Tiranossauros viviam em bandos? Cientistas debatem sobre novos vestígios fósseis

Novo sítio arqueológico de fósseis revela um grupo de tiranossauros mortos juntos, fornecendo novas evidências de que esses predadores apresentaram alguma forma de comportamento social.

Representação artística de grupo de tiranossauros afogados e crocodiliano se alimentando da carniça ao fundo.
FOTO DE ILLUSTRATION BY VICTOR LESHYK

Em julho de 2014, pesquisadores em busca de fósseis de tartarugas em terras públicas no sul de Utah encontraram indícios de um “assassino monstruoso”: o osso do tornozelo de um tiranossauro denominado Teratophoneus. Em algumas horas, retiraram com escovas a areia entre juníperos e pinheiros e encontraram restos mortais de diversos Teratophoneus — aparentemente mortos no mesmo local, simultaneamente.

Cientistas revelaram o sítio arqueológico ao mundo em um estudo publicado em 20 de abril de 2021 no periódico científico PeerJ, sugerindo a existência de grupos sociais entre tiranossauros. “O comportamento dos dinossauros e sua ecologia, sempre serão provavelmente um pouco mais complexos do que acreditamos”, afirma Alan Titus, autor principal do estudo, paleontólogo do Escritório de Manejo de Terras dos Estados Unidos, que trabalha no Monumento Nacional Grand Staircase-Escalante, onde está localizado o sítio arqueológico.

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Fósseis de um grupo de tiranossauros foram encontrados enterrados juntos no sítio “Rainbows and Unicorns Quarry” (“Pedreira Arco-Íris e Unicórnios”, em tradução livre) no Monumento Nacional Grand Staircase-Escalante. Um crânio da mesma espécie de tiranossauro, mostrado na imagem, foi encontrado cerca de três quilômetros ao norte do sítio arqueológico onde o grupo fora encontrado.
FOTO DE ALAN TITUS, BLM

Titus acredita que o sítio pode ser até mesmo evidência da ação conjunta de tiranossauros como caçadores cooperativos em bandos. “As evidências sugerem um comportamento gregário desses predadores terrestres gigantescos, bastante semelhante a uma alcateia de lobos e um bando de leões, o que é impressionante”, conta ele.

Contudo, como ele e outros especialistas observam, a caça em grupo é, na realidade, rara entre os predadores atuais. E o comportamento social entre os predadores pode variar desde a mais ínfima tolerância de outro indivíduo até ataques coordenados em grupo.

Os novos fósseis não são o primeiro exemplo de tiranossauros encontrados no mesmo local, porém uma reconstituição minuciosa da história geológica da região fornece evidências convincentes de que morreram em grupo. A questão mais difícil é o que faziam juntos.

O sítio Rainbows and Unicorns Quarry

O sítio de 75 milhões de anos — denominado Rainbows and Unicorns Quarry (“Pedreira Arco-Íris e Unicórnios”, em tradução livre) pelo colega de Titus devido ao fato de seus espécimes serem aparentemente incríveis — é o primeiro do gênero no sul dos Estados Unidos. No entanto está longe de ser o único a sugerir a existência de bandos de tiranossauros. Uma camada de depósitos ósseos em Alberta, Canadá, contém entre 12 e 14 corpos de Albertosaurus, aparentemente reunidos durante uma inundação. Em Montana, uma área com cerca de metade do tamanho de uma quadra de tênis contém os restos mortais de ao menos três Daspletosaurus. Até mesmo o sítio arqueológico na Dakota do Sul que rendeu o fóssil do famoso T. rex batizado de Sue continha restos mortais de outros indivíduos de T. rex.

Pegadas fósseis também contribuem para esse cenário. Em 2014, os cientistas anunciaram que as rochas encontradas na Colúmbia Britânica preservam pegadas de três tiranossauros que caminharam na mesma direção em um curto intervalo de tempo um do outro, ou talvez até mesmo simultaneamente. Pesquisadores argumentaram que o sítio poderia apontar para um comportamento social, até mesmo sugerindo um substantivo coletivo para um grupo de tiranossauros: um “terror”.

O novo estudo sobre o grupo de Teratophoneus fez um exame minucioso dos sedimentos no interior e ao redor dos ossos. A equipe suspeita que os tiranossauros foram mortos juntos em uma enchente sazonal. Suas carcaças foram então arrastadas pela água até um lago de baixa altitude e soterradas em lodo de fina granulação, que penetrou nas reentrâncias dos ossos.

Posteriormente, o lago secou e, depois disso, um rio próximo mudou de curso para o local onde os tiranossauros haviam sido sepultados. A correnteza movimentou e desarticulou os esqueletos, soterrando novamente os ossos desordenados na areia, onde foram encontrados pela equipe de Titus.

Os sedimentos do local também contêm manchas de carvão, o que implica que um incêndio florestal ocorreu na época em que os restos dos dinossauros foram novamente enterrados.

Vista aérea da paisagem do Monumento Nacional Grand Staircase-Escalante, em Utah, perto do local onde foram encontrados os ossos de tiranossauros.
FOTO DE ALAN TITUS, BLM

Socialização entre tiranossauros

Com diversas vertentes de evidências apontando para uma convivência ocasional entre tiranossauros lado a lado, os pesquisadores começaram a estudar parentes dos dinossauros para formular hipóteses sobre o que os dinossauros poderiam ter feito juntos.

