Astrônomas do Brasil: os legados de Lilia Arany Prado e Zulema Abraham

Na coluna “Mulheres das Estrelas", as astrônomas Ana Posses, Duilia de Mello e Geisa Ponte narram as trajetórias de pesquisadoras que abriram caminhos para a ciência brasileira aqui e no espaço.

À esquerda, a Dra. Lilia Irmeli Arany Prado e à direita, a Dra. Zulema Abraham (Foto: Reprodução Facebook (Lilia)/usp.br (Zulema))

Neste mês, encerramos nossa homenagem às astrônomas que mudaram o rumo da ciência no Brasil contando a história de duas cientistas pioneiras nas suas áreas de pesquisa: a Dra. Lilia Irmeli Arany Prado e a Dra. Zulema Abraham.

A Dra. Arany Prado foi professora da Duilia e da Geisa no curso de astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um exemplo para todas nós. Ela concluiu a graduação em astronomia na UFRJ em 1975, e já em 1977 virou professora no Observatório do Valongo. Em 1994, ela fez seu doutorado no Observatório Nacional (ON), também no Rio de Janeiro, e dedicou sua carreira ao estudo da astrofísica do meio interestelar. Prado pesquisou a quantidade de metais nas estrelas da Via Láctea para entender como esses elementos se formaram e foram disseminados com o tempo na Galáxia.

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Ela se destaca por ser especialista na técnica de nucleocosmocronologia. Apesar do nome complicado, essa é uma interessante forma de determinar a idade e escalas de tempo de objetos e eventos astronômicos. Sabendo a abundância (ou seja, a quantidade) de núcleos radioativos de elementos químicos estáveis, como Tório e Európio, podemos comparar com modelos de evolução química da Galáxia para saber quando eles se formaram e, com isso, determinar a idade de objetos celestes. Em 2005, ela e seus colaboradores mediram a idade de 8 bilhões de anos do disco fino de nossa Galáxia pela primeira vez com essa técnica.

Além do seu impacto junto à comunidade científica graças ao seu trabalho sobre a evolução química da Via Láctea, a Dra. Arany Prado também se preocupou em mostrar para o público brasileiro um pouco mais sobre seu campo de pesquisa. No livro À luz das estrelas: Ciência através da astronomia (LAMPARINA, 2006) ela aborda a relação entre os elementos químicos e as estrelas de uma forma simples e pedagógica.

As astrônomas Lilia Arany Prado (à esquerda) e Katia Cunha (à direita) (Foto: Reprodução)

A professora teve papel fundamental na reestruturação do curso de astronomia da UFRJ que ocorreu no final dos anos 1990, quando três mulheres entraram para o comando do Observatório do Valongo: a Dra. Arany-Prado era chefe de departamento; enquanto a nossa outra homenageada na coluna de julho, a Dra. Heloisa Boechat, era a diretora do Observatório; e a professora Encarnacion Martinez Gonzalez era a coordenadora de curso. Prado deu aula em oito disciplinas diferentes, foi uma das responsáveis pela implementação do novo currículo, contratou professores novos, fez convênios com outros centros astronômicos e deu o primeiro passo para a implementação do curso de pós-graduação em astronomia na UFRJ, que teve início em 2003.

A Dra. Arany Prado foi também organizadora da Olimpíada Brasileira de Astronomia e líder da equipe brasileira na IV Olimpíada Internacional de Astronomia na Ucrânia, ambas em 1999. Além de tudo isso, ela pinta, desenha e fotografa. Atualmente, está aposentada da UFRJ e quem a conhece sabe que ela continua a registrar belíssimas fotos e a nos encantar com a beleza da natureza.

Exploradora do Universo

Nossa segunda homenageada é a Dra. Zulema Abraham. Ela nasceu na Argentina, fez bacharelado em física na Universidade de Buenos Aires (1965) e doutorado em física no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, com o gigante da evolução estelar, Dr. Icko Iben.

Astrônoma Zulema Abraham, professora emérita da USP (Foto: Reprodução/usp.br)

Em 1971, a Argentina estava sob a ditadura militar, e a Dra. Abraham e seu marido, o Dr. Federico Strauss, decidiram vir para o Brasil trabalhar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O casal ficou em Porto Alegre até 1978, quando foram contratados pelo Observatório Nacional para trabalhar com o recém-construído radiotelescópio de Itapetinga, em São Paulo.

O radiotelescópio tinha sido construído pelo Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM) e estava sob a gerência do ON e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Dra. Abraham participava de tudo no rádio-observatório, escrevia os códigos computacionais usados no controle do telescópio, trabalhava com os técnicos que construíram os equipamentos, observava, analisava e publicava seus resultados.

Durante uma das transições político-administrativas pelas quais o CRAAM passou, a Dra. Abraham optou por trabalhar no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) baseada na sede da capital paulista, em 1980. Desde então a Dra. Abraham revolucionou a ciência brasileira ao observar, pela primeira vez, inúmeros objetos celestes com um dos instrumentos mais competitivos do hemisfério sul daquela época. Por exemplo, ela estudou desde a detecção de moléculas de água em berçários de estrelas na nossa Galáxia, até os enigmáticos quasares. Hoje, sabemos que os quasares são galáxias distantes que possuem buracos negros supermassivos. E a pesquisa da Dra. Abraham revelou estruturas nos jatos energéticos emitidos por estes objetos.

Aos poucos, ela foi formando uma equipe de pesquisadores e se tornando uma das radioastrônomas mais influentes do mundo. Quem passou pela equipe da Dra. Abraham conviveu com sua dedicação à ciência e com os seus dois filhos, que foram seus companheiros inseparáveis depois do falecimento prematuro do pai, no início dos anos 1980.

Em 1988, a Dra. Abraham tomou um passo importante na sua carreira motivada pela mudança do CRAAM, que tinha sede em São Paulo e foi para São José dos Campos, no interior do estado. Ela decidiu não seguir o grupo e foi contratada pelo Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Nessa época, a Duília de Mello era aluna de mestrado da Dra. Abraham no Inpe, onde obteve o grau de mestre, mas acompanhou-a na transição para USP. Foi no IAG-USP que a Dra. Abraham se estabeleceu como professora e continuou a formar novos radioastrônomos por mais de 30 anos.

Duília de Mello (à direita) junto a Dra. Zulema Abraham, que foi sua professora de mestrado no Inpe (Foto: Arquivo pessoal)

Em 2012, ela foi uma das primeiras usuárias do famoso Atacama Large Millimeter Array (ALMA), no Chile, ao observar a estrela Eta-Carinae. Os resultados da pesquisa da Dra. Abraham comprovam que essa estrela, além de estar à beira de uma explosão, possui uma estrela companheira próxima. Hoje, a Dra. Abraham é professora emérita da USP e quem a conhece sabe que ela curte muito os netinhos, mas não deixa de passar pelo IAG para orientar a nova geração.

Foi um prazer enorme durante esses últimos meses contar a brilhante história de astrônomas brasileiras que respeitamos e admiramos muito. As colunas de novembro e dezembro serão dedicadas, respectivamente, às maiores descobertas astronômicas de 2020 e às promessas da astronomia para 2021. Até o próximo mês!

*Ana Posses, Duília de Mello e Geisa ponte são astrônomas que querem mostrar ao Brasil a importância da ciência. Trabalham para atrair mais jovens — especialmente as meninas — para esse campo. (Fotos: arquivo pessoal))

Fonte: Galileu