Anticorpos contra coronavírus detectados em cervos selvagens

Novo estudo detectou anticorpos contra o coronavírus em 40% dos cervos testados este ano nos EUA. Saiba por que essa informação é importante.

Nova pesquisa sugere que veados-de-cauda-branca estão sendo infectados pelo coronavírus na natureza, provavelmente contraindo-o de humanos.
FOTO DE BEN HASTY, MEDIANEWS GROUP/READING EAGLE VIA GETTY IMAGES

O veado-de-cauda-branca, uma espécie encontrada em todos os estados dos Estados Unidos, exceto no Alasca, parece estar contraindo o coronavírus na natureza, de acordo com o primeiro estudo realizado para buscar evidências de um surto em veados selvagens.

Pesquisadores do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) analisaram amostras de sangue de mais de 600 cervos em Michigan, Illinois, Nova York e Pensilvânia coletadas na última década e constataram que 40% dos 152 cervos selvagens testados de janeiro a março de 2021 tinham anticorpos contra o SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19. Outros três cervos de janeiro de 2020 também tinham anticorpos.

A presença de anticorpos significa que provavelmente os cervos tiveram contato com o vírus e que seus organismos tentaram combatê-lo. Os animais não pareciam doentes, então provavelmente tiveram infecções assintomáticas, afirma o USDA. Aproximadamente 30 milhões de veados-de-cauda-branca vivem nos Estados Unidos. 

“O risco de os animais transmitirem o SARS-CoV-2 aos humanos é considerado baixo”, comenta o USDA à National Geographic em um comunicado. Ainda assim, os resultados podem sugerir “a criação de um reservatório secundário de SARS-CoV-2 na vida selvagem dos Estados Unidos”, diz Jüergen Richt, veterinário e diretor do Centro de Doenças Infecciosas Zoonóticas e Emergentes da Universidade Estadual de Kansas, que não participou do estudo do USDA. Se o vírus estiver circulando em outras espécies, pode continuar evoluindo, talvez de maneiras que o tornem mais severo ou transmissível, prejudicando os esforços realizados para desacelerar a pandemia.

No início deste ano, os pesquisadores constataram que os cervos são suscetíveis ao vírus quando infectados em laboratório — e que podem transmiti-lo uns aos outros. Mas até o momento, os cientistas não sabiam se as infecções estavam ocorrendo na natureza. O vison foi a única espécie que, de acordo com resultados de laboratório, contraiu o vírus na natureza, embora gatos, cães, lontras, leões, tigres, leopardos-das-neves, gorilas e um puma também tenham sido atingidos por surtos em cativeiro ou zoológicos. 

O novo relatório do USDA foi publicado em um site de artigos científicos que ainda não foram revisados por pares. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos não responderam ao pedido de comentário.

Transmissão humana

“No momento, não há evidências de que o SARS-CoV-2 esteja exercendo efeitos prejudiciais sobre os cervos. E, no que diz respeito aos humanos, nosso maior problema está na transmissão entre as pessoas”, diz Daniel Bausch, especialista em doenças zoonóticas que reside na Suíça e diretor de ameaças emergentes e segurança da saúde global da organização sem fins lucrativos Find, que desenvolve testes para doenças disseminadas em comunidades afetadas pela pobreza.

O USDA diz que o risco para as pessoas que caçam veados-de-cauda-branca não é alto. Embora os pesquisadores aleguem que o vírus pode ter originalmente saltado de um hospedeiro animal e infectado pessoas em um mercado de produtos perecíveis na China, onde animais selvagens eram abatidos e vendidos como alimento, cuidados tomados na preparação dos alimentos fazem a diferença.

Não há “nenhuma evidência de que seja possível contrair covid-19 consumindo alimentos contaminados, incluindo carne de animais selvagens”, segundo o USDA. O departamento não emitiu novas orientações, mas ressalta as recomendações do governo sobre boas práticas de higiene no processamento de animais, que incluem cozinhar e armazenar a carne adequadamente, bem como limpar e desinfetar todas as facas, superfícies e equipamentos.  

