Um importante capítulo da política de energia europeia está sendo escrito em Extremadura. A região no oeste da Espanha, na fronteira com Portugal, é famosa por suas cerejeiras em flor e seu presunto pata negra. Entre largas faixas de terra com muita natureza, os romanos deixaram suas marcas em cidades como Cáceres, Badajoz e a capital Mérida. Agora, quem quer explorar a região são fabricantes de bateria como Mario Celdrán.
O empresário investe muito dinheiro e energia nos mais diversos projetos, de imóveis à produção de grafeno, o “material miraculoso” que fascina os físicos por sua condutibilidade aliada a extrema leveza. Celdrán sempre se interessou por baterias: em 2016 sua Grabat Energy atraiu atenção no setor ao anunciar uma bateria de grafeno, com maior capacidade e maior rapidez de recarga do que as de litio-iônio.
Depois do anúncio, porém, a empresa se fechou em copas: durante anos, bloqueou as consultas pela imprensa, ao ponto de se espalhar a suspeita de que tudo fora um grande blefe.
Com a bênção da Comissão Europeia
Celdrán abandonou a firma, por “não estar mais de acordo com a estratégia”, e desde então se dedica a um projeto que promete colocar o país na primeira fileira da produção de baterias. Com sua nova companhia, a Phi4Tech, ele pretende criar em Extremadura uma cadeia de valor completa para células de lítio “made im Spain”.
A perspectiva desperta em muitos políticos locais e regionais a esperança de centenas de novas vagas de trabalho. Só na fábrica de baterias, serão investidos 400 milhões de euros, e o empresário já comprou uma mina de cobalto atualmente desativada, na divisa com a região da Andaluzia.
Os números e prognósticos são promissores: em 2019 foram extraídas no mundo 77 mil toneladas de lítio, e até 2024 a demanda do metal deverá duplicar. Afinal, cada vez mais montadoras de automóveis veem seu futuro na eletromobilidade, e tornam-se necessárias alternativas de armazenagem para energia renovável eólica e solar.
O resultado dessa procura crescente é que agora não só os grandes produtores tradicionais do “ouro branco”, como Austrália, Chile ou China, estão na mira das companhias mineradoras, mas também a Europa. O impulso parte igualmente da Comissão Europeia, cujo Acordo Verde visa fomentar a eletromobilidade e a fabricação de células de armazenagem na União Europeia.
Temores dos cidadãos não são levados a sério
Nesse contexto, ganham interesse as jazidas da região fronteiriça luso-espanhola, consideradas as maiores do continente. O governo de Portugal definiu uma estratégia nacional para o lítio, englobando toda a cadeia de valor, da extração à fabricação de células. No entanto, de ambos os lados da fronteira, os planos despertam protesto da população.
Em Extremadura, depois que uma iniciativa cidadã conseguiu impedir o projeto de extração perto de Cáceres, está anunciada uma outra mina na cidade vizinha de Cañaveral, de mil habitantes. A produção de lítio para a fábrica de Celdrán corre sob o rótulo green mining – mineração verde – e seria especialmente ecológica.
Para os críticos, tudo não passa de marketing. “Eles destroem natureza preciosa, e além disso vão roubar nossa água”, afirma Julio César Pintos Cubo, da iniciativa contra a mina, que promoveu uma passeata de protesto de oito quilômetros até a prefeitura de Cañaveral.
Este e outros movimentos em Extremadura partem da convicção de que a região pouco populosa (com cerca de 25 habitantes por quilômetro quadrado) possa se tornar vítima da exploração de matérias-primas. Eles também temem que a mina não vá favorecer tanto o mercado de trabalho local quanto anunciado, e que as promessas se dissolvam no ar.
Acima de tudo, é grande a desconfiança em relação aos empresários. Apesar de tudo, Mario Celdrán se mostra otimista: “É preciso levar as pessoas junto, lhes explicar o projeto.” Segundo os opositores, contudo, até agora isso não aconteceu.
Luta perdida?
Mesmo que fracasse o projeto da mina em Cañaveral, a fábrica de baterias será construída, assegura Celdrán, tranquilo: a matéria-prima virá, então, de outros locais de extração na Europa ou no resto do mundo. Ao sul de Madri, já está sendo construído um primeiro polo de testes para as células, e lá a Phi4Tech mantém também seu laboratório de desenvolvimento.
Enquanto em Cáceres a maioria dos cidadãos é contra a exploração, em Cañaveral defensores e críticos se confrontam. Segundo a prefeitura, escutam-se pela rua moradores para os quais a mina e uma eventual fábrica de cátodos seriam um antídoto contra a lenta extinção do lugarejo. Toda Extremadura sofre de evasão demográfica crônica.
Enquanto isso, a luta contra a exploração de lítio prossegue. Mas não será fácil: ao contrário da de Cáceres, que fora planejada próximo à cidade, há um monte entre Cañaveral e a mina, e a maior parte dos cidadãos mal se daria conta das atividades extrativas.
Apenas os 80 moradores de um pequeno povoado seriam afetados pela poeira, barulho e falta d’água. No entanto, esses males já os afligem: a pouca distância atrás de suas casas, corre um trecho ferroviário de alta velocidade, durante cuja construção foi danificado um reservatório de água freática. E entre o povoado e a mina planejada correm fios de alta tensão e uma autoestrada.
Com a passeata de protesto, os adversários da mina de lítio tentaram atrair atenção para sua causa e forçar os políticos locais a repensarem. No entanto praticamente nenhum veículo da imprensa da região noticiou a respeito. Talvez fizesse calor demais para os jornalistas, ou o protesto com pouco mais de 100 participantes fosse insignificante demais. Ou nas redações já esteja claro que, de qualquer modo, a mina virá.
Fonte: Deutsche Welle