Com o sucesso do remake da história de amor entre Juma Marruá e Joventino Leôncio na TV Globo, o Pantanal tem ganhado os holofotes da mídia e a atenção do público. Infelizmente, no entanto, a região conhecida como a maior zona úmida do mundo vem correndo o sério risco de colapsar.
Localizado na Bacia do Alto Paraguai (BAP), no coração da América do Sul, o Pantanal abrange parte dos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e áreas na Bolívia e no Paraguai.
De acordo com um artigo publicado na revista científica BioScience, a ameaça de degradação crítica se deve a uma série de decisões locais, aparentemente sutis, que não respondem por seu impacto cumulativo naquele que é um dos ecossistemas mais biodiversos da Terra.
Em formato de carta, o artigo é assinado por cientistas da Panthera, uma organização global de conservação de gatos selvagens, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), do Instituto Smithsonian de Biologia da Conservação e do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, que pertence ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CENAP/ICMBio).
Pantanal tem uma das maiores concentrações de fauna e flora da América do Sul
Abrangendo mais de 179 mil km2 de área, o Pantanal tem uma das maiores concentrações de flora e fauna da América do Sul, enquanto serve como um dos modelos mais bem sucedidos do planeta para o uso sustentável de um Common-pool Resources (CPR) – termo da linguagem econômica que significa, em tradução livre, “recursos de propriedade comum”.
É designado patrimônio nacional pela Constituição Brasileira e uma região de uso restrito cuja exploração deve ser ecologicamente sustentável. A maior parte de suas terras é usada para a pecuária tradicional e a pesca por comunidades locais e pescadores esportivos, com relativamente pouco impacto em seus ecossistemas.
No entanto, os pesquisadores citam em sua carta que, nas últimas décadas, houve uma escalada perigosa em decisões locais e legais de uso da terra e propostas para abrir a área para propósitos mais intensivos, que ameaçam coletivamente a sobrevivência a longo prazo do Pantanal.
“Ainda há esperança para o Pantanal, mas seu uso sustentável não deve ser desafiado pelas consequências de pequenas decisões equivocadas que não consideram seus impactos cumulativos, comprometendo o futuro da pecuária sustentável, da pesca, do ecoturismo, das comunidades tradicionais, da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”, alertam os autores do artigo.
Primeiros alertas surgiram há mais de 20 anos
Em 2001, um grupo de pesquisadores liderados pelo cientista J.F. Gottgens, da Universidade de Toledo, nos EUA, fez os primeiros alertas de que os interesses individuais e locais são prejudiciais aos interesses coletivos da conservação do Pantanal, comparando a situação à “tragédia dos comuns” ou à “tirania das pequenas decisões”, em um estudo também publicado pela Bioscience.
Mais de duas décadas depois, estudiosos afirmam que a previsão de Gottgens se concretizou. Eles citam a aprovação de um número crescente de usinas hidrelétricas nas bacias hidrográficas que formam as zonas úmidas do Pantanal, o que pode causar mudanças significativas na hidrologia e na ingestão de nutrientes nos ecossistemas.
Recentemente, em janeiro deste ano, a construção do porto de Barranco Vermelho no Rio Paraguai recebeu aprovação preliminar do Conselho de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso. O licenciamento levou em conta apenas as consequências locais do empreendimento, sem considerar que esse porto só seria viável se uma hidrovia projetada fosse implantada para o sul no Rio Paraguai.
Segundo os ambientalistas, a hidrovia pode representar uma ameaça substancial ao Pantanal devido ao seu potencial de influenciar negativamente a assinatura hidrológica dos ecossistemas.
As ameaças ao Pantanal também têm relação com as mudanças climáticas em escala global e com o desmatamento na Floresta Amazônica, que alteram os ciclos das chuvas que alimentam a região pantaneira, além de provocar secas severas e incêndios de grandes proporções.
Estima-se que pelo menos 17 milhões de animais tenham sido mortos por incêndios florestais que queimaram um quarto do Pantanal brasileiro em 2020, segundo estudo da Rede Mogu Mata, coordenado pela Embrapa Pantanal e o CENAP/ICMBio em colaboração com a Panthera.
Estamos testemunhando a ‘termitização’ do Pantanal, semelhante aos efeitos de um ataque de cupins a um pedaço de madeira”, declarou Rafael Morais Chiaravalloti, do IPÊ e do Instituto Smithsonian de Biologia da Conservação. “Pequenos buracos generalizados estão sendo feitos que não são perceptíveis apenas olhando de fora. Se não cuidarmos deles, eles se tornam tão numerosos que podem levar o Pantanal ao colapso”.
Fernando Tortato, da organização Panthera, enfatizou que o Pantanal é um ecossistema no qual a extensão e duração das enchentes sazonais são vitais para a manutenção da biodiversidade, da pecuária tradicional e dos recursos utilizados pelas comunidades locais. “Estamos testemunhando uma convergência de ameaças que podem levar ao desaparecimento do Pantanal como o conhecemos hoje”.
Fonte: Olhar Digital