Reach Penaflor tem uma missão.
Desde 2009, ele trabalha em conjunto com o grupo River Warriors (“Guerreiros do Rio”, em tradução livre), que se dedica a limpar os estuários que deságuam no rio Pasig, que atravessa a maior área urbana das Filipinas – a região metropolitana da capital do país, Manila, conhecida pelos seus odores nocivos. Os cientistas afirmam que o Pasig é o rio que mais contribui para a poluição do ambiente marinho.
Quando a limpeza começou, havia tanto lixo sólido na água que ele precisou ser removido manualmente. Mulheres voluntárias percorriam as águas poluídas, quase sem roupas de proteção, antes que pudesse começar a dragagem.
“Elas precisavam cavar fundo para retirar as coisas, usando apenas luvas para sua proteção”, relembra Penaflor. “Eu decidi ir trabalhar com elas e só consegui por meio dia. Não parava de me coçar e não conseguia me livrar daquele mau cheiro.”
Penaflor e seus colegas conhecem a reputação duvidosa do rio Pasig e a tarefa hercúlea de tentar mudar essa situação. As Filipinas são um dos maiores geradores de poluição marinha da Ásia – e, de forma talvez surpreendente, a maior parte desse lixo acaba perto do litoral.
Britta Denise Hardesty, principal cientista de pesquisa dos oceanos e da atmosfera da Organização de Pesquisa Industrial e Científica da Comunidade Britânica (CSIRO, na sigla em inglês – o organismo nacional de pesquisa da Austrália), afirma que existem muitos conceitos errôneos envolvendo o lixo que vemos no oceano.
Existem lugares onde podemos ver o lixo flutuando na nossa linha de visão, mas, em outros, as correntes oceânicas podem carregar o material para o mar e fazer com que ele se acumule em sopas de plástico em locais distantes, como a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, entre o Havaí e a costa oeste dos Estados Unidos.
Muito já se falou sobre a Mancha do Pacífico, mas ela é apenas um dos giros – correntes oceânicas em circulação – que se movem ao longo dos oceanos do planeta em um círculo sem fim.
Os giros são parte de uma “esteira transportadora oceânica” dirigida pelas correntes que se movem ao longo da superfície dos oceanos, fluindo no sentido horário, no norte, e anti-horário, no sul. E, como as correntes também se comportam como imensas banheiras de hidromassagem, elas acabam empurrando fragmentos para mais perto do centro, onde podem acumular-se em concentrações mais altas, devido à redução da ação dos ventos e das ondas.
Britta Baechler, gerente sênior de pesquisas sobre plásticos nos oceanos da organização ambiental Ocean Conservancy, afirma que “ao todo, existem cinco grandes giros oceânicos”.
“Todos os cinco giros são grandes sistemas de correntes oceânicas circulares que acumulam objetos flutuantes, incluindo plásticos”, explica ela, mas “o Giro do Pacífico norte é o giro oceânico mais pesquisado e sabemos menos sobre os outros quatro”. Os outros giros ficam no Pacífico Sul, no Atlântico Norte e Sul e no Oceano Índico, além de diversos outros giros menores.
“O que é importante saber ou observar é que a maior parte do plástico ou do lixo perdido no meio ambiente não vai para esses bolsões”, afirma Hardesty. “Ele não vai para o meio do oceano. A maioria dos nossos fragmentos, na verdade, fica presa na vegetação litorânea em terra.”
De fato, a maior parte dos fragmentos que podem ser encontrados no oceano já está por lá. Pelo menos a metade vem de navios pesqueiros que entram e saem de águas internacionais e inclui redes e equipamento de pesca perdido ou abandonado. Em seguida, vem o material que era transportado pelo oceano e acabou sendo perdido no mar.
O Conselho Mundial de Transporte Marítimo estima que, em média, 1.382 contêineres sejam perdidos todos os anos, devido a fortes ventos e marés altas. Mas esse número pode ser muito maior, pois as perdas de contêineres varridos dos navios somente são relatadas quando se sabe que eles estão transportando materiais perigosos.
Uma das perdas de contêineres mais conhecidas do século 20 envolveu mais de 29 mil brinquedos de banho, incluindo patos, tartarugas, sapos e castores de brinquedo, embarcados da China para os Estados Unidos em 1992. Esses patos depois chegaram ao noticiário, quando começaram a aparecer em praias nos Estados Unidos – e continuaram a ser encontrados por mais de duas décadas depois do incidente.
Pode parecer que se trata de uma boa notícia, mas nem tudo é positivo.
Hardesty explica que, se existirem centenas de toneladas de lixo caminhando pelo oceano, outros produtos flutuantes podem ainda chegar à zona do litoral, que se estende até cerca de 8 km da costa. E, dali, uma combinação de ventos, correntes e ondas pode destruir o lixo e levar os fragmentos até milhares de quilômetros de distância do seu ponto de origem.
“Sabemos [por exemplo] que existem objetos que viajaram do Japão até a costa oeste dos Estados Unidos em menos de um ano depois que o tsunami [de 2011] carregou objetos grandes, como motocicletas e atracadouros flutuantes através do Oceano Pacífico em um ou dois anos”, relembra ela.
São principalmente os objetos flutuantes levados pelas correntes oceânicas que podem acabar fazendo parte da Grande Mancha de Lixo do Pacífico, que foi apresentada pela primeira vez pelo oceanógrafo americano Curtis Ebbesmeyer, em 1997. Ele passou décadas estudando e rastreando fragmentos no oceano, até descrever a mancha como um dos “pontos geológicos mais importantes” do planeta.
Por que o plástico?
