Em setembro de 2020, o presidente da China, Xi Jinping, declarou à Assembleia das Nações Unidas: “Nossa meta é chegar ao pico das emissões de CO2 antes de 2030 e neutralidade carbônica antes de 2060″, acrescentando que “a covid-19 nos recorda que a humanidade deveria lançar uma revolução verde”.
Uma vez que as emissões globais continuam crescendo, apesar da desaceleração econômica ditada pela pandemia, o anúncio chinês foi amplamente saudado como comprometimento climático mais importante desde o Acordo de Paris de 2015, visando a neutralidade de carbono até meados do século.
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“É como dar esteroides ao movimento pela descarbonização”, assim Niklas Hagelberg, coordenador do setor da Mudança Climática do Programa Ambiental das Nações Unidas, definiu a promessa do maior emissor mundial de gases do efeito estufa.
Calcula-se que as emissões de carbono globais para geração de energia já cairão pelo simples fato de a China descarbonizar. Segundo Hector Pollitt, economista-chefe da empresa de análises Cambridge Econometrics, mesmo sem que outros países se comprometam, o aquecimento global poderia estacionar em 2,35 ºC até o ano 2100 – 0,25 ºC abaixo das estimativas atuais.
Mudança de paradigma
Impulsionados pela iniciativa de Pequim, os Estados vizinhos seguiram o exemplo nas semanas seguintes, com o Japão anunciando a meta de zero de emissões de gases-estufa; e a Coreia do Sul, a neutralidade de carbono até 2050. Segundo a ONG ambientalista Greenpeace, as três economias asiáticas foram responsáveis por um terço das emissões totais em 2018.
Com base nas novas iniciativas, Pollitt calcula que o aquecimento poderia se limitar a 2 ºC em relação à era pré-industrial, que é a máxima prevista pelo Acordo de Paris. Agora a comunidade climática aguarda ansiosamente que o governo chinês consolide a promessa em seu plano quinquenal, a ser anunciado no início de abril.
Embora estivesse previsto que vários países intensificariam suas metas de Paris em 2020, poucos esperavam que a China, uma das economias em crescimento mais rápido, fosse se comprometer à neutralidade de carbono num prazo relativamente tão curto.
“É justo dizer que é bastante ambicioso”, comenta Pollitt, especialmente diante do fato de que as emissões chinesas cresceram 2% só em 2019, “mas é necessário, se se pretende alcançar as metas globais”.
Segundo Christine Loh, estrategista-chefe de desenvolvimento do Instituto do Meio Ambiente da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, a meta chinesa “não veio do nada”, mas sim confirma a mudança de paradigma do país, de “fábrica do mundo” poluente a produtor verde de bens de alta tecnologia de produção doméstica e o maior mercado de veículos elétricos do mundo.
Difícil abandono do carvão
Um obstáculo às ambições da China é a dependência do carvão mineral: como mais da metade de suas emissões é para produção de energia, e mais de 57% dessa vem do combustível fóssil, a transição exigirá um esforço extraordinário. Antecipando o plano quinquenal, a indústria de eletricidade nacional tem feito lobby para a construção de centenas de usinas movidas a carvão, totalizando 300 gigawatts, segundo Hagelberg.
No entanto, o futuro do carvão é cada vez mais insustentável, à medida que as fontes renováveis vão caindo de custo, e o gigante asiático procura consolidar sua dominância no florescente setor de energia solar. O banco de investimentos HSBC prevê que as instalações fotovoltaicas chinesas possam alcançar 85 gigawatts nos próximos cinco anos. Em comparação: em 2019 o total produzido foi de 30 gigawatts.
“A queda incrivelmente rápida dos preços das energias renováveis aumentará a confiança e também a ambição”, antecipa Hagelberg. Uma análise publicada pela revista Nature em maio de 2020 projetava que, se as fontes renováveis mantivessem sua trajetória descendente de preços, elas poderiam prover 62% da energia chinesa até 2030.
O coordenador do Programa Ambiental da ONU acredita ser possível um rápido abandono do carvão, já que nos últimos anos Pequim tem demonstrado vontade política de encarar sua severa crise de poluição. Mesmo que novas usinas sejam construídas, as mais antigas poderão ser desativadas para compensar esse aumento. Enfim: isso “vai ter que acontecer, se for para eles alcançarem suas metas”.
Outros países deverão imitar
Dada a escala das metas da China para 2060, Loh deduz que a potência não só esteja planejando uma revolução de descarbonização, mas também tema o impacto da mudança climática global, incluindo graves inundações. “Pequim acredita na ciência”, resume a estrategista de Hong Kong.
Nesse ínterim, os investimentos maciços exigidos para atingir a descarbonização poderão incrementar o PIB chinês em até 5%, até o fim da década atual, e em 1% a 2%, no longo prazo, graças à redução das importações de combustíveis fósseis, incluindo o petróleo, cujo consumo triplicou no último decênio.
Por outro lado, a perda de postos de trabalho será um problema no curto prazo, já que há cerca de 5 milhões de empregados no setor de carvão mineral. De acordo com a Cambridge Econometrics, contudo, a criação intensificada de infraestrutura a fim de alicerçar a transição para a energia limpa deverá gerar um número de empregos equivalente até 2060.
Os investimentos da China em renováveis não vão apenas cortar as emissões de CO2 e reduzir os preços da energia limpa, como podem até gerar o que Pollitt denomina um efeito positivo de “infiltração” global. Assim, a comunidade climática observará com atenção os detalhes do comprometimento chinês em seu plano para 2021-25, a ser divulgado em abril.
Fonte: Deutsche Welle