora. O problema é que, assim que se levanta vela nos mares do Pacífico, o número de estações sísmicas cai drasticamente. Os mapas de falhas tectônicas disponíveis também ficam mais irregulares, o que significa que, muitas vezes, mais do que apenas surdos aos terremotos submarinos, nós nem temos certeza de onde procurá-los.

“Na região da costa, achamos que entendemos tudo sobre a crosta terrestre”, diz o autor do estudo Nate Lindsey, doutorando na Universidade da Califórnia, Berkeley. “Mas, em alto mar, é como se a iluminação fosse feita por postes de rua — quando se tem um poste de rua no leito oceânico, dá para ver alguma coisa. Só que não temos muita iluminação nessa área”.

Lindsey e seus colegas vêm tentando iluminar as profundezas com uma nova técnica chamada sensoriamento acústico distribuído. O método consiste em lançar pulsos de luz laser por meio de um cabo de fibra óptica até encontrar pequenas variações de densidade nos fios de fibra de vidro que causem o retorno da luz em direção à fonte. Essas variações são influenciadas pela movimentação no solo, o que significa que os sismólogos podem utilizar os padrões de retrodifusão para detectar terremotos ou até mesmo descobrir novas estruturas de falhas tectônicas.

“Podemos obter a mesma quantidade de informações como se houvesse um sismógrafo a cada dois metros na área”, afirma Philippe Jousset, geofísico do GFZ – Centro Alemão de Pesquisas em Geociências, que não participou do estudo. “Podemos aumentar a resolução especial num fator de cem, talvez até mais.”

Lindsey e seus colegas passaram cerca de oito meses validando a técnica por meio de medições que utilizavam um cabo terrestre instalado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, próximo a Sacramento. Então, em março de 2018, apresentou-se uma oportunidade de teste do método em mar aberto, quando o cabo do Sistema de Pesquisa Acelerada de Monterey, ou MARS, saiu do ar por conta de uma manutenção programada.

Normalmente, esse feixe de fios de fibra óptica, de 51 quilômetros de comprimento, transporta energia a um observatório permanente em alto mar. Porém, durante quatro dias, Lindsey e seus colegas lançaram luz laser pelo cabo já desenergizado e coletaram dados sísmicos. A luz viajou cerca de 19 quilômetros, criando efetivamente uma rede de 10 mil sismógrafos submarinos.

Durante o experimento, um terremoto de 3,4 de magnitude atingiu a área litorânea próxima a Gilroy, Califórnia. As ondas sísmicas oriundas do terremoto agitaram o leito oceânico, espalhando parte da energia com seu movimento pelas zonas de falhas e, assim, iluminando o grupo de falhas tectônicas ainda não visto naquela área.

Jogada sísmica decisiva

Agora que foi comprovado que o método funciona em mar aberto, a equipe está ansiosa por vê-lo aplicado em outros ambientes oceânicos, especialmente em regiões litorâneas sujeitas a ameaças sísmicas conhecidas.

Esse tipo de auscultação sísmica tem, atualmente, um limite de alcance de algumas dezenas de quilômetros em termos de distância lateral. Mas o método pode proporcionar um monitoramento sísmico detalhado de diversos ambientes em alto mar ainda pouco estudados, como a zona de subducção de Cascadia, na região noroeste do oceano Pacífico.

As fibras submarinas já presentes na região litorânea dos estados de Oregon e Washington “podem ser operacionalizadas para fornecer dados para o monitoramento e alerta precoce de tsunamis e terremotos e para a realização de estudos científicos básicos de áreas ainda obscuras”, diz Paul Bodin, gerente da rede Pacific Northwest Seismic Network, por e-mail. O novo estudo, ele acrescenta, proporciona “uma ‘espiada de 4 dias pelo buraco da fechadura’ daquilo que, no futuro, faremos 24 horas por dia, 7 dias por semana”.

E, embora não seja tão surpreendente encontrar falhas tectônicas novas nessa parte da plataforma continental da Califórnia, já que é uma área de bastante atividade sísmica, o aprofundamento das pesquisas ajudará os cientistas a avaliarem a estrutura desses retratos tectônicos e identificar se apresentam algum risco.

A equipe de Lindsey espera ainda cooptar o cabo do MARS durante cerca de um ano para coletar mais dados sobre o ambiente sísmico. Dawe observa que o recente experimento só conseguiu iluminar uma parte do leito oceânico pelo qual passa o cabo do MARS, mas que, com mais refinamento tecnológico, os cientes poderão iluminar toda essa extensão — o que pode levar a outras descobertas inesperadas.

“Se pudermos monitorar toda a extensão, seremos capazes de mapear as falhas tectônicas em todo seu trajeto”, afirma. “Essa, sim, será uma jogada decisiva.”

Fonte: Madeleine Stone – National Geographic