A poluição dos oceanos fez com que os giros se tornassem massas flutuantes em forma de sopa de microplásticos, resultantes da decomposição física que começa assim que o plástico escapa para o mar.
Materiais orgânicos mais pesados, como madeira e metais, podem degradar-se ou afundar até o fundo do mar. Mas o plástico se decompõe perto da superfície, como reação física à abrasão, exposição prolongada aos raios ultravioleta e degradação pelo contato prolongado com a água.
A decomposição dos pedaços de plástico maiores em fragmentos ou pedaços menores, devido à sua exposição às forças físicas, como o vento ou as ondas, cria os microplásticos que infestam nossos oceanos hoje em dia.
Estudos demonstraram que esses pedaços podem medir menos de um terço de milímetro e compõem até 60% dos fragmentos plásticos flutuantes no Giro do Pacífico Norte. Mas não se sabe exatamente quanto plástico acaba se acumulando no centro dos giros.
Entre 2016 e 2017, a Fundação de Pesquisas Marinhas Algalita, com sede nos Estados Unidos, explorou o Pacífico Sul. Ela recolheu amostras do Giro Subtropical do Pacífico Sul e encontrou o que eles acreditavam serem altas concentrações de fragmentos plásticos, mas suas quantidades não foram reveladas.
A fundação não tinha certeza se aquelas concentrações estavam acima dos níveis normais. Por isso, eles procuraram obter mais dados para estudar o que poderia ser um grande erro de estimativa da quantidade de plástico encontrada atualmente nos oceanos do planeta.
Antes daquele estudo, em 2014, acreditava-se que os giros tivessem apenas 200 a 600 g de resíduos plásticos por quilômetro quadrado. Mas, atualmente, Baechler afirma que “as pesquisas existentes indicam que outros giros podem acumular muito menos resíduos plásticos em comparação com o Giro do Pacífico Norte”.
Amostragens concluíram, por exemplo, que a quantidade média de plástico no Giro do Pacífico Sul é de 26.898 partículas por quilômetro quadrado. E, em média, existem 20.328 itens por quilômetro quadrado no giro subtropical do Atlântico Norte, em comparação com mais de 700 mil partículas por quilômetro quadrado encontradas no Pacífico Norte.
Enquanto o Programa Ambiental das Nações Unidas estima que existem hoje de 75 a 199 milhões de toneladas de plástico nos oceanos, não há como ter certeza de quanto desse plástico está chegando aos giros, já que um grande percentual fica preso perto do litoral.
Hardesty afirma que a quantidade de plástico encontrada nos oceanos vem acompanhando a produção mundial de plástico e aumenta em 1,5 a 2% todos os anos.
“Estamos encontrando cada vez mais plástico nos oceanos”, afirma ela. “E, como esses giros ou áreas de acúmulo estão onde os agregados de plástico estão se reunindo, é bem razoável observar, pensar e esperar que, sim, estamos vendo um aumento do plástico também nessas áreas de acúmulo, os principais giros.”
A superfície desses giros de lixo pode ser uma visão desagradável, mas o que mais preocupa os pesquisadores é o que acontece embaixo.
“Um estudo coletou amostras da superfície do Giro do Pacífico Norte ao longo de um período de 22 anos (1986-2008) e concluiu que, apesar do aumento contínuo da produção e do descarte mundial de plástico, a concentração de fragmentos de plástico naquela região não havia aumentado”, afirma Baechler.
“Isso pode ocorrer porque o plástico flutuante não fica na superfície para sempre. Descobriu-se que os fragmentos de plástico flutuantes que se reúnem no giro também afundam pela coluna de água, até o fundo do mar”, explica ela.
À medida que isso acontece, diversos estudos agora demonstram que esses plásticos estão entrando no ecossistema marinho, onde não só são ingeridos, mas também inalados pelos animais, incluindo aves marinhas, peixes e tartarugas.
‘Impactos imensos’
Plásticos vagueando pelos oceanos que não se decompõem também têm a capacidade de viajar pelo mundo como os patos de brinquedo. E também permitem que micróbios e outros organismos marinhos movam-se de uma região para outra, inadvertidamente transportando espécies para regiões onde podem tornar-se invasoras.
Existem também as ameaças representadas pelas redes de pesca perdidas, que podem capturar a vida marinha.
“Diversos objetos causam danos enormes à vida selvagem”, afirma Hardesty. “Plásticos moles são facilmente ingeridos pelos animais e têm imenso impacto negativo sobre os mamíferos marinhos, aves marítimas e tartarugas.”
“Mas as redes de pesca perdidas ou abandonadas são realmente problemáticas, porque elas capturam a vida selvagem e continuam pescando indiscriminadamente. Os animais nadam para essas redes perdidas, ficam presos e morrem”, acrescenta ela. E, como os fragmentos agora estão muito interligados à vida marinha, é difícil removê-los dos giros.
“Limpar o lixo plástico diretamente do Giro do Pacífico Norte é uma tarefa muito difícil”, segundo Baechler. “O mais rápido e econômico é reduzir ou remover o fluxo de lixo [na fonte, em terra] bem antes que ele atinja o oceano e entre nos giros.”
Isso aumenta a importância do trabalho de Reach Penaflor e seus Guerreiros do Rio, além da organização Ocean Conservancy, de Baechler.
“Embora seja difícil medir diretamente o impacto dos nossos esforços em terra sobre a quantidade de plástico em alto mar e, mais especificamente, nos giros, o que sabemos é que a redução da poluição plástica no litoral e em terra significa que menos poluição está atingindo nossos cursos d’água e, por fim, entrando no oceano”, conclui Baechler.
Fonte: BBC