A Embrapa acaba de disponibilizar ao mercado a cultivar de arroz vermelho BRS 901, a primeira obtida a partir de cruzamento artificial no País. A nova variedade é indicada para cultivo nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Trata-se de uma opção para atender a nichos de mercado, podendo compor pratos típicos da Região Nordeste e receitas da alta gastronomia.
A produção de arroz vermelho no Brasil concentra-se nos estados da Paraíba, maior produtor, e Rio Grande do Norte, mas ele é encontrado como cultura de subsistência no Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo, onde ainda é cultivado utilizando-se técnicas tradicionais. A produção desse arroz no País, em anos de safras normais (sem escassez de chuvas), é de cerca de dez mil toneladas, um terço do que era produzido há 50 anos.
O arroz vermelho tem também despertado o interesse de produtores do Sul e Sudeste, que utilizam alto padrão tecnológico em suas lavouras, e também de uma parcela de consumidores dos centros urbanos que buscam novas opções gastronômicas.
As cultivares utilizadas nas lavouras de hoje foram selecionadas ao longo do tempo pelos próprios produtores e apresentam porte alto, folhas longas e são decumbentes (inclinadas). As plantas também mostram baixo potencial produtivo, alta suscetibilidade ao acamamento e baixo rendimento de grãos inteiros.
Planta menor e mais produtiva
O desenvolvimento da nova cultivar visou à redução da altura da planta e ao aumento da produtividade de grãos e do porcentual de grãos inteiros após o beneficiamento. O trabalho de pesquisa começou com a caracterização e o estabelecimento de uma coleção de acessos com potencial para melhoramento genético. Esses cruzamentos artificiais, realizados no âmbito do programa de melhoramento genético de arroz da Embrapa, possibilitaram a geração de dezenas de linhagens de arroz vermelho com características agronômicas, industriais e culinárias de interesse para o programa. Foram oito anos de trabalho, desde a realização dos cruzamentos até a seleção e posterior registro da linhagem MNA 0901 no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que resultou na denominação da cultivar de BRS 901.
“Essa é a primeira cultivar de arroz vermelho melhorada disponibilizada para pequenos agricultores nordestinos que plantam ainda as mesmas cultivares introduzidas no período da colonização. É mais produtiva e possui maior resistência ao acamamento de plantas do que as cultivares tradicionais plantadas, além de maior rendimento de grãos inteiros por ocasião do beneficiamento”, explica o pesquisador da Embrapa Meio-Norte (PI) José Almeida Pereira, que com Orlando Peixoto de Morais, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão(GO) falecido em 2017, liderou a equipe responsável pelo processo de criação e desenvolvimento da nova cultivar.
Almeida dedica-se ao estudo do arroz vermelho há 28 anos. Ao longo desse período, o pesquisador se aprofundou no conhecimento da cultura, tendo sido autor das primeiras publicações nacionais sobre ela. Constituiu uma coleção de variedades, caracterizou-as e selecionou as consideradas de maior interesse para o programa de melhoramento genético da Embrapa. O fruto desse trabalho é a cultivar BRS 901 e outras variedades ainda a serem lançadas, em fase final de desenvolvimento.