Thomas Carr, paleontólogo da Faculdade Carthage em Kenosha, Wisconsin, que não participou do novo estudo, afirma que encontrar mais sinais de dinossauros sociais não deveria necessariamente ser uma surpresa. Afinal, os dinossauros extintos pertencem a um grupo maior denominado arcossauros, que inclui animais sociais modernos como aves, jacarés e crocodilos.

Os atuais arcossauros apresentam muitas formas de comportamento social. Algumas vezes, jacarés e crocodilos perseguem de forma oportunista a mesma presa sem se atacarem e direcionam peixes às bocas uns dos outros e águias-reais às vezes caçam em duplas. Mas esses comportamentos são extremamente raros ou então não dependem de estruturas sociais rígidas como as das alcateias modernas de lobos.

Exemplos efetivos de caça cooperativa dentro do grupo de arcossauros são poucos e raros. Talvez o melhor exemplo seja o gavião-asa-de-telha, ave de rapina que vive no sudoeste dos Estados Unidos. Em parte de sua área de distribuição, grupos de três a sete gaviões formam ninhos e caçam juntos. Mas em outros habitats, os falcões formam ninhos apenas em casais.

Ainda que os dinossauros extintos caçassem em bandos, os caçadores modernos podem não ser análogos perfeitos. Em um estudo de 2020, uma equipe liderada pelo paleontólogo Joseph Frederickson analisou o Deinonychus, parente do Velociraptor, que alguns paleontólogos especularam caçar em bandos de forma semelhante à dos lobos. Entre os lobos modernos, os filhotes se alimentam das presas dos adultos, então para testar se o Deinonychus apresentava o mesmo comportamento, Frederickson mediu traços químicos dentro de dentes de indivíduos pequenos e grandes de Deinonychus, encontrados nos mesmos locais.

Os conjuntos de dentes eram quimicamente distintos, o que significa que os jovens e adultos não consumiam os mesmos alimentos, refutando a hipótese de que o Deinonychus caçasse de fato em bandos.

Então, o que os Teratophoneus faziam juntos? “Adoraria testar essas e outras hipóteses (e considero fascinante esse conceito), mas duvido que algum dia saberemos a resposta a essa pergunta”, lamenta Frederickson, diretor do Museu Weis de Ciências da Terra da Universidade de Wisconsin. “Talvez o comportamento dos dinossauros sempre conserve uma faceta misteriosa para a humanidade.”

Cérebros de dinossauros

Outra maneira pela qual os cientistas podem descobrir mais sobre o comportamento dos tiranossauros é analisando as informações conhecidas sobre seus cérebros. Segundo Carr, comparados com seus parentes próximos, os tiranossauros possuíam cérebros bastante sofisticados, com regiões alargadas associadas ao equilíbrio e ao olfato. Contudo, se considerado o percentual do tamanho de seu corpo, os cérebros dos tiranossauros eram menores do que os das aves modernas e mais próximos aos dos atuais jacarés e crocodilos.

Jacarés e crocodilos podem ser sociais e muitas vezes vivem em altas densidades, mas nenhum deles caça regularmente em bando. Se existe alguma caça coordenada, como alegado por alguns pesquisadores, raramente parece ter sido observada.

Fósseis de tiranossauros no sítio arqueológico Rainbows and Unicorns Quarry, cobertos por camadas de gesso e estopa em preparação para o transporte ao laboratório de paleontologia do distrito de Paria River em Kanab, Utah.
FOTO DE ALAN TITUS, BLM

Todavia não é fácil reconstituir o cérebro de um animal, e ainda mais difícil determinar os tipos de comportamento possibilitados por esse cérebro, afirma Amy Balanoff, bióloga evolutiva da Universidade Johns Hopkins que estuda a evolução dos cérebros das aves. “A questão é que cérebros são bastante complexos… é preciso considerar o tamanho do cérebro, as conexões, o tamanho das conexões”, observa ela.

Balanoff acrescenta que saber o máximo possível sobre o comportamento dos tiranossauros — como chocavam os ovos, por exemplo — ajudaria a preencher as lacunas.

Talvez o sítio Rainbows and Unicorns Quarry em Utah ajude a propiciar um retrato mais nítido. Titus e seus colegas planejam realizar mais estudos no sítio dos Teratophoneus, talvez incluindo o mesmo tipo de análise química conduzida por Frederickson nos dentes de Deinonychus.

Também foram planejadas mais escavações — não apenas de dinossauros, mas também de outros fósseis. O local já foi um lago de água doce e canal fluvial, e assim contém ossos de tartarugas gigantes de água doce, bem como restos do primitivo crocodilo gigante Deinosuchus.

Titus fica empolgado ao se referir ao sítio — o que gerou a brincadeira de seu colega de que parecia bom demais para ser verdade e, por isso, conteria “arco-íris e unicórnios”. Agora, entretanto, “acredito que o nome quase não faz jus a sua importância”, brinca ele.

Fonte: National Geographic Brasil