O salto de vírus de animais selvagens para os humanos não é só uma das principais teorias sobre a origem do Sars-CoV-2 como também deverá ser a “causa-raiz” de futuros surtos infecciosos caso o mundo não fortaleça atividades de conservação florestal. Essa é uma das conclusões de um relatório publicado nesta quarta-feira (18) por uma força-tarefa internacional de cientistas que alerta para a associação entre o desmatamento e o risco de epidemias de doenças zoonóticas.
A Força-Tarefa Científica sobre Prevenção de Pandemias, liderada pelo Instituto de Saúde Global da Universidade Harvard (HGHI) e o Centro para o Clima, Saúde e Meio Ambiente Global da Escola de Saúde Pública TH Chan, também de Harvard, reuniu as descobertas mais recentes sobre fatores capazes de contribuir para o transbordamento (spillover, em inglês) de agentes infecciosos para a espécie humana e quais ações são necessárias para evitar uma próxima pandemia.
O documento, produzido entre maio e agosto de 2021, afirma que as mudanças no uso da terra estão entre os principais riscos para a transmissão de possíveis patógenos pandêmicos. Duas delas têm destaque: a destruição de florestas tropicais e a expansão desenfreada de terras agrícolas, especialmente perto de assentamentos humanos.
O desmatamento nas Américas foi associado a um aumento nos reservatórios de roedores para a Síndrome Pulmonar por Hantavírus (HPS, na sigla em inglês), doença viral transmitida por ratos selvagens ou por saliva humana. Além disso, locais com desflorestamento recente apresentaram maior probabilidade de surtos de ebola. “Durante o desmatamento, as espécies animais que sobrevivem ou prosperam tendem a ser menos sensíveis aos distúrbios humanos e, portanto, são as mais capazes de infectar pessoas ou a pecuária”, explica o relatório. “As atividades de conservação florestal podem reduzir o risco de propagação de doenças zoonóticas”, afirma os pesquisadores.
A caça e o comércio de animais selvagens e as mudanças climáticas também são citadas pelo texto como ações que estão reduzindo habitats e empurrando espécies terrestres e marítimas para novas localizações, o que cria mais oportunidades para que os patógenos “pulem” para hospedeiros humanos.
Como evitar uma pandemia?
Ao menos quatro recomendações para reduzir os riscos de futuros surtos zoonóticos são destacadas pelos cientistas: maiores investimentos em conservação florestal, especialmente nos trópicos; melhorias na biossegurança em torno de fazendas de gado e animais selvagens, sobretudo quando a criação ocorre perto de grandes populações humanas ou em rápido crescimento; expansão da agricultura sustentável; e fortalecimento dos sistemas de saúde de países de média e baixa rendas.
O relatório sugere ainda o estabelecimento de um fórum estratégico intergovernamental com o objetivo de preparar o mundo para o risco de futuras epidemias e o mapeamento contínuo de vírus com potencial zoonótico. De acordo com os pesquisadores, apesar dos esforços recentes de iniciativas como o Projeto Viroma Global e o PREDICT, ainda há cerca de 1,67 milhão de espécies virais desconhecidas abrigadas em reservatórios animais. Desse total, entre 631 mil e 827 mil devem ter potencial zoonótico, segundo o documento.
“Mais pesquisas podem ajudar a identificar onde as zoonoses virais com alto risco de pandemia têm maior probabilidade de surgir e como reduzir o risco de transbordamento no comércio de animais selvagens”, escrevem os autores. “A descoberta de vírus na vida selvagem pode ajudar a informar onde as atividades de prevenção de transbordamento devem ser focadas, ao mesmo tempo em que beneficia a conservação da vida selvagem”.
Investimentos insuficientes – e o mau exemplo do Brasil
Os investimentos feitos anualmente para conter um spillover, no entanto, ainda estão longe do ideal. Segundo o documento, eles não ultrapassam US$ 4 bilhões, ao passo que a pandemia de Covid-19 sozinha resultou em uma perda de Produto Interno Bruto (PIB) global estimada em US$ 4 trilhões. Se o valor aplicado em atividades de prevenção fosse de US$ 22 bilhões a US$ 31 bilhões por ano, o relatório sugere que o mundo poderia reduzir o risco de lidar com as perdas humanas e econômicas de uma epidemia zoonótica.
Mas a eficácia das iniciativas para lidar com o desmatamento, o comércio de animais selvagens e outras causas de transmissão de zoonoses também depende muito da continuidade dos esforços para alcançá-los. “Fluxos de financiamento instáveis, convulsões políticas, prioridades em mudança concorrentes e práticas culturais podem prejudicar o progresso na redução dos impulsionadores do risco de transbordamento”, afirma o texto.
O grupo cita a Amazônia como um exemplo de como a ausência da manutenção desses esforços pode interromper o progresso da conservação. “As taxas de desmatamento na Amazônia brasileira caíram aproximadamente 70% entre 2005-2012 devido a políticas públicas combinadas com ações públicas e privadas. Uma mudança no governo resultou em rápida aceleração do desmatamento, de tal forma que as taxas de desmatamento atingiram recordes decadais em 2020″, destaca o estudo.
“Devemos tomar medidas que evitem que as pandemias comecem, interrompendo a propagação de doenças de animais para humanos. Quando o fizermos, também podemos ajudar a estabilizar o clima do planeta e revitalizar sua biosfera, cada uma das quais é essencial para nossa saúde e bem-estar econômico”, avalia Aaron Bernstein, líder da força-tarefa, em comunicado.
Fonte: Galileu