Características da cultivarA variedade BRS 901 é indicada para cultivo nos sistemas convencional e orgânico, nas condições de várzea nordestina. Em relação à umidade, ela requer um solo encharcado e com lâmina d’água de cerca de 5 cm a 20 cm de altura, dependendo da fase de desenvolvimento das plantas. Nas condições do Nordeste brasileiro, onde foi testada, o ciclo da cultivar é, em média, de 124 dias contados a partir da semeadura. Ou seja, de 15 a 21 dias mais tardio do que o das cultivares Vermelho Tradicional e Cáqui Vermelho, respectivamente, utilizadas como testemunhas. A BRS 901 também se destaca pela menor altura de planta em relação às duas testemunhas utilizadas nos experimentos. Sobre o acamamento, Almeida esclarece que, embora apresente maior resistência à queda do caule, se for cultivada em solos com altos teores de matéria orgânica e que venham a receber elevadas doses de adubo nitrogenado, o acamamento poderá ocorrer. O problema também poderá aparecer se no plantio for utilizada densidade excessiva de sementes. Contudo, o pesquisador afirma que o novo material se sobressai diante dos demais nessa característica agronômica. Quanto ao período de dormência das sementes, uma característica comum ao arroz vermelho, a nova cultivar germina naturalmente em um espaço de tempo de 10 e 20 dias mais cedo, respectivamente, do que as testemunhas testadas, segundo o cientista da Embrapa. Segundo o pesquisador Carlos Santiago, da Embrapa Cocais (MA) não há diferenças entre o arroz vermelho e o arroz branco quanto ao manejo integrado. “O ciclo das variedades do tipo branco e do tipo vermelho são idênticos e a necessidade de água e de nutrientes também são iguais. A diferença entre elas é apenas a cor e formato do grão, no mais, o que se aplica a uma lavoura de arroz irrigado, se aplica a uma lavoura de vermelho”, esclarece. |
Arroz rico em nutrientes
Embora seja encontrado nas feiras em alguns estados do Nordeste, nas demais regiões, é possível encontrar o arroz vermelho em supermercados, na prateleira reservada aos arrozes especiais, com preço superior ao arroz branco, chegando ao dobro do valor.
Ultimamente, o grão tem se destacado na culinária gourmet, na elaboração de saladas, bolinhos e como acompanhamento de carnes brancas, como peixe e frango. Tem atraído também consumidores adeptos da alimentação mais natural, que buscam grãos integrais e produtos orgânicos.
O pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão (GO) José Manoel Colombari Filho, coordenador do Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz, destaca a importância do arroz vermelho como alimento funcional. “A grande diferença entre o branco e o vermelho é que este último conta com a presença de compostos fenólicos, os mesmos que encontramos nas uvas e no vinho. Quando consumimos o grão integral, estes compostos trazem benefícios à nossa saúde, pois eles previnem doenças degenerativas e têm ação anti-inflamatória e hipoglicêmica. É, portanto, um alimento funcional, que se consumido costumeiramente, traz benefícios à nossa saúde”, destaca Colombari.
Pesquisas realizadas pela Embrapa apontam que o arroz vermelho apresenta três vezes mais ferro e duas vezes mais zinco do que o arroz branco. Por ser parcialmente polido, ele retém maior número desses nutrientes e é um importante alimento no combate à desnutrição.
Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, o arroz-vermelho é um alimento importante nas residências e nos restaurantes do interior. Ele é a base de dois dos principais pratos da alimentação regional: o arroz-de-leite e o arrubacão, este preparado com feijão-caupi (feijão-de-corda ou feijão-macassar) e queijo de coalho.
Com esse arroz, prepara-se também um caldo que é empregado na alimentação de crianças, visando o controle de diarreias. A agricultora Elisângela Nunes Pinto, moradora da comunidade Mata de Oitis, no município de Diamante (PB), conta que no início de 2018, houve um surto de diarreia em crianças na região onde vive e que o caldo de arroz vermelho foi utilizado pelas famílias no controle da doença. “Na minha casa só faço arroz branco quando tem alguma visita que não gosta do vermelho. Eu e minha família todo dia comemos arroz-de-leite feito com arroz vermelho e quando alguém está com diarreia, também uso o caldo para tratar”, acrescenta.
No sul do Ceará, o arroz vermelho é o principal componente da dieta alimentar das mulheres parturientes e na Chapada Diamantina, na Bahia, é utilizado no preparo de pratos típicos, como o arroz-de-garimpeiro, preparado com carne-de-sol e legumes.
