Relatório alerta para produtos da Bayer e da Basf que são restritos na Europa, mas vendidos em países como o Brasil, onde as duas empresas comercializam ao menos 24 agrotóxicos não permitidos na UE.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e tem uma lista de 2.306 produtos formulados de agrotóxicos registrados para venda, de acordo com dados do sistema Agrofit, do Ministério da Agricultura. Dos 353 princípios ativos liberados no Brasil, quase metade são proibidos na União Europeia (UE).
Um novo relatório revela que duas gigantes alemãs, Bayer e Basf, comercializam no Brasil ao menos 24 substâncias não permitidas na União Europeia (UE), sendo 12 delas classificadas como altamente tóxicas pela Pesticide Action Network (Rede de Ação contra Agrotóxicos, PAN na sigla em inglês).
O levantamento, elaborado por um grupo de entidades da Alemanha, do Brasil e da África do Sul, foi divulgado nesta terça-feira (28/04), mesmo dia da assembleia anual de acionistas da Bayer, que este ano, pela primeira vez, é realizada online, devido à pandemia de covid-19.
O estudo Agrotóxicos perigosos: Bayer e da Basf – um negócio global com dois pesos e duas medidas questiona a política de “dois pesos, duas medidas” das maiores fabricantes alemãs de pesticidas. A pesquisa, realizada ao longo de nove meses, mapeia os agrotóxicos das duas empresas que têm uso proibido, restrito ou pedido de aprovação ainda não solicitado na UE, mas que são vendidos livremente em países do sul do globo, como Brasil e África do Sul, onde as legislações são menos rígidas.
O levantamento foi feito em parceria pela rede de desenvolvimento alemã Inkota, a ONG católica alemã de ajuda ao desenvolvimento Misereor, a Fundação Rosa Luxemburgo (ligada ao partido A Esquerda), a Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e pela Vida (no Brasil) e a Khanyisa Education & Development Trust (na África do Sul).
Bayer e Basf comercializam na África do Sul e no Brasil ao menos 28 ingredientes ativos que não são aprovados total ou completamente na UE ou que ainda não tiveram a aprovação solicitada (pelo menos 13 da Basf e pelo menos 15 da Bayer).
Entre eles, sete substâncias (cinco da Bayer e duas da Basf) tiveram a permissão de uso negada depois do processo de registro ou tiveram o registro explicitamente revogado pela UE por serem nocivas se ingeridas ou inaladas, por serem muito tóxicas para corpos d’água, gerarem reações alérgicas na pele, prejudicarem órgãos internos, provocarem graves queimadoras na pele e feridas nos olhos, por suspeita de causar câncer e distúrbios na fertilidade e por serem prejudiciais a fetos e a bebês em amamentação.
O estudo cita que 99% dos casos de morte por intoxicação causada por agrotóxicos ocorrem na África, na Ásia e na América Latina, onde as legislações são mais brandas.
Alemanha, a gigante dos agrotóxicos
Sede das duas gigantes dos agrotóxicos, a Alemanha é o segundo país que mais exporta agrotóxicos no mundo, depois da China. Bayer e Basf ocupam, respectivamente, a segunda e a terceira posição no ranking do mercado global de agrotóxicos, atrás apenas da sino-suíça Syngenta.
Países como Brasil e África do Sul, com leis mais permissivas, são importantes mercados. O relatório mostra que, em 2018, do total de ingredientes ativos vendidos no mercado mundial pela Bayer, 36,7% são altamente perigosos, de acordo com parâmetros da PAN. Na Basf, esse número é de 24,9%.
Dados da PAN revelam que, em 2017, a Alemanha exportou 233 ingredientes ativos de agrotóxicos, 62 deles classificados como altamente perigosos. O relatório revela que nove dessas substâncias são banidas na UE em razão de sua nocividade.
“Nós, como sociedade civil, como ONGs alemãs, achamos que a Alemanha tem responsabilidade em controlar as atividades dessas grandes empresas. É nosso papel exercer pressão, por um lado, para que o governo alemão proíba a exportação de agrotóxicos não permitidos na UE e, por outro, para pressionar, também, essas empresas”, explica Lena Luig, uma das autoras do estudo, da ONG Inkota.
A pressão dos autores da pesquisa é para que a Alemanha, com base na Lei dos Agrotóxicos, aprove um decreto proibindo a exportação de ingredientes ativos de agrotóxicos que não são permitidos na UE, à exemplo da França, que em outubro de 2018 aprovou lei proibindo a produção, o armazenamento e a comercialização global de agrotóxicos contendo substâncias banidas na UE.
Brasil, um mercado em crescimento
Em 2018, a indústria de agrotóxicos registrou no Brasil um faturamento de 10,8 bilhões de dólares, 20% a mais do que no ano anterior. Entre 2000 e 2018, aponta o estudo, o consumo nacional de agrotóxicos mais do que triplicou, subindo de 162 mil toneladas anuais de ingrediente ativo para cerca de 549 mil toneladas.
Desde janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República, o processo de registro de novos agrotóxicos se acelerou. Somente em 2019, foram aprovados 474 novos agrotóxicos – entre eles, 42 banidos na UE.
A Basf vende no Brasil pelo menos 12 substâncias não permitidas na UE. Duas delas, cianamida e flufenoxurom, tiveram a licença explicitamente negada ao final do exame para o pedido de registro. Além disso, seis das substâncias estão na lista da PAN de agrotóxicos altamente perigosos.
No caso da Bayer, pelo menos 12 substâncias não permitidas na UE são comercializadas no Brasil, entre elas, quatro cuja autorização foi explicitamente rechaçada ou revogada pelas autoridades europeias (fenamidona, propinebe, tiodicarbe e tiram). Seis são classificados como altamente perigosos pela PAN.
“Não temos muita esperança de que as empresas resolvam os problemas, pois elas visam apenas o lucro. Também não há muitas expectativas quanto a uma resposta positiva do governo brasileiro”, destaca Alan Tygel, um dos autores do estudo, da Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e pela Vida.
“Nós esperamos que este relatório ajude a sensibilizar a opinião pública internacional, a sociedade brasileira e o governo alemão. Grande parte dos venenos usados hoje no Brasil são de empresas alemãs, notadamente a Bayer e a Basf e, por isso, nós reivindicamos que a Alemanha adote as mesmas regras que usa para os agrotóxicos no país para suas exportações”, complementa.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, em 2017, foram registrados 7.200 casos de intoxicação por agrotóxicos, mas acredita-se que o número seja muito maior. O relatório chama a atenção para o drama vivido por comunidades indígenas e quilombolas localizadas ao lado de propriedades onde o veneno é pulverizado por aviões. Muitas dessas comunidades denunciam esse tipo de aplicação e algumas chegam a relatar a pulverização aérea como “arma química” para expulsá-las de seus territórios.
Um exemplo é a aldeia Guyraroká, dos GuaraniKaiowá, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Em maio de 2019, o local foi atingido por uma nuvem de agrotóxicos e cal que estava sendo pulverizada em uma fazenda vizinha, envenenando várias pessoas (inclusive 15 crianças que lanchavam na escola), matando animais e contaminando alimentos.
Também em Caarapó, o relatório chama atenção para análises do Sistema de Monitoramento da Qualidade da Água no Brasil. Dados coletados entre 2014 e 2017 revelaram vestígios de 27 agrotóxicos nas águas do município. Desses, onze estão associados a câncer, abortos naturais e distúrbios hormonais. Um deles é o carbendazim, ingrediente ativo contido em produto da Bayer, é banido na UE e classificado como altamente perigoso pela PAN.
Para que situações como a da aldeia Guyraroká não se repitam, o relatório sugere que o Brasil proíba o uso de aviões para pulverização de agrotóxicos, como já ocorre no Ceará.
O que dizem Bayer e Basf
Em resposta aos questionamentos da DW Brasil, as duas empresas disseram que diferentes condições agrícolas exigem produtos especialmente desenvolvidos. Ambas afirmam que utilizam apenas ingredientes ativos aprovados em ao menos um país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A Bayer afirma que “o simples fato de um produto fitofarmacêutico não ser aprovado na UE não diz nada sobre a sua segurança e não é, de forma alguma, um duplo padrão. Muitas outras autoridades de aprovação em todo o mundo também possuem sistemas reguladores muito robustos e sofisticados para proteger a saúde humana e o meio ambiente”.
A empresa também destaca que seus produtos “atendam ao padrão mínimo global em todos os lugares, independentemente do sistema regulador desenvolvido e rigoroso em cada país”. A Bayer afirma que não vende desde 2012 produtos classificados como particularmente tóxicos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Basf, por sua vez, afirma que todos os seus produtos “são extensivamente testados, avaliados e aprovados por autoridades públicas, seguindo os procedimentos oficiais de aprovação estabelecidos nos respectivos países antes de serem vendidos” e que vende produtos que respeitem o Código de Conduta Internacional da OMS/FAO.
Além disso, destaca que “está convencida da segurança de seus produtos quando usados corretamente, seguindo as instruções do rótulo”. A Basf também afirma que “em muitos casos, o ingrediente ativo não é renovado ou submetido a registro na Europa porque a incidência de pragas, doenças e ervas daninhas em um clima temperado não é justificada ou porque não há cultura de importância econômica”.
Fonte: Deutsche Welle