Brasil comercializou mais de 200 toneladas de ouro ilegal em cinco anos

Do volume total do ouro com indício de ilegalidade, 54% veio da Amazônia, o que também impacta nos casos de violência e desrespeito aos direitos humanos na região

Quantificar os indícios de ilegalidade é difícil, em razão das fraudes do mercado e do difícil controle da origem do ouro (Foto: Reprodução/Wikimedia Commons)

Entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou cerca de 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, aponta pesquisa realizada pelo Instituto Escolhas divulgada nesta quinta-feira (10). Isso significa que, nesse intervalo, quase metade desse minério produzido e exportado pelo país tem origem duvidosa. O estudo tem como base mais de 40 mil registros de extração e comercialização da Agência Nacional de Mineração (ANM), além de imagens espaciais que podem identificar pontos de garimpo.

Em razão das fraudes do mercado e do difícil controle da origem do ouro, quantificar os indícios de ilegalidade é um desafio. “Esse esforço de pesquisa é um dado inédito, e corresponde a uma situação recorrente, o que revela um sistema de produção e comercialização de ouro corrompido”, definiu Larissa Rodrigues, Gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas e coordenadora da pesquisa, em coletiva de imprensa.

Além disso, há diversas práticas ilegais e comuns na mineração. No estudo, diversas delas foram levadas em conta para chegar a esses dados. É o caso do ouro extraído em Terras Indígenas ou em Unidades de Conservação (onde a atividade não é permitida) ou sem informação dos títulos de origem.

Todo ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para empresas que são autorizadas pelo Banco Central, as Distribuidoras de Títulos e Valores Imobiliários (DTVMs). Por conta da falta de controle, é possível declarar que minério ilegal tenha vindo de áreas autorizadas, desde que indique um registro de título de extração válido. “Assim, o ouro é ‘lavado’ e entra no mercado como se fosse legal. Quando isso acontece por meio do registro de um título válido, onde, na realidade, não há nenhuma atividade mineral acontecendo, ele é chamado de ‘título fantasma’”, explica o comunicado.

Além dos “títulos fantasmas”, o ouro extraído de locais legalizados, mas em regiões para além dos limites autorizados também compõe os registros de ilegalidade.

Do volume total do ouro com indício de ilegalidade, 54% veio da região amazônica, principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%). “Isso tem impactos até com violência e desrespeito a direitos na Amazônia, como acontece com os povos Yanomami e Munduruku”, acrescentou ela. Por fim, o minério vendido sem informação da origem ou aquele exportado sem registro que corresponda à produção oficial (vendendo mais do que produz), também entra nessa conta.

Impactos dentro e fora do Brasil

Outra questão apontada pelo relatório é a contaminação dos mercados internacionais com ouro ilegal. Diversos países que importam o minério do Brasil, como Índia, Canadá, Suíça e Inglaterra, também precisam controlar a origem das suas importações. “Além do controle e de sistemas de digitalização dessas informações, uma alternativa para combater a ilegaldiade é o reconhecimento do Brasil e da Amazônia como áreas de conflito e alto risco. É uma demanda concreta para a qual já existe solução legal”, explicou Rodrigues.

Em relação ao contexto nacional, a pesquisadora aponta que todo o conjunto de regras acerca da extração de ouro precisa ser reformulado. “Dado o volume de registros de ilegalidades, é preciso, no mínimo, acabar com o registro de boa-fé nessas relações”, disse Rodrigues, referindo-se à lei 12.844/2013, que facilita a “lavagem de ouro” e exime as DTVMs  da responsalidade pelas irregularidades. Por meio dessa norma, as compras de ouro podem ser “feitas de boa-fé, desde que guardem os formulários preenchidos pelos próprios garimpeiros com uma autodeclaração da origem do ouro”.

A “boa-fé” se configura como conflito de interesses, segundo ela. De acordo com o levantamento, das mais de 200 toneladas de ouro com indício de ilegalidade, um terço é de responsabilidade de apenas quatro empresas que compõem as principais DVTMs: a F.D’Gold, a OM (Ourominas), a Parmetal e a Carol. Isso significa que, no período analisado, 87% da produção delas têm origem e registro duvidosos. “Essas empresas não só comercializam ouro, mas têm vinculações empresariais e familiares espalhadas por toda a cadeia do ouro”, apontou Rodrigues.

Os laços entre elas começam na extração e passam pelo refino, pelas exportações e até pelas relações políticas. O conflito de interesse se apresenta ao constatar as proximidades entre aqueles que vendem o ouro e aqueles que deveriam supervisionar todo o processo de extração, registro e exportação.

Além disso, ela explicou que o garimpo – hoje uma atividade industrial e altamente mecanizada, com a presença de grande maquinário de extração – ainda é tratada como uma atividade artesanal e rudimentar. Um encaminhamento para essa questão seria a extinção do regime de Permissão de Lavra Garimpeira.

A gerente destaca que, apesar da complexidade da tarefa de colocar fim a esse problema, é possível realizar esse controle a partir de medidas dos atores envolvidos nessa cadeia. “Além das exigências na pesquisa um sistema de rastreabilidade, com mais regras para o Banco Central, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia e a ANM, a fim de comprovar a origem do ouro, com contrato entre as pessoas envolvidas, e responsabilização para o caso de novos indícios de ilegalidade – e até mesmo para controle trabalhista”, concluiu.

Fonte: Galileu