O arroz que foi proibido no MaranhãoO arroz vermelho é da mesma espécie do arroz branco (Oryza sativa L.). É o mais antigo a ser cultivado no mundo e o primeiro a ser introduzido no Brasil, chegando pela Bahia, no século 16. No século 17, chegou à capitania do Maranhão, onde passou a ser amplamente cultivado. Em pesquisas sobre a origem do arroz vermelho, Almeida descobriu em publicações antigas de que as primeiras sementes do cereal introduzidas no Maranhão chegaram ao País trazidas por intermediários vindos do arquipélago dos Açores. Os lavradores locais o disseminaram e passaram a denominá-lo de arroz-da-terra e arroz-de-veneza. Alguns anos depois, em 1765, o arroz branco, vindo de Lisboa, em Portugal, chegou ao Brasil, ingressando pelo Maranhão. Os lavradores maranhenses que já cultivavam o arroz vermelho não aceitaram produzir o branco. O governador do Maranhão resolveu então proibir, em 1772, o cultivo das variedades vermelhas. A proibição vigorou por mais de 120 anos. “Com isso, o arroz vermelho praticamente desapareceu do Maranhão, migrando para outras regiões onde não havia restrição ao seu cultivo”, acrescenta o pesquisador. A Paraíba, em especial a região do Vale do Rio Piancó, é um dos estados onde o arroz vermelho foi disseminado e nos dias atuais é considerado o refúgio dessa cultura no Brasil, onde ainda permanece sendo conhecido como arroz-da-terra. Lá, anualmente são plantados em torno de 5 mil hectares desse cereal que é a principal cultura da região de solos naturalmente férteis, isolada geograficamente e desprovida de tecnologias. A segunda maior área plantada também fica na Paraíba, no Vale do Rio do Peixe, que diferentemente do Vale do Rio Piancó recebeu influência de tecnologias levadas por órgãos do governo, em razão da localização geográfica mais acessível. O município de Sousa, onde foi lançada a cultivar BRS 901, está situado nesse vale. O estado do Rio Grande do Norte também mantém a tradição no cultivo do arroz vermelho, embora em menor quantidade do que na Paraíba. No Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo, o cereal é plantado, mas em pequenas quantidades, apenas para subsistência. |
Alternativa para produções orgânicas e convencionais
O produtor Paulo Sérgio da Silva herdou do pai o interesse pelo cultivo do arroz vermelho. Ainda jovem começou a ajudá-lo na lavoura e hoje, aos 48 anos, é um dos maiores produtores de arroz vermelho da Paraíba. Na propriedade, no município de Sousa (PB), é utilizado o manejo convencional, com uso de adubos químicos e de herbicidas, para o controle de pragas e doenças.
Os 25 hectares que Silva utiliza para o plantio estão situados no encontro do rio do Peixe com os riachos São Francisco e Cupins. Essa localização favorece o cultivo do arroz vermelho, pois é inundada no período das chuvas e permanece com água por vários meses. “Nessa área eu consigo tirar umas quatro a seis safras, dependendo da quantidade de chuvas, e vendo a produção para empacotadores aqui da região”, explica.
Outro que também tem lucrado com o cultivo do arroz vermelho é Manoel Zacarias. Ele produz arroz vermelho orgânico nos municípios de Piancó e Catingueiras, também na Paraíba. Técnico em Agropecuária, com larga experiência com agricultura orgânica, ele produz em dez hectares arroz vermelho e negro e envia para comerciantes de produtos orgânicos de São Paulo. Na propriedade, toda a produção é realizada utilizando-se adubação orgânica. O manejo da água é realizado de maneira a controlar as ervas daninha, sem uso de herbicidas. “Tudo é feito dentro das normas para classificação de orgânicos. Temos certificado do IBD, empresa certificadora de produtos agropecuários e alimentícios”, conta.
Além das vantagens do ponto de vista da preservação ambiental e do consumo de alimentos saudáveis, a produção orgânica também é vantajosa comercialmente. Enquanto o quilo de arroz vermelho cultivado de maneira convencional é vendido a R$ 1,15 o quilograma para o empacotador, o arroz vermelho orgânico, a granel, é comercializado ao preço de R$ 6,00 o quilo.
Para o engenheiro agrônomo e coordenador regional da Emater em Sousa (PB), Francisco de Assis Bernardino, a nova cultivar tem diversas vantagens em relação às variedades tradicionais, como o ciclo mais curto, que irão favorecer a produção da região e a melhoria na renda dos produtores. “Precisamos disseminar essa nova variedade para os produtores da Paraíba e com isso melhorar a produtividade e a economia da nossa região”, ressalta.
Fonte: Embrapa