A proliferação acelerada de plantas aquáticas no rio São Francisco está surpreendendo e preocupando ambientalistas e pesquisadores no Nordeste.
A grande quantidade de espécies, em especial elódeas e aguapés (respectivamente dos gêneros elodea e eichhornia), ocorre basicamente por conta do despejo de esgoto e produtos químicos no rio.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram que não é possível saber exatamente quando essas plantas surgiram no rio, mas que elas se alastraram de forma surpreendente por conta da contaminação e da diminuição da vazão.
“Essas plantas já estão há bastante tempo no São Francisco, mas agora estão descontroladas”, alerta o coordenador da Expedição do São Francisco e vice-coordenador do Comitê Científico de Bacias Hidrográficas do Nordeste, Emerson Soares.
Segundo ele, esse aumento é resultado do acúmulo de poluentes, fertilizantes, agrotóxicos e esgoto doméstico.
“Quando o ambiente está equilibrado, elas (as plantas) ocorrem em menor proporção e não causam problemas ao ecossistema. Inclusive elas são importantes na filtragem de nutrientes, servindo de alimento para várias espécies, atuando na fotossíntese e servindo também de abrigo para desova de espécies de peixes e crustáceos”, explica.
“Mas em excesso elas trazem problemas para a água que será utilizada para abastecimento e matar a sede de animais, tornando-a imprópria para consumo”, acrescenta.
O excesso das plantas já causa problemas a quem navega nas águas, a pescadores e afeta o abastecimento de água em Alagoas.
O rio São Francisco é considerado fundamental para o Nordeste. Sem ele, milhões de pessoas ficariam sem fonte de abastecimento hídrico.
O Velho Chico, como é chamado, corta 507 municípios, de Minas Gerais a Alagoas. A área afetada pela proliferação das plantas é a região conhecida como baixo São Francisco, que vai de Paulo Afonso (BA) até a foz, em Alagoas, com um total 214 km de extensão.
Comunidades sem água
Na semana passada, a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) perdeu uma das duas bombas que fazem abastecimento da Bacia Leiteira, em Pão de Açúcar. Ela queimou devido ao grande número de elódeas. O abastecimento humano em 19 municípios foi comprometido.
O coordenador de Produção e Distribuição da Unidade de Negócio Bacia Leiteira da Casal, Erickson Dantas, diz que a empresa está preocupada com as plantas, já que a quebra do motor comprometeu 50% do fornecimento. Ao todo, segundo ele, o suprimento total chega a 200 mil pessoas no sertão alagoano.
“Nós temos o maior sistema coletivo do Estado, mas há apenas um ponto de captação para abastecer todos estes municípios. Se a captação para, o abastecimento também é paralisado”, diz.
O coordenador conta que um motor reserva foi colocado para resolver o problema, mas admite que, se o problema se repetir, os municípios podem ficar sem água.
“De uns dias pra cá estamos tendo obstruções. Percebemos que a Chesf (companhia de eletricidade) está liberando mais água (das represas), e isso faz com que as plantas aquáticas, que ficam acima da captação, desçam. Ontem (quinta-feira, 9) precisamos parar três vezes para fazer a intervenção e fazer a limpeza”, comenta.
A vazão citada por Dantas é controlada pela Chesf, que reduz ou aumenta de acordo com a quantidade de água armazenada nos reservatórios de Três Marias (MG), Sobradinho (BA) e Itaparica (BA/PE).
Desde 2012, com as reiteradas estiagens, a vazão passou por uma série de reduções a fim de garantir que nenhum deles chegasse ao volume morto — o que causaria problemas na geração de energia elétrica.
Para amenizar o problema, pescadores da região foram contratados para retirar as plantas do local. Entretanto, um dia após a limpeza, as plantas ressurgiram.
“Já aconteceu de cancelarmos a cobrança aos usuários porque não conseguimos abastecer uma cidade por esse problema. Ou seja, são muitos prejuízos causados “, afirma Dantas.
A Casal agora está elaborando um plano para fazer a contenção das plantas, para que não se aproximem das bombas. “Mas ainda é preciso que exista um estudo”, afirma.
Mudança de padrões
A bióloga marinha e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Élica Guedes, explica que um dos fatores que está causando a proliferação é a mudança dos padrões físico-químicos da água. A preocupação da especialista é com a qualidade da água.
“O desenvolvimento em excesso (das plantas) influencia também na qualidade da água. Elas tendem a retirar oxigênio no seu processo de desenvolvimento, e isso afeta o desenvolvimento de outros organismos presentes na água: microalgas, zooplancton, peixes, entre outros”, explica.
Para minimizar o problema, Guedes diz que é preciso evitar derramamento de produtos químicos na água, que podem ter origem em vários pontos. “Um deles são as plantações nas margens dos rios que utilizam agrotóxicos e são lançados na água. Até mesmo máquinas das usinas que utilizam óleos para o funcionamento também geram resíduos”, explicou.
É preciso saneamento
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, disse à BBC News Brasil que o órgão está tomando medidas para atenuar o problema. Um deles é a retirada das plantas do ponto de captação da água para o abastecimento.
“A partir daí a corrente vai levá-las, diminuindo a concentração no ponto mais crítico. Se houver necessidade, outras medidas serão adotadas seja pelos municípios ou pelos órgãos ambientais de Sergipe e Alagoas”, justificou Anivaldo.
Ele também afirma que uma solução definitiva só será alcançada com a construção de redes de coleta e tratamento de esgoto das cidades ribeirinhas, além da recomposição das matas ciliares. Hoje, a maioria das cidades na beira do rio joga seus esgotos no rio sem tratamento.
“O Comitê já faz a sua parte: entregou a todas as prefeituras ribeirinhas do baixo São Francisco os seus respectivos planos municipais de saneamento, que configuram o primeiro passo para que possam se candidatar a receber recursos federais para obras. Só o governo federal é quem tem escala de recursos para fazer os projetos e as obras de saneamento, principalmente a coleta e tratamento dos esgotos”, finalizou Miranda.
Pesca e navegação afetados
O ambientalista Antônio Jackson Borges navega no São Francisco há décadas e disse que é evidente o aumento no número de plantas nos últimos meses. “Elas enrolam nas hélices e nos obrigam a ter que fazer uma limpeza, travando até o motor”, conta.
A pesca, diz, está prejudicada, já que as redes ficam mais pesadas. “As baronesas estão com um processo de proliferação muito rápido e até assustador. Em Paulo Afonso, na prainha, simplesmente ninguém via a água, totalmente coberta por essa espécie, que reduziu a produção pesqueira de 400 toneladas para 200”, completa.
Fonte: BBC