A proposta do governo Jair Bolsonaro para regulamentar a exploração mineral em terras indígenas, anunciada na quarta-feira (05/02), deverá ser recebida com cautela por grandes empresas do setor, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Eles dizem que, ainda que se descubram riquezas minerais consideráveis nesses territórios, as grandes companhias de extração temem problemas de imagem caso haja conflitos com as comunidades ou caso a atividade implique impactos ambientais relevantes na Amazônia.
O governo divulgou os detalhes do Projeto de Lei 191/2020, que define as condições para a pesquisa e exploração de minérios e de recursos hídricos em terras indígenas — atividades previstas pela Constituição de 1988, mas que careciam de regulamentação.
Segundo um comunicado divulgado pela Casa Civil da Presidência, o objetivo da iniciativa é “construir uma proposta equilibrada de regulamentação da Constituição, capaz de atender às demandas e anseios dos povos indígenas e, ao mesmo tempo, viabilizar empreendimentos de geração de energia hidrelétrica e de mineração em terras indígenas”.
“Esses empreendimentos vão criar novos empregos e contribuir com o desenvolvimento socioeconômico dessas regiões”, diz o órgão.
O projeto de lei estabelece que as comunidades devem ser consultadas sobre as atividades e recebam uma compensação financeira. Determina ainda que elas tenham poder de veto sobre o garimpo em suas terras, mas não sobre a exploração mineral de grande escala ou sobre a exploração dos recursos hídricos.
Nesses casos, diz o governo, deverá haver “uma busca pelo consenso”, mas a palavra final sobre as atividades caberá ao Congresso Nacional.
A proposta do governo foi criticada por organizações indígenas e ambientalistas, que disseram temer seus impactos ambientais e sociais.
A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados enviou um ofício ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmando que a proposta é inconstitucional por, segundo o partido, violar os direitos territoriais dos indígenas, o direito das comunidades à consulta e por causar retrocesso socioambiental. O PSOL quer que Maia devolva a proposta ao governo.
Em novembro, em entrevista à jornalista Miriam Leitão, o presidente da Câmara afirmou que arquivaria a proposta se ela fosse enviada. “A gente não pode usar o argumento de que está tendo mineração ilegal para liberar”, ele afirmou na ocasião.
Investidores receosos
Ainda que a proposta avance no Congresso, analistas dizem que grandes investidores tendem a encarar o tema com cautela.
Gustavo de la Reza, analista ambiental da Habtec Mott Macdonald, consultoria global de projetos em engenharia e exploração de recursos naturais, diz que a possibilidade de que os empreendimentos nas terras indígenas sejam aprovados à revelia das comunidades deve afastar investidores.
“É pouco provável que grandes empresas vão se meter num grande imbróglio desses, com todo o problema de imagem que isso gera”, ele diz.
Segundo Reza, as grandes empresas hoje são muito cobradas por suas práticas ambientais e pelos impactos de suas atividades em comunidades locais.
Companhias que não seguem as melhores práticas, diz ele, correm o risco de não conseguir financiamentos ou ter problemas com órgãos internacionais atentos a essas questões, como o Banco Mundial.
Ele lembra que as mudanças climáticas foram o tema principal do último Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), um sinal de que o tema está na agenda dos grandes investidores. “E a questão indígena está intimamente ligada à questão das mudanças climáticas”, diz o analista.
Para Thomaz Favaro, diretor de Análise de Risco Político para o Brasil e o Cone Sul da Control Risks, uma consultoria global de riscos, “a associação entre mineração, Amazônia e terras indígenas é um coquetel potencialmente tóxico para muitas empresas”.
“Isso com certeza reduz bastante o apetite de vários investidores em potencial”, afirma.
Ele diz que outro entrave ao sucesso da proposta é a animosidade entre o governo Bolsonaro e vários povos indígenas.
O presidente tem sido criticado por várias organizações internacionais — como o Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos — por sua postura em relação às comunidades nativas.
“Isso acaba gerando um receio dentro das comunidades indígenas com relação à disposição do governo em garantir a execução dos planos de mitigação de impactos sociambientais nos territórios”, diz Favaro.
Isso, por sua vez, “tem potencial para reduzir a atratividade de projetos se as mineradoras identificaram uma predisposição negativa das comunidades”, afirma ele.
Por outro lado, Favaro afirma que muitas mineradoras estão acostumadas a atuar em territórios indígenas de outros países, e que, no Brasil, companhias com atividades que impactem terras indígenas já têm de seguir uma série de diretrizes. Ou seja, para elas, operar dentro de terras indígenas brasileiras não seria uma novidade tão grande assim.
Ele lembra que a ONG WWF divulgou um estudo em 2018 com a lista das empresas que pediram à Agência Nacional de Mineração (ANM) permissão para pesquisar ou explorar minérios em terras indígenas e unidades de conservação brasileiras.
Segundo o estudo, 89 empresas e 49 pessoas físicas apresentação requisição para operar em terras indígenas. As áreas de interesse somam 2,3 milhões de hectares — ou pouco menos que o Estado de São Paulo.
Entre as mineradoras citadas há gigantes do setor, como o conglomerado britânico Anglo American, a brasileira Vale e a canadense Belo Sun.
Favaro diz, no entanto, que as companhias que tendem a se beneficiar mais num primeiro momento caso o projeto de lei seja aprovado são “empresas júniores, as que se encarregam da parte de prospecção e exploração inicial das terras”.
Ele lista outras incertezas em relação à proposta. “Não está claro como o projeto regulamentará projetos de mineração que já existem nas terras indígenas, embora hoje sejam ilegais.”
Outra dúvida é como será a fiscalização da atividade nas terras indígenas. O analista lembra que o governo “já investe muito pouco na fiscalização” até dos projetos que operam legalmente.
Fonte: BBC