Se você caminhar por um pântano montanhoso ao longo da costa oeste da América do Norte no verão, provavelmente encontrará uma Triantha occidentalis (falso asfódelo ocidental, em tradução livre), uma planta despretensiosa de caule verde-escuro e flores brancas.
Ao que tudo indica, a T. occidentalis, encontrada do Alasca ao sul da Califórnia, esconde um segredo: é uma planta carnívora.
Recentemente, o botânico Qianshi Lin ouviu de um colega estudante da Universidade de Colúmbia Britânica que a planta tinha estruturas no caule que se pareciam com as pegajosas armadilhas que outras plantas carnívoras, como as plantas do gênero Drosera, utilizam para capturar insetos. Então, Lin decidiu descobrir se a flor da planta também apresentava semelhanças.
A pesquisa de Lin mostra que, a T. occidentalis, uma planta conhecida pela ciência há mais de um século, realmente captura e digere pequenos insetos. Segundo um estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, cerca de dois terços do nitrogênio nas folhas da planta, nutriente essencial à sua sobrevivência, são provenientes desses animais.
“Esse tipo de planta vira o jogo contra os animais e devora insetos. Isso é muito interessante”, diz Lin, atualmente pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Toronto.
Anteriormente a esse estudo, os cientistas sabiam que a carnivoria havia evoluído 11 vezes em diferentes tipos de plantas. A atual descoberta representa a décima segunda evolução independente dessa característica, explica Lin.
Carnívoros raros
T. occidentalis têm algumas semelhanças com as plantas do gênero Drosera, que compreende mais de 150 plantas que capturam insetos com seus filamentos pegajosos e de cores vibrantes, quando então secretam enzimas que digerem e liquefazem os animais, absorvendo-os inteiros.
Mas essas flores do pântano pertencem a uma família de pequenas plantas perenes herbáceas, a Tofieldiaceae, que não possui carnívoros conhecidos. As T. occidentalis também têm uma estação de crescimento muito curta: brotam após o derretimento da neve em maio, florescem em junho e julho, produzem sementes e murcham no início do outono.
Como a T. occidentalis, a maioria das plantas carnívoras é encontrada em locais ensolarados com solo pobre em nutrientes, onde a capacidade de digerir insetos representa uma vantagem. No entanto, produzir estruturas capazes de capturar e devorar animais demanda muita energia e acredita-se que apenas 0,2% das plantas com flores possuam essa habilidade.
A carnivoria dessa planta havia até então passado despercebida porque os filamentos utilizados na captura dos insetos são muito pequenos e crescem apenas no caule da flor — uma característica incomum entre as plantas carnívoras conhecidas, conta Lin.
Botânicos encontraram essas estruturas perto de flores, mas não exclusivamente neste local, como é o caso dessa espécie, comenta Adam Cross, ecologista que estuda plantas carnívoras na Universidade Curtin, na Austrália, e que não participou do estudo. Caçar insetos que possivelmente sejam polinizadores pode ser contraproducente, afirma Lin — mas o estudo demonstrou que essa flor do pântano quase sempre captura pequenas formigas e moscas, e não polinizadores maiores, como as abelhas.
Andreas Fleischmann, cientista do Botanische Staatssammlung München, um herbário e centro de pesquisa alemão, diz que simplesmente considerar a planta como “carnívora” pode deixar de lado algumas possíveis qualificações. Ele afirma que a atuação da planta pode ser descrita de forma mais correta como um “sistema de autodefesa”, pois os filamentos pegajosos também parecem servir para impedir que insetos não polinizadores entrem nas flores.
“Na minha opinião, o principal critério para considerar uma planta como sendo carnívora não é apenas se ela digere os insetos… mas se consegue atrair a presa”, diz Fleischmann, que não participou do estudo. E ele não acredita que os filamentos pegajosos da Triantha atraiam insetos.
Revelando o segredo de uma planta
Provar que uma planta é carnívora é mais difícil do que pode parecer. Lin primeiro alimentou 150 moscas-das-frutas em cativeiro com um meio contendo nitrogênio-15, um isótopo estável de nitrogênio que contém um nêutron adicional e que pode ser usado para rastrear a transferência de nutrientes dos animais para as plantas.
Lin e seus colegas disponibilizaram as moscas-das-frutas a 25 plantas T. occidentalis em um pântano na Colúmbia Britânica, colocando os insetos nos caules das flores. Depois de várias semanas, os cientistas colheram as plantas e analisaram sua química. Os resultados revelaram o nitrogênio-15 na composição de suas folhas, provando que os nutrientes das moscas haviam sido absorvidos e incorporados à planta. Para ser mais exato, 64% do nitrogênio das plantas do estudo era proveniente das moscas.
Os pesquisadores também examinaram os filamentos pegajosos e descobriram que eles excretam fosfatase, uma enzima encontrada em outras plantas carnívoras que ajuda a quebrar o tecido e liberar fósforo, outro nutriente importante para as plantas.
Os resultados do estudo revelam o quanto os cientistas botânicos ainda precisam descobrir, mesmo com relação a espécies já conhecidas.
“Precisamos de mais botânicos no campo que sejam observadores para descobrir essas plantas carnívoras enigmáticas”, diz Hoe-Han Goh, pesquisador botânico da Universidade Nacional da Malásia, que não participou do estudo.
Lin concorda. “Isso mostra que existem mais plantas carnívoras na natureza esperando para ser encontradas.”
Fonte: National Geographic Brasil