Não se sabe exatamente como os cervos podem ter sido expostos ao vírus, embora os pesquisadores suspeitem que tenham sido infectados por humanos. “Diversas atividades podem colocar os cervos em contato com as pessoas, incluindo o manuseio desses animais em cativeiro, pesquisa de campo, trabalhos de conservação, turismo de vida selvagem, reabilitação de animais selvagens, alimentação suplementar e caça”, escreveram os pesquisadores do USDA. Outras possibilidades incluem infeção por meio de águas residuais contaminadas ou da exposição a outras espécies infectadas, como o vison.

Os pesquisadores também não sabem se os cervos estão transmitindo o vírus uns aos outros ou a outras espécies.

Ampliando a rede

Há também a possibilidade de os cervos não terem contraído o SARS-CoV-2, diz Bausch. Outra explicação seria um fenômeno conhecido como reatividade cruzada, quando o exame detecta anticorpos contra outros coronavírus, o que pode ter acontecido com os testes do USDA.

O USDA afirma que isso é improvável. Os pesquisadores utilizaram um teste de rastreamento de anticorpos contra SARS-CoV-2 que está disponível no mercado e que apresenta alta precisão em outras espécies. O USDA também ajudou a descartar as chances de reatividade cruzada testando um subconjunto das amostras com um segundo tipo de teste de pesquisa de anticorpos ainda mais específico para o SARS-CoV-2. Os resultados do segundo teste refletiram as constatações anteriores, sugerindo que os testes estavam realmente detectando anticorpos contra o SARS-CoV-2, segundo informado pelo USDA à National Geographic em um comunicado.

Amostras de sangue coletadas de cervos anteriormente à pandemia também reforçam os resultados: se os testes estivessem detectando apenas anticorpos contra outros coronavírus, os níveis de anticorpos em cervos provavelmente seriam semelhantes em amostras coletadas antes e durante a pandemia. No entanto, quando os pesquisadores testaram 239 amostras coletadas antes de janeiro de 2020 de um grupo um pouco mais amplo que também incluía cervos de Nova Jersey, obtiveram apenas um teste positivo — de 2019. (O USDA diz que o único valor discrepante foi quase certamente um falso positivo, uma vez que apresentava um nível muito baixo de anticorpos. Richt afirma que a conclusão do USDA sobre o resultado falso positivo parece razoável.) 

Bausch afirma que realizar os dois tipos de testes permite maior confiança nos resultados. Ainda assim, é possível que a reatividade cruzada seja um problema. “Existem diversos coronavírus que circulam em animais e provavelmente muitos que ainda não descobrimos”, explica ele. De acordo com Bausch, a forma mais confiável de descartar a reatividade cruzada seria isolar o vírus em uma cultura celular — talvez testando as secreções respiratórias de cervos. Contudo, isso exigiria encontrar um cervo quando ele estivesse com uma infecção ativa pelo coronavírus.

Segundo os pesquisadores, a exposição ao vírus pareceu variar bastante de acordo com o local. Dos quatro estados, Michigan tinha a maior porcentagem de cervos com anticorpos contra o SARS-CoV-2 — 67%. O estado foi seguido pela Pensilvânia, com 44%, por Nova York, com 31% e por Illinois, com 7% das amostras contendo anticorpos. Os cervos com anticorpos contra o coronavírus também estavam concentrados em condados específicos, relata o USDA. De acordo com o estudo, “quase metade dos 32 condados amostrados não apresentavam evidências” de exposição ao coronavírus.

“Esses resultados reforçam a necessidade de monitorar a vida selvagem continuamente e de ampliar o monitoramento a fim de determinar os efeitos do SARS-CoV-2 em cervos selvagens”, afirma o USDA. Agora, escreveram os pesquisadores, também é importante procurar o vírus em predadores e animais carniceiros que podem se alimentar de cervos.

Fonte: National Geographic Brasil