Por que as zebras têm listras? Os cientistas que tentam responder à antiga pergunta

Em foto tirada desde cima, varias zebras correm em meio a poeira saindo do solo
Da camuflagem a uma ‘marca de identidade própria’, já foram muitas as hipóteses para tentar explicar por que as zebras são listradas

Em fevereiro de 2019, em uma fazenda no Reino Unido, ocorreu um experimento fascinante. Biólogos da Universidade da Califórnia, especializados em evolução, vestiram vários cavalos com casacões listrados como zebras, comparando-os a zebras de verdade.

O objetivo era responder a uma pergunta que há muito tempo intriga leigos e cientistas: por que as zebras têm listras?

“As pessoas falam sobre listras de zebras há mais de cem anos, mas é apenas uma questão de realmente fazer experimentos e refletir sobre a incógnita para entendê-las melhor”, diz Tim Caro, ecologista da Universidade St. Andrews, na Escócia, que estuda as listras das zebras há quase duas décadas.

Na fazenda, de propriedade de Terri Hill, uma apaixonada pela conservação de equídeos selvagens, Caro encontrou uma rara oportunidade de observar de perto zebras relativamente mansas. O rebanho dali é formado por animais que vieram de zoológicos de diversos locais no Reino Unido.

Como e por que as zebras evoluíram para exibir listras em preto e branco são perguntas que também testam os cientistas há bastante tempo. É possível listar pelo menos 18 hipóteses para isso, desde a função da camuflagem à de identificação, como acontece com a impressão digital nos humanos.

Mas, também por um longo tempo, essas possibilidades foram apresentadas sem serem submetidas a testes rigorosos.

No pasto, um cavalo com casaco estampado com listras simulando as de zebras
Biólogos colocaram cavalos em casacos com estampa de zebra para observar como as moscas reagiam a eles

Preto com listras brancas?

As zebras, como os cavalos e asnos, fazem parte do gênero Equus.

As três espécies conhecidas de zebras que vagam pelo leste e sul da África, com seus pelos escuros divididos por fios brancos e não pigmentados, são os únicos equídeos listrados. Os padrões e a intensidade das faixas variam de acordo com a espécie e a localização.

Enquanto os cientistas ainda debatem as origens e funções exatas das listras, seus esforços recentes se concentram em três possibilidades principais: elas seriam uma ferramenta contra picadas de insetos; ou teriam função de termorregulação; ou ainda a de proteção contra predadores.

Moscas que picam e sugam sangue são uma ameaça comum aos animais da África. As mutucas e tsé-tsé, entre outras, transmitem também doenças como a do sono, a peste equina africana e a influenza equina, potencialmente fatal.

O pelo fino da zebra não seria uma barreira tão eficaz contra as picadas dos insetos. Mas análises feitas em moscas tsé-tsé, por exemplo, não encontraram vestígios de sangue de zebra.

Muitos estudos já mostraram que as moscas tendem a não pousar em superfícies listradas. Evidências consistentes vieram em 2014 com um estudo de Caro e colegas. Eles combinaram dados sobre clima, presença de leões e tamanho de rebanhos de zebras e relacionaram isso a informações sobre as listras de zebras na área.

Diversas zebras em campo aberto
As moscas são uma ameaça comum aos animais da África, levando à hipótese de que as listras das zebras sejam um mecanismo de defesa contra os insetos

As faixas eram mais pronunciadas em ambientes que favorecem a presença de moscas, de acordo com Caro.

Este ano, a pesquisa realizada pela equipe dele na fazenda de Terri Hill lançou avançou mais um passo. Os biólogos observaram moscas em torno de zebras e cavalos – alguns destes vestindo casacos pretos, outros brancos e listrados.

As moscas pairavam em zebras e cavalos em quantidades semelhantes, mas muito menos moscas pousavam em zebras – ou em cavalos com casacos listrados.

Ao tentar pousar nas listras, as moscas não desaceleravam como fariam chegando a uma superfície não listrada. É como se elas hesitassem e desistissem.

“Parece que elas não reconheciam essa superfície em preto e branco como um bom ponto de aterrissagem”, explica o pesquisador da Universidade St. Andrews.

Caro diz que sua equipe está trabalhando com “muitos dados ainda não publicados” de vídeos de moscas chegando perto de diferentes padrões de superfícies.

E, na Universidade de Princeton, EUA, o biólogo Daniel Rubenstein e seus colaboradores estão abordando a questão por meio da “visão da mosca em realidade virtual”.

Refresco

No entanto, outros pesquisadores que estudam zebras, como Alison Cobb, técnica de laboratório aposentada, e o zoólogo Stephen Cobb, de Oxford, no Reino Unido, não estão convencidos pela explicação da blindagem contra parasitas.

Eles acreditam que as faixas de zebra ajudam principalmente na termorregulação. Enquanto Alison reconhece as descobertas de Caro, ela acha que picadas de insetos “parecem um efeito sem muita importância” para ter impulsionado a evolução das listras de zebra.

“Toda zebra deve evitar o aquecimento. Já as moscas aparecerão em certos lugares e em determinadas épocas do ano, mas não são uma ameaça tão definitiva ou frequente quanto o superaquecimento”, diz Cobb.

A ideia básica dos pesquisadores é a de que as listras pretas absorveriam o calor e aqueceriam as zebras na manhã; já as listras brancas refletem mais a luz e, portanto, poderiam ajudar a refrescar os animais enquanto eles pastam por horas sob o sol escaldante. Essa lógica aparentemente simples é alvo de controvérsia entre cientistas.

Uma zebra em área aberta fotografada de perto
As três espécies conhecidas de zebras que vagam pela África são os únicos equídeos listrados

Caro e sua equipe encontraram apenas uma fraca sobreposição espacial entre padrões de faixas das zebras e temperaturas altas.

Um ano depois, um estudo de modelagem espacial com zebras-das-planícies, liderado por Brenda Larison, da Universidade da Califórnia, encontrou listras mais fortes em áreas mais quentes ou com luz solar mais intensa.

Até agora, as experiências também não trouxeram mais clareza. Um estudo de 2018 descobriu que a água em barris pintados com listras não esfriava mais que a nos barris sem listras.

Mas Rubenstein não está convencido – ele acha que esse experimento teve poucas amostras. Segundo ele, um estudo em andamento conduzido por sua equipe com um número maior de garrafas de água mostra que as faixas ajudam no resfriamento.

Citando informações ainda não publicadas, ele diz que, analisando as temperaturas de diversos animais, descobriu que as zebras são alguns graus mais “frias” que os animais não listrados.

Mas barris e garrafas não conseguem representar todas as partes do mecanismo de resfriamento de uma zebra – o que talvez torne esses estudos muito simples para explicar completamente o objetivo das listras das zebras.

Como cavalos e humanos, as zebras esfriam suando. A evaporação do suor remove muito calor, mas a evaporação deve ocorrer rapidamente, caso contrário o suor fica preso e faz o animal ficar dentro de uma própria sauna. Por isso, os equídeos têm uma proteína chamada laterina que ajuda a espalhar o suor nas pontas dos pelos, aumentando a exposição ao ar e à evaporação.

No Journal of Natural History, os Cobbs relataram em junho que, nas horas mais quentes do dia, as listras pretas das zebras estavam consistentemente 12 a 15 ºC acima das listras brancas.

Eles propõem que a constante diferença de temperatura entre as faixas geraria uma espécie de circulação de ar. Outro mecanismo descrito por eles foi a ereção de pelos pretos, que ajudariam a reter ou liberar o calor e suor.

Camuflagem?

Quanto à última hipótese, a das listras tendo a função de proteção contra predadores, Caro é cético.

Em sua monografia de 2016, ele listou inúmeras evidências contrariando esta hipótese. Por exemplo, as zebras passam a maior parte do tempo em campos abertos, onde suas listras são evidentes; e pouco tempo na floresta, onde elas poderiam servir como camuflagem. Além disso, a tendência delas é de fugir da ameaça, e não de se esconder.

E os leões não têm demonstrado muitas dificuldades em comer zebras.

Rubenstein, no entanto, ainda está testando esta hipótese, segundo ele a “mais difícil” de verificar entre todas.

Ele observa que estudos anteriores apenas testaram se as listras confundem os seres humanos, mas não os leões. Assim, sua equipe está estudando como os leões atacam objetos listrados e não listrados.

Portanto, a dúvida sobre por que as zebras têm listras continua, e a resposta permanece inconclusiva. E não sem riscos – Stephen Cobb foi mordido no braço e internado duas vezes no hospital durante seus experimentos.

Fonte: BBC