O terremoto de magnitude 7,2 que abalou o Haiti sábado passado (14/08) fez ao menos 2.189 mortos e 12.268 feridos, segundo o balanço mais recente da proteção civil haitiana, divulgado nesta quinta-feira. Cerca de 53 mil casas foram destruídas, e outras 77 mil sofreram danos.
“No contexto internacional, o Haiti está sempre na lista de países de elevado risco”, comenta a diretora regional para América Latina da ONG alemã de ajuda humanitária Diakonie Katastrophenhilfe, Daniela Simm.
E não se trata apenas de terremotos. Muitos furacões também passam pelo Haiti. E o país ainda é atingido por secas causadas pelo fenômeno El Niño.
Uma das piores catástrofes naturais dos últimos anos é o trágico terremoto de 2010, que tirou a vida de 316 mil pessoas, pelas estimativas oficiais, e deixou feridas outras tantas. Cerca de 1,5 milhão de pessoas, ou 14% da população, ficou desalojada.
Apesar de aquele tremor, de magnitude 7, ter sido um pouco mais fraco do que o atual, a devastação causada foi muito maior. Isso porque o epicentro então esteve nas redondezas de Porto Príncipe, onde moravam cerca de 10 milhões de haitianos, ou um quarto da população do país.
Em 2016, mais de 500 pessoas morreram na passagem do furacão Matthew, e outras 35 mil ficaram desalojadas. Em torno de 1,4 milhão necessitaram de ajuda emergencial.
Devido aos eventos climáticos extremos registrados entre 2000 e 2019, a ONG ambientalista alemã Germanwatch colocou o Haiti na terceira posição, atrás da ilha vizinha de Porto Rico e de Mianmar, no seu atual Índice de Riscos Climáticos.
Fortes tempestades tropicais, algumas delas furacões, atingem o Haiti praticamente todos os anos. Também agora, poucos dias depois do terremoto, a tempestade tropical Grace levou chuva pesada à região atingida e colocou as pessoas em perigo ainda maior.
A catástrofe política
Mas não são apenas as catástrofes naturais que jogam o país de uma crise para a outra. O Haiti, como a maioria dos países latino-americanos, têm um sangrento passado ditatorial. O fim da ditadura de Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, em 1986, não significou o início de um período democrático pacífico.
Em 2004, um golpe de Estado derrubou o então presidente, Jean-Bertrand Aristide, e desestabilizou o Haiti. As Nações Unidas enviaram uma força internacional interina, que poucas semanas depois foi substituída pela força de paz Minustah, liderada pelo Brasil e que ficou no Haiti até 2017.
Mas até hoje o Haiti não se transformou numa democracia estável. Protestos violentos são comuns. O último deles ocorreu no início de 2021. Adversários políticos muitas vezes recorrem à violência, não raro com a participação de grupos criminosos.
Crise no vácuo de poder
Especialistas avaliam que o assassinato do presidente Jovenel Moïse, no início de julho, não é um caso isolado, mas o resultado de uma crise política interna duradoura.
A luta pelo poder que se seguiu à morte de Moïse evidenciou mais uma vez a fragilidade do Estado de direito haitiano. Dos três aspirantes à presidência interina, quem se impôs foi o primeiro-ministro designado, mas não empossado, Ariel Henry.
A consultoria americana Stratfor avaliou que Henry pode se aproveitar da crise atual para se consolidar no poder. “Henry possivelmente vai tirar proveito do terremoto para adiar as eleições e coordenar a ajuda internacional de maneira a servir a seus interesses.”
Segundo Simm, da ONG alemã Diakonie Katastrophenhilfe, organizações privadas de ajuda humanitária tentam de todas as maneiras escapar da influência política. “Como ONG, nós cooperamos com parceiros locais não governamentais. Isso significa que nós nos coordenamos com a defesa civil local, mas não financiamos estruturas locais de governo.” Já a ajuda financeira estatal geralmente vai de um governo para o outro.
Estado fraco prejudica a ajuda
É incontestável que o Haiti depende de ajuda externa. É o país mais pobre do lado ocidental do Oceano Atlântico. É também o pior da América em educação. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU está pouco acima do nível da região do Sahel, na África.
A isso soma-se uma elevada criminalidade. A segurança já é precária mesmo em tempos “normais” e fica ainda pior quando há crises humanitárias. “Frequentemente temos dificuldades para transportar bens de ajuda humanitária de Porto Príncipe para as regiões, em especial o sul, porque os grupos criminosos tornam impossível passar por algumas áreas de Porto Príncipe”, diz Simm.
Esperança em meio ao caos
A precariedade do Estado haitiano se evidencia também nas fases de reconstrução. Dois anos depois do terremoto de 2010, mais da metade dos desalojados ainda vivia em barracas.
Numa situação como essa, tanto mais gratificante é ver o resultado do próprio trabalho. Em 2016, depois da passagem do furacão Matthew, a Diakonie Katastrophenhilfe apoiou a construção de casas resistentes a furacões e terremotos em Camp-Perrin, uma das regiões mais atingidas pelo mais recente terremoto.
“E agora pudemos constatar: as casas estão de pé, sem rachaduras. E além disso serviram de abrigo a outras famílias, cujas casas foram destruídas ou danificadas”, comenta Simm.
Fonte: Deutsche Welle