Botos amazônicos são vistos em novas áreas do Amapá, mostra estudo

Pesquisadores brasileiros tentam explicar ocorrência de botos-cor-de-rosa, tucuxis e botos cinzas em novos rios, inclusive em um sem ligação com outros corpos d'água

Acima, botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) no Rio Negro, afluente do Rio Amazonas (Foto: Mark Carwadine/WWF Brasil)

Localizado no extremo norte do estado do Amapá, o rio Cassiporé não aparenta ser uma via de acesso para animais como os botos. Sem ligação alguma com a bacia amazônica, o rio que nasce na altura do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), situado entre solo amapaense e paraense, só tem conexão com outros grandes corpos d’água pelo Oceano Atlântico, onde desagua.

Mas os golfinhos de água doce surpreenderam um grupo de pesquisadores brasileiros que, após agrupar dados sobre a distribuição desses cetáceos entre 2008 e 2020 na região, não só encontraram botos amazônicos no Cassiporé, como em mais de 6 mil km de rios no Amapá. Esses corpos d’água cruzam regiões do estado onde a existência desses animais, embora já fosse sugerida pelas comunidades locais, ainda não havia sido confirmada por estudos de campo.

O levantamento, publicado recentemente no periódico científico Aquatic Mammals, foi conduzido por pesquisadores do WWF-Brasil, do Instituto Mamirauá e do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA). A equipe agrupou informações coletadas ao longo de 12 anos a partir de viagens ao local, pesquisa bibliográfica e entrevistas com ribeirinhos, agricultores e autoridades locais.

Foram identificados 148 registros de botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e do gênero Sotalia (tucuxis e botos cinzas) na região, em uma área de ocorrência de 4.224 km e 2.596 km de rios, respectivamente. “Tudo é novo, pois não havia nada publicado sobre estes animais naquela região”, avalia Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá. “Estamos escrevendo a história dos mamíferos aquáticos do Amapá agora”, acrescenta a pesquisadora, em comunicado.

As três espécies em questão encontram-se ameaçadas em algum nível: enquanto a primeira integra a lista de animais em perigo de extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o boto cinza é considerado “vulnerável” e o tucuxi é tido como “quase ameaçado”. De acordo com os pesquisadores, todas as espécies desses cetáceos Brasil afora estão ameaçadas pela modificação de seus habitats, que estão distribuídos em apenas 14 países na Ásia e na América do Sul.

Acima, botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) no Rio Ariaú, no Amazonas (Foto: Kevin Schafer/WWF Brasil)

Na Amazônia, que abriga a maioria desses cetáceos de água doce, um dos principais fatores de preocupação para a sua conservação é a presença de hidrelétricas, segundo o estudo. Isso porque a construção de barragens para a produção de energia hidrelétrica pode limitar a movimentação desses animais, o que estimula o isolamento de populações e, a longo prazo, a sua possível extinção.

Além disso, outras duas ameaças à sobrevivência dos botos amazônicos são a criação de búfalos e a exploração do garimpo na região. Enquanto a presença dos rebanhos afeta a dinâmica dos rios devido ao pisoteamento da paisagem hidrológica, as atividades garimpeiras podem contaminar esses animais, que ocupam o topo da cadeia alimentar.

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A fim de estimular atividades locais de preservação desses animais, os pesquisadores sugerem que as novas ocorrências sejam incluídas na lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). “O conhecimento da distribuição geográfica das espécies é fundamental para responder a muitas questões ecológicas e sustenta o manejo de conservação eficaz”, considera, em nota, Marcelo Oliveira, especialista em conservação do WWF Brasil.

Uma das questões que mais intrigam os cientistas é entender como os botos amazônicos conseguiram chegar ao rio Cassiporé. Eles já têm um palpite: em épocas de grande vazão do rio Amazonas, o forte fluxo de água doce seria capaz de formar uma pluma na faixa litorânea do corpo d’água, onde a água é mais doce do que salobra, o que teria permitido a transição dos cetáceos.

E como esses animais interagem com a pororoca, um fenômeno natural caracterizado pelo encontro entre as águas do rio e as do mar? Essa é outra pergunta para a qual os cientistas ainda não têm respostas. “Ainda precisamos entender como é a relação desses animais com o mangue e se eles seguem migrando para outros rios pelo mar”, questiona Marmontel.

Fonte: Galileu