Especialistas em economia circular debatem oportunidades de negócios no Brasil.
Em países ricos é possível convencer o consumidor a pagar mais caro por um produto com menor impacto ambiental. Mas em países em desenvolvimento, as soluções mais simples, como a volta das embalagens retornáveis de bebidas, ou venda a granel de produtos de limpeza – culturas abandonadas gerações atrás – podem ser soluções fáceis e mais viáveis para incluir a população de baixa renda neste esforço em prol de um desenvolvimento sustentável.
Essa inclusão social, bem como a necessidade de compartilhamento de soluções entre empresas, e a adoção de políticas públicas favoráveis ao meio ambiente e como proteção aos elos vulneráveis das cadeias produtivas, foram os principais pontos destacados por representantes de empresas e instituições especializadas no tema economia circular, durante evento online promovido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), na última quarta-feira (22), dentro da série ReVisão 2050, que se propõe a pensar o planejamento sustentável e de longo prazo do mundo pós pandemia.
“A covid evidenciou as desigualdades e vulnerabilidades, mas também jogou luz sobre as oportunidades de reconstrução. Se por um lado a crise atingiu mais os pequenos e médios negócios, também vimos muita gente se voltando para a agroecologia, a produção alimentar periurbana, os pequenos negócios de agricultura orgânica. Não dá para perder o foco de que falar em economia circular na América Latina é falar de inserção social e desafios da vulnerabilidade”, destacou Mike Oliveira, coordenador de Iniciativas Sistêmicas para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur, instituição que é uma das principais referências no tema no mundo.
Inclusão
Para Richard Lee, head de Sustentabilidade da Cervejaria Ambev, além da inclusão social a ser promovida com soluções de fácil assimilação e baixo custo para o consumidor, é preciso pensar na inclusão ao longo da cadeia.
Ele destaca que na quarentena, milhares de catadores foram atingidos. “A pandemia escancarou o quanto os elos desta cadeia estavam mal protegidos. Eles ficaram e continuam desamparados. Eles estão na rua, manuseando resíduos que podem estar contaminados e sem equipamentos adequados. Além disso, eles atuam na área que teve queda de renda, como restaurantes e bares e não tinham como ficar em casa, porque não tinham renda. Se as empresas não estavam prontas para a pandemia, elas estavam menos prontas ainda para amparar esses vulneráveis. Com os meses passando, muitas empresas se organizaram para doação, mas ainda assim muito aquém do necessário”, disse, destacando que é importante esforços em conjunto não só para criar soluções de marketplace entre as empresas, mas para blindar os elos mais frágeis da cadeia de negócios.
Economia circular
Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mais de 70% das empresas brasileiras reconhecem a importância de adotar a metodologia da economia circular em seus processos produtivos, mas o mesmo percentual ainda não sabe como fazê-lo.
Boa parte concentra-se ainda apenas no tratamento do resíduo ou nas questões de logística reversa, mas o conceito vai muito além, explica a especialista Lea Gejer, fundadora da Ideia Circular.
“O conceito Cradle to Cradle, ou ‘do berço ao berço’ amarra duas esferas. A biosfera e a tecnosfera. No primeiro consideramos tudo o que pode voltar a terra, como alimentos. No segundo estão os materiais, que devem ter a reutilização de suas partes para outras utilizações sem que haja descartes. Mas para que esse ciclo funcione, não se pode pensar apenas no resíduo final, e sim em todas as etapas de produção, passando pela arquitetura e design, e pelo uso da matéria-prima. Isso exige uma transformação prática de todos os elos da cadeia”, explica.
A transformação dos elos da cadeia produtiva para uma economia circular, passa por três pilares na opinião da diretora de Reciclagem e Plataforma Wecycle da Braskem, Fabiana Quiroga:
- Investimento das empresas em inovação, em busca de eficiência dos processos produtivos e para encontrar novos produtos alinhados com o conceito circular e regenerativo;
- criação de um arcabouço regulamentar e tributário eficaz; e
- conscientização do consumidor sobre o uso e descarte.
Novos hábitos do consumidor
“É preciso investir na educação para implementar novos hábitos para o consumidor, porque parece um contra senso, mas a indústria da reciclagem tem hoje falta de material, enquanto muitos produtos reaproveitáveis lotam aterros sanitários”, argumentou.
“Atualmente no mundo apenas 8,6% da economia é circular. Consumimos 100 bilhões de toneladas de materiais por ano, um recorde. Portanto, o modelo tem que ser repensado, sob risco de esgotarmos recursos naturais e acelerarmos mudanças climáticas, se continuar esse uso desenfreado”, afirmou o diretor de Desenvolvimento Técnico do CEBDS, Ricardo Pereira, ressaltando que a economia circular, ou seja, a substituição do padrão de uma economia baseada na linearidade (extração, consumo, descarte) é um dos principais pilares para a nova economia de baixo carbono.
Oportunidades
Entre as principais oportunidades apontadas pelos especialistas que surgem a partir da Covid e da recuperação verde está o fato de o Brasil ter cadeias produtivas completas no país, o que o coloca em vantagem para fechar o ciclo sustentável dessa economia, sem depender de negociações globalizadas.
“Temos grande vantagens competitivas e temos que pensar as questões globais de valor. Na pandemia, constatamos nossas fragilidades em relação a algumas cadeias de suprimentos muito simples, como máscaras, por exemplo, mas temos cadeias completas aqui, entre têxteis, alimentação, construção civil. É preciso repensar a reinserção do Brasil nas grandes cadeias de valor, valorizando esses assets“, argumentou Rodrigo Santiago, diretor de Relações Institucionais da Michelin.
Fonte: Terra