Pouco antes das 8h do dia 26 de dezembro de 2004, um terremoto de magnitude 9,1 atingiu o mar no norte da Indonésia.
Nas horas que se seguiram, um enorme tsunami varreu o Oceano Índico, matando cerca de 230 mil pessoas, a maioria na Indonésia.
Para marcar o 15º aniversário da tragédia, o repórter Chaiyot Yongcharoenchai, da BBC Thai, o serviço de notícias em tailandês da BBC, visitou o sul da Tailândia, que foi devastado pelo tsunami.
Confira abaixo os relatos de alguns dos que sobreviveram e o que eles fizeram para ajudar os demais afetados por essa tragédia.
Wittaya Tantawanich – socorrista, praia de Patong – “Não parecia a onda assassina que você vê nos filmes”
Naquela manhã, a praia de Patong estava muito tranquila. Estava estacionado perto do Hospital Patong em uma viatura de resgate. Então fiquei com fome e dirigi em direção à praia para encontrar algo para comer. Sentei lá para desfrutar o meu café da manhã com vista para a praia. Enquanto estava sentado, senti o terremoto por volta das 8h. Ninguém entrou em pânico ou ficou preocupado. Continuei sentado ali esperando receber uma ligação de emergência.
Às 10h, comecei a ouvir vendedores de comida locais, que estavam apontando para a praia. Todos disseram ‘Vamos pescar’. A água tinha recuado muito, para o meio do mar, e havia muitos peixes espalhados por todo o lugar.
Ri com o que vi, mas não demorou muito para perceber que algo estava errado. Quando a água voltou, um vendedor de alimentos apareceu correndo e disse a todos naquela área que fugissem da praia o mais rápido possível.
Não parecia a onda assassina que você vê nos filmes. O que vi no início foi apenas uma inundação repentina que trouxe consigo uma quantidade enorme de água. À medida que a inundação se aproximava, começou a ganhar velocidade. Finalmente chegou ao nível da rua e a água continuou a subir. Voltei para a minha viatura e subi a colina. Naquele momento, tudo estava louco. Várias pessoas estavam fugindo da água.
Ouvi no meu walkie-talkie que a segunda onda havia chegado. Não demorou muito para que toda a cidade mergulhasse em um caos. Voltei depois que a segunda onda recuou. Naquele momento, ainda não tinha ideia do que havia acontecido. Tudo que sabia era que tinha que ajudar as pessoas.
Recebi um pedido para ir a um supermercado na estrada da praia, onde muitas pessoas estariam presas. Quando cheguei, vi funcionários flutuando de bruços na água que inundava o porão do edifício. Alguns deles ainda estavam vivos, mas muitos deles já haviam morrido.
Quando tentamos ajudar mais pessoas no supermercado, ouvi de fora que outra onda estava chegando. Estava procurando a saída mais próxima, mas sabia que não conseguiria. Então fechei os olhos, orei e me preparei para morrer. Felizmente, chegou ao nível da rua e parou.
Trabalhei como socorrista durante toda a minha vida, mas nunca havia experimentado algo tão grande.
Dr. Weerawit Sarideepan – ex-médico do Hospital Vachira Phuket – “Senti o cheiro de cadáveres como nunca antes na minha vida”
Era o dia seguinte à festa de fim de ano da equipe do hospital – estava curtindo meu dia de folga e passei muitas horas deitado descansando.
Às 8h, ouvi as janelas do meu quarto de madeira tremendo. Disse à minha esposa que deveria ser algum carro do lado de fora. Então, voltei a dormir.
Quando acordei novamente por volta das 10h, levei minha família para tomar café da manhã antes de receber um telefonema do hospital me chamando para uma emergência. Tínhamos um plano para lidar com um desastre em grande escala. Mas não tínhamos nenhum plano para algo de tamanha grandeza.
O diretor do hospital me pediu para ajudar a implantar microchips nos cadáveres, conforme solicitado pela polícia forense. Quando cheguei, a polícia local me levou a Wat Yan Yao, onde havia milhares de cadáveres esperando para serem identificados. Ao entrar no templo, pude sentir o cheiro de cadáveres como nunca antes na minha vida. Notei o chão do templo coberto de sangue e fluidos corporais.
Centenas de pessoas foram enviadas. A maioria delas teve fraturas nos ossos ou cortes em seus corpos. Então começamos a receber cadáveres.
Samran Chanyang – mestre de cerimônias e agente funerário no templo Yan Yao – “Meu filho ficou preso e morreu dentro do prédio”
Liderei a cerimônia de oração na manhã de 26 de dezembro de 2004, um dia sagrado budista. Fiz a prece no microfone, para que todos pudessem ouvi-la. De repente, a luz acabou e sentimos o terremoto. Continuei sem o alto-falante depois.
A cerimônia terminou como qualquer outro dia. Depois voltei para minha casa, logo atrás do templo.
De repente, ouvi muitos carros passarem na rua principal. Todos eles estavam acelerando e buzinando. Então os moradores começaram a falar sobre como os vilarejos ao longo da praia desapareceram por causa da onda.
Liguei a TV e vi o que aconteceu na minha área. Não sabia sobre o tsunami até então. Fiquei chocado e preocupado porque que meu filho foi trabalhar em Khao Lak [na costa continental ao norte de Phuket]. Ele era pintor e aquele seria seu último dia útil antes de um longo recesso. Liguei para ele, mas não consegui contatá-lo.
No dia seguinte, mais corpos começaram a aparecer. Os militares começaram a trazer contêineres para manter os corpos. Na metade do segundo dia, vi uma montanha de cadáveres se acumulando e foi uma cena muito triste de ver.
Os três amigos do meu filho me disseram que ele estava desaparecido. Estava prestes a sair para procurá-lo, mas o hospital entrou em contato comigo. Eles disseram que precisavam de um lugar para colocar os mortos do tsunami, então tive que aguardar no templo, esperando o carregamento dos corpos.
Às 19h, centenas de cadáveres começam a chegar. Como não tínhamos lugar para eles, foram embrulhados em lençóis de plástico e brancos antes de ocuparem todo o chão do templo.
Saí com meus outros filhos e amigos para procurar meu filho mais velho. Levei metade de dia para encontrá-lo. Ele ficou preso e morreu dentro do prédio onde estava.
Sathaporn Sawangpuk – capitão do navio Mahidol – “Foi uma onda como nenhuma outra”
Estávamos voltando de uma viagem de pesquisa marinha de um mês no Oceano Índico. Fizemos uma parada na ilha Koh Racha Yai em Phuket para uma aula de mergulho para nossos estagiários. O mar estava bastante calmo, o céu estava tão claro e azul. Disse à minha equipe: ‘Que dia perfeito para estar no mar’.
Depois do café da manhã, todos nós fomos ao convés do navio para assistir ao estagiário mergulhando com instrutores. De repente, senti a embarcação levantar e girar para a esquerda e para a direita. Não tínhamos ideia do que aconteceu, mas meu instinto me disse para ligar os motores e seguir para o meio do mar.
Quando olhei em direção à costa da ilha, vi uma grande onda atingir a praia e varrer guarda-chuvas e cadeiras para dentro do mar.
Então a água recuou, bem longe, antes que a segunda onda atingisse a praia novamente.
Desta vez, arrastou bangalôs e restaurantes até o mar. Foi uma onda como nenhuma outra.
Primpraow Jitpentom – enfermeira em uma viagem de mergulho perto do navio Mahidol – “Tudo o que vi foram os cadáveres flutuando na água”
Levei meus amigos de Bangcoc para passeio do navio naquela manhã de domingo. Fiz isso muitas vezes, mas meu marido nunca tinha mergulhado. Disse a ele que realmente valeria a pena.
Nossa lancha estava se aproximando da costa. De repente, o instrutor de mergulho mandou o motorista parar, pois percebeu que havia algo errado. Ele apontou para o mar e me disse que não havia água na praia. Ele me disse: ‘Isso não pode ser bom.’
Decidimos ir para a ilha de Phi Phi, pois não era muito longe e eles haviam sido gravemente atingidos. Quando chegamos, não era algo que eu esperava. Tudo o que vi foram cadáveres flutuando na água.
Decidimos ajudar apenas os sobreviventes feridos. Finalmente resgatamos pelo menos 414 turistas e moradores locais e os transferimos para um hospital mais equipado em Phuket. Ficamos felizes em ajudar muitas pessoas naquele dia.
Dei um abraço apertado nos meus filhos e disse a eles: ‘Mamãe e papai amam muito vocês. Se alguma coisa acontecer, usem este colete salva-vidas. Não tentem nadar, alguém vai encontrá-los e ajudá-los.
Fonte